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Valor probatório da declaração de expedição

CAPÍTULO II  AS RESERVAS NOS VÁRIOS MODOS DE TRANSPORTE

2. Transporte rodoviário

2.3. Valor probatório da declaração de expedição

A vantagem da aposição de reservas prende-se, também no transporte rodoviário, com o valor probatório do documento de transporte, que pode “jogar” contra o transportador se ele não apuser reservas, face às presunções estabelecidas na lei a este respeito361. Afirma, neste contexto, CASTELLO-BRANCO BASTOS que a declaração de

359 Cf. artigos 8.º, n.º 3, da CMR e 5.º, n.º 1, do DL n.º 239/2003. 360

Cf. artigos 10.º da CMR e 16.º do DL n.º 239/2003.

361 Cf. C

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expedição, não sendo um título negociável, nem tendo um valor constitutivo, nem representando a mercadoria (não se trata, portanto, de um título representativo de coisas), ainda assim provoca três presunções a favor do carregador (cf. artigos 9.º da CMR e do DL n.º 239/2003)362.

Concretamente, e em primeiro lugar, o artigo 9.º, n.º 1, da CMR, que deve ser lido em conjugação com o citado artigo 8.º, n.º 1, consagra uma presunção da veracidade da declaração de expedição – uma presunção iuris tantum. Em segundo lugar, na falta de reservas, presume-se que a mercadoria e embalagem estavam em bom estado aparente no momento em que o transportador as tomou a seu cargo363. Por fim, na falta de reservas, presume-se que o número de volumes, as marcas e os números estavam em conformidade com as indicações da declaração de expedição364.

CASTELLO-BRANCO BASTOS afirma a este respeito que todas as presunções são

iuris tantum, admitindo prova em contrário365. A natureza (ilidível) desta presunção também já foi afirmada em Ac. do TRC de 27-05-2015 (Rel.FERNANDO MONTEIRO)366:

“A falta de reservas na declaração de expedição, aquando do recebimento da mercadoria, faz presumir que esta não tinha qualquer avaria, mas a presunção é ilidível, podendo o destinatário provar que a mercadoria está realmente avariada.”

Em recente Ac. do STJ, discutiu-se também uma situação em que tinha sido celebrado um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, tendo sido emitida a declaração de expedição com a identificação da natureza da mercadoria, que continha, além disso, as indicações especificadas no artigo 6.º da CMR, designadamente quanto à denominação corrente da natureza da mercadoria (no caso material informático), nos termos do seu n.º 1, alínea f). Nesse caso, como referido no Ac., o transportador não havia indicado qualquer reserva na declaração de expedição, quando podia, havendo utilidade nisso, “presumindo-se o conhecimento do transportador acerca da natureza da mercadoria, do seu bom estado aparente e da sua quantidade”367.

Note-se que as presunções operam caso o transportador tenha ou não cumprido o seu dever de verificação: o que sucede é que o transportador, não fazendo menção aos

362 Cf. C

ASTELLO-BRANCO BASTOS, Direito dos transportes, cit., p. 133.

363 Cf. artigos 9.º, n.º 2, 1ª parte, da CMR e 9.º, n.º 3, 1ª parte do DL n.º 239/2003.

364 Cf. artigos 9.º, n.º 2, 2ª parte, da CMR e 9.º, n.º 3, 2ª parte do DL n.º 239/2003. Esta presunção, em

rigor, não é distinta da primeira  a da veracidade da declaração de expedição, pois esta contém estas indicações.

365 Cf. C

ASTELLO-BRANCO BASTOS, Direito dos transportes, cit., p. 133.

366

Proc. 587/11.2TBPMS.C1.

367 Cf. Ac. do STJ de 06-04-2017 (Rel.O

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defeitos das mercadorias caso os tenha detetado ou não apondo reservas perde uma oportunidade para salvaguardar a sua posição368. Com efeito, o transportador, em princípio369, pode afastar a presunção relativa ao bom estado aparente da mercadoria e da embalagem, bem como aquela relativa ao número de volumes, às marcas e aos números, cumprindo o “ónus” de formulação de reservas, sempre que estas se justifiquem370.

Mas essas reservas, segundo CASTELLO-BRANCO BASTOS, para serem admissíveis, deverão ser “regulares”, isto é, razoável e suficientemente precisas e fundamentadas371.

2.4. Reservas à chegada

Para além das reservas à partida, a CMR também contém uma previsão específica sobre as reservas à chegada, no seu artigo 30.º. De acordo com o n.º 1 deste artigo:

(i) se o destinatário receber a mercadoria sem verificar contraditoriamente o seu estado com o transportador, ou sem ter formulado reservas a este que indiquem a natureza geral da perda ou avaria, o mais tardar no momento da entrega se se tratar de perdas ou avarias aparentes, ou dentro de sete dias a contar da entrega, não incluindo domingos e dias feriados, quando se tratar de perdas ou avarias não aparentes, presumir-se-á, até prova em contrário, que a mercadoria foi recebida no estado descrito na declaração de expedição;

(ii) as reservas indicadas acima devem ser feitas por escrito quando se tratar de perdas ou avarias não aparentes.

O regime do transporte interno tem uma formulação algo diversa, em termos de redação, dispondo o seguinte:

368 Cf. M

ALCOM CLARKE e DAVID YATES, Contracts of carriage by land and air, London Singapore, 2004, p. 12.

369 Em princípio porque, como veremos adiante quando tentarmos fazer uma construção da dogmática

comum das reservas, existirão situações em que a ordem pública e a boa fé a isso se oporão, i.e., há situações em que a presunção terá de considerar-se iure et de iure, sob pena de comprometimento destes princípios.

370 Cf. C

ASTELLO-BRANCO BASTOS, Direito dos transportes, cit., p. 134. Adiante veremos se se tratará sempre de um ónus, no sentido técnico-jurídico, ou se poderá estar em causa um verdadeiro dever.

371 Cf. C

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(i) em caso de vício aparente da mercadoria ou defeito da embalagem, o destinatário deve, no momento da aceitação, formular reservas que indiquem a natureza da perda ou avaria (artigo 12.º, n.º 2, do DL n.º 239/2003);

(ii) em caso de vício não aparente, o destinatário dispõe de oito dias372 a contar da data da aceitação da mercadoria para formular reservas escritas devidamente fundamentadas e para as comunicar ao transportador (artigo 12.º, n.º 3, do DL n.º 239/2003);

(iii) se o destinatário receber a mercadoria sem verificar o seu estado contraditoriamente com o transportador, ou sem formular as reservas, presume-se, salvo prova em contrário, que as mercadorias se encontravam em boas condições (artigo 12.º, n.º 4, do DL n.º 239/2003).

A primeira diferença que ressalta à vista é o facto de o diploma interno aludir em termos expressos a um “dever” de formular reservas do destinatário. Será mesmo um dever? Adiante faremos juízos a este respeito. Por ora, fica a questão “no ar”.

Ambos os preceitos preveem uma presunção ilidível de que a mercadoria foi recebida nos termos da declaração de expedição se não for verificado contraditoriamente pelo destinatário o seu estado ou não forem formuladas reservas à chegada, admitindo prova em contrário.

O artigo 30.º, n.º 2, da CMR, dispõe ainda que quando o estado da mercadoria foi verificado contraditoriamente pelo destinatário e pelo transportador, a prova em contrário do resultado desta verificação só poderá fazer-se se se tratar de perdas ou avarias não aparentes e se o destinatário tiver apresentado ao transportador reservas por escrito dentro dos sete dias, domingos e dias feriados não incluídos, a contar dessa verificação.

Prevê-se, aqui, também uma presunção ilidível para o caso de o destinatário ter verificado contraditoriamente o estado da mercadoria de que a mercadoria foi recebida nos termos do resultado dessa verificação, só se admitindo prova em contrário se, cumulativamente, se verificarem as seguintes condições: (i) se tratarem de avarias não aparentes; e (ii) o destinatário tiver apresentado reservas ao transportador por escrito no prazo de sete dias, domingos, e dias feriados não incluídos, a contar dessa verificação.

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Note-se ainda que, para efeitos de verificação da mercadoria, o transportador e o destinatário devem colaborar reciprocamente no sentido de conceder um ao outro todas as facilidades razoáveis para o efeito (artigos 30.º, n.º 5, da CMR e 12.º, n.º 5, do DL n.º 239/2003).