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O caso específico da contentorização

CAPÍTULO III  DOGMÁTICA COMUM DAS RESERVAS

5. O caso específico da contentorização

Como vimos, a contentorização possibilitou uma maior agilização e celeridade das operações de carregamento e descarregamento, bem como uma redução drástica dos custos de transporte. Impõe-se, nesta senda, uma interpretação do regime das reservas que tenha em conta esta realidade  que, de resto, já se encontra plasmada nas RR.

Em nosso entender, mesmo em relação aos instrumentos normativos que não a regulam, uma correta interpretação das suas normas  nomeadamente dos conceitos indeterminados relacionados com a razoabilidade dos meios de verificação das mercadorias  permite-nos chegar a conclusões idênticas ao previsto nas RR.

Neste contexto, e retomando os conceitos da tipologia de contentores supra referida, cumpre distinguir os seguintes tipos433:

(iii) contentores FCL (full container load)  estes contentores são arrumados pelo carregador e entregues ao transportador já fechados e selados;

(iv) contentores LCL (less than full container load)  estes contentores são arrumados pelo transportador (a estiva é feita pelo próprio transportador).

Quanto a estes últimos (LCL), não se vislumbram especificidades que justifiquem considerações especiais quanto à admissibilidade das reservas. Com efeito, neste caso, o transportador terá, em princípio, meios para proceder a uma verificação razoável das mercadorias que lhe permita identificar as marcas, quantidade e peso das mercadorias, bem como a condição e estado aparentes.

Os primeiros (FCL), porém, merecem considerações especiais em termos de regime, urgindo fazer uma interpretação teleológica dos instrumentos normativos que, à data em que foram aprovados, não regularam (pelo menos expressamente) este tipo de situações.

433 Cf. M

ÁRIO RAPOSO, “As reservas ao conhecimento em direito marítimo”, cit., 575 e, do mesmo autor,

“Transporte marítimo de mercadorias. Os problemas”, I Jornadas de Lisboa de Direito Marítimo – O

contrato de transporte marítimo de mercadorias, Almedina, 2008, p. 72; JANUÁRIO DA COSTA GOMES, O ensino do Direito Marítimo, Almedina, 2005, pp. 228-229.

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Em primeiro lugar, deverá considerar-se que nestas situações são, em princípio, admissíveis reservas genéricas434. Ao abrigo da CB 1924, há autores que aludem à possibilidade de o transportador escolher uma de duas vias: (i) pode, pura e simplesmente, não mencionar no documento os dados não verificáveis; ou, (ii) pode inserir reservas genéricas com cláusulas do tipo “dice essere” (“said to be”), “ignoro peso” (weight unkown”), “dice contenere” (said do contain”), etc.435. Temos, no entanto, muitas dúvidas de que existam estas duas possibilidades para o transportador. Mais do que isso, parece existir um verdadeiro dever de formular reservas nalgumas situações, como veremos.

Em segundo lugar, aquilo que se deverá questionar, nesta sede, é se o efeito presuntivo prima facie se poderá verificar quando a mercadoria tenha sido arrumada pelo carregador e entregue ao transportador em contentores FCL, tendo o transportador aposto reservas genéricas (v.g., “said to contain”). A resposta será, em princípio, negativa436.

Por outro lado, o facto de o documento de transporte conter, v.g., uma cláusula que permita ao transportador abrir o contentor e a proceder à inspeção das mercadorias não afeta esta posição437. Isto porque, não obstante o poder fazer, não lhe é exigível, em termos de razoabilidade, que assim proceda se se tratar de um contentor FCL. De facto, perante esta realidade, um transportador não tem, efetivamente e realisticamente, meios (razoáveis) de proceder à verificação da mercadoria438. O valor probatório dos conhecimentos de carga nestas situações, em que são apostas reservas genéricas é, assim, bastante limitado439.

Podemos, assim, concluir que:

434 Cf., neste sentido, A

NTONIO LEFEBVRE D’OVIDIO, GABRIELE PESCATORE e LEOPOLDO TULLIO,

Manuale di Diritto della Navigazione, cit., p. 619. 435 Cf., neste sentido, A

NTONIO LEFEBVRE D’OVIDIO, GABRIELE PESCATORE e LEOPOLDO TULLIO,

Manuale di Diritto della Navigazione, cit., p. 619.

436 Cf., neste sentido, a Decisão do Supreme Court of New South Wales Commercial Division, de 12 de

agosto de 1987, a respeito do Caso Esmeralda 1, in Lloyd’s Law Reports, 1988, vol. 1, pp. 206-211, em que se considerou que, tendo a mercadoria sido arrumada pelo carregador e entregue ao transportador em contentores FCL e tendo o transportador aposto as cláusulas “said to contain - packed by shippers”,

“particulars furnished by shipper of goods”, não se poderia verificar o efeito presuntivo prima facie

quanto à quantidade das mercadorias constante do conhecimento (porque, no caso concreto, haviam chegaram ao destino unidades do que o devido contratualmente).

437 Cf., neste sentido, a Decisão do Supreme Court of New South Wales Commercial Division, de 12 de

agosto de 1987, a respeito do Caso Esmeralda 1, in Lloyd’s Law Reports, 1988, vol. 1, pp. 206-211 (210).

438

Daí que, ao abrigo de muitas leis nacionais, seja permitido ao transportador inserir reservas genéricas neste caso  cf. LARS GORTON,PATRICK HILLENIUS,ROLF IHRE e ARNE SANDEVÄRN, Shipbroking and

Chartering Practice, London Singapure, 6ª ed., 2004, p. 80. 439

Cf. LARS GORTON,PATRICK HILLENIUS,ROLF IHRE e ARNE SANDEVÄRN, Shipbroking and Chartering

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(i) tratando-se de um contentor FCL, por regra, serão de admitir este tipo de reservas, por existir motivação440;

(v) no caso de um contentor LCL, por regra, não serão admissíveis este tipo de reservas, por ser possível a verificação por este do estado e condições aparentes da mercadoria441. Apenas em casos excecionais e devidamente fundados em que, não obstante a natureza do contentor permitir a verificação do estado e condições aparentes da mercadoria e demais características da mercadoria, se conclua que não deva de ser exigir ao transportador esta verificação, se admitirão reservas desta natureza.

Ainda assim, cabe esclarecer, na esteira de MÁRIO RAPOSO, que nem todas as reservas “said to contain” são admissíveis, de forma indiscriminada, perante um contentor FCL, na medida em que neste tipo de contentores, por regra, o transportador tem ainda a capacidade de verificar o peso442. Isto sem prejuízo de, in concreto, se poderem invocar, caso existam, outros motivos que determinem a impossibilidade de verificação. Simplesmente, o facto de o contentor se encontrar selado não constituirá, de per si, fundamento para a aposição destas reservas.