• Nenhum resultado encontrado

Menções sobre o estado e condição aparentes da mercadoria

CAPÍTULO II  AS RESERVAS NOS VÁRIOS MODOS DE TRANSPORTE

1. Transporte marítimo

1.3. Regras de Roterdão

1.3.2. Menções sobre o estado e condição aparentes da mercadoria

O transportador tem também o dever de fazer menção, no documento de transporte ou documento eletrónico de transporte, ao estado e condição aparentes das mercadorias a transportar (artigo 36.º, n.º 2, das RR). Esta menção reveste especial importância252.

Com efeito, contrariamente à informação precedente a que se refere o artigo 36.º, n.º 1, e à semelhança do previsto nas demais Convenções do transporte marítimo, esta já não resulta de um exame comparativo com as informações transmitidas pelo carregador.

Face à ambiguidade suscitada por esta expressão, sentiu o legislador das RR a necessidade de proceder à sua clarificação. Neste contexto, as RR densificam o que deverá entender-se por estado e condição aparentes da mercadoria, considerando que tal estado e condição serão aqueles que sejam revelados mediante uma (i) inspeção externa razoável da mercadoria embalada na altura da entrega pelo carregador ao transportador ou a uma parte executante, e (ii) qualquer inspeção adicional antes da emissão do documento realizada pelo transportador ou por uma parte executante (artigo 36.º, n.º 4 das RR).

1.3.3. Reservas à partida

Feita uma referência às menções do documento de transporte ou documento eletrónico de transporte que apresentam conexão com as reservas, importa agora verificar os casos em que estas poderão ou deverão (consoante o caso) ser apostas em tais documentos, bem como as consequências a estas associadas.

251 Cf. M

ICHAEL F.STURLEY,TOMOTAKA FUGITA,GERTJAN VAN DER ZIEL, The Rotterdam Rules, cit., p. 215.

252

Cf. SOVERAL MARTINS, “Os documentos de transporte nas Regras da Haia e nas Regras de Roterdão”,

75

O artigo 40.º das RR regula expressamente as reservas, estabelecendo-lhe um regime próprio que, pode dizer-se, é substantivamente rico em termos de conteúdo por comparação aos outros regimes: de todos os regimes analisados, este é o normativo mais desenvolvido em matéria de reservas253.

As RR procedem a uma importante distinção das reservas (que não é feita nos outros regimes jurídico), a saber: (i) por um lado, configuram determinadas reservas como um dever; (ii) por outro lado, aludem à possibilidade de apor determinadas reservas. Justifica-se, então, um tratamento autónomo de cada uma destas subcategorias.

a) Dever

O artigo 40.º, n.º 1, das RR, prevê que o transportador tem o dever de formular reservas relativamente à informação mencionada no artigo 36.º, n.º 1, por forma a não responder pela exatidão das informações tal como transmitidas pelo carregador, sempre e quando:

(i) saiba efetivamente que qualquer declaração contida no documento de transporte ou no documento eletrónico de transporte é falsa ou enganosa; ou (ii) tenha motivos razoáveis para crer que alguma declaração contida no

documento de transporte ou documento eletrónico de transporte é falsa ou enganosa.

FRANCESCO BERLINGIERI, aparentemente acompanhando nesta matéria a posição de FUJITA, refere que esta expressão parece sugerir estarem em causa situações em que a

diferença/desconformidade não será significativa, v.g., se a quantidade ou o peso das mercadorias forem diferentes254.

Esta solução das RR tem plena razão de ser e funda-se nos mais elementares princípios do ordenamento jurídico  maxime o da boa fé. Com efeito, o transportador ou um seu representante, consoante o caso, sabendo de antemão que está perante uma informação falsa ou enganosa, ou tendo motivos razoáveis para suspeitar dessa

253 Todavia, como se sabe, as RR ainda não entraram em vigor. Sendo, no entanto, um regime

desenvolvido e que, de alguma forma, acolhe os usos do comércio internacional, expressando sobretudo as preocupações relacionadas com as exigências atuais do comércio internacional  tais como o fenómeno da contentorização e o transporte multimodal (pelo menos em parte), não poderemos, evidentemente, deixar de lhe atribuir um relevo acentuado.

254

Cf. FRANCESCO BERLINGIERI, “An analysis of two recent commentaries of the Rotterdam Rules”, Il

76

informação falsa ou enganosa, não deve deixar passar “em branco” essa informação, pois sabe a priori que tal constitui um “atentado” à confiança do comércio. Sabe a priori que a eventual circulação do documento e que todos os negócios que girem em torno dele serão fundados numa falsa representação da realidade que, muito provavelmente, não teriam sido efetivados (ou não teriam sido efetivados do mesmo modo e nas mesmas condições) caso no documento estivesse contida a informação coincidente com a realidade.

b) Possibilidade de apor reservas carga contentorizada vs. carga não contentorizada

Sem prejuízo do disposto no artigo 40.º, n.º 1, o n.º 2, das RR prescreve que o transportador poderá formular reservas relativamente à informação mencionada artigo 36.º, n.º 1, nas circunstâncias e na forma estabelecidas nos n.ºs 3 e 4 deste preceito, para indicar que não responde pela exatidão da informação disponibilizada pelo carregador.

Nos termos do artigo 40.º, n.º 3, quando as mercadorias não hajam sido entregues ao transportador ou parte executante dentro de um contentor ou veículo fechado, ou quando hajam sido entregues num contentor ou veículo fechado e o transportador ou uma parte executante as hajam inspecionado efetivamente, o transportador poderá formular reservas sobre as indicações de acordo com o previsto no parágrafo 36.º, sempre e quando:

a) não disponha de nenhum meio materialmente praticável ou comercialmente razoável para verificar a informação disponibilizada pelo carregador, devendo nesse caso indicar qual a informação que não pode verificar; ou

b) tenha motivos razoáveis para crer que a informação disponibilizada pelo carregador é inexata, caso em que poderá inscrever uma cláusula indicando o que razoavelmente entenda por informação inexata;

Prevê, por sua vez, o n.º 4 que quando as mercadorias sejam entregues ao transportador ou a uma parte executante dentro de um contentor ou veículo fechado, o transportador poderá formular reservas nos dados do contrato relativamente à informação indicada:

77

a) nas als. a), b) e c) do artigo 36.º, n.º 1 das RR (descrição das mercadorias apropriadas para transporte, marcas e número de embalagens ou unidades ou quantidade das mercadorias), sempre e quando:

(i) nem o transportador nem uma parte executante hajam inspecionado efetivamente as mercadorias dentro do contentor do veículo; e

(ii) nem o transportador nem uma parte executante tenham de outro modo conhecimento efetivo do seu conteúdo antes de emitir o documento de transporte ou documento eletrónico de transporte;

b) na al. d) artigo 36.º, n.º 1, das RR (peso da mercadoria), sempre e quando:

(i) nem o transportador nem uma parte executante hajam pesado o contentor do veículo e o carregador ou transportador não houvessem acordado que esse contentor ou veículo seria pesado e o seu peso seria mencionado nos dados do contrato; ou

(ii) o transportador não disponha de meio algum materialmente praticável ou comercialmente razoável para verificar o peso do contentor ou veículo.

1.3.4. Valor probatório do documento de transporte  rectius, efeito