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1. Formalização, estrutura, matema e topologia em Lacan

1.1. Modelo, analogia, metalinguagem ou estrutura?

Na introdução da presente dissertação discorremos sobre como Lacan rompe com uma tradição conceitual e filosófica cuja racionalidade se mostrou insuficiente para acolher a hipótese do inconsciente, recorrendo a conceitos e problemáticas advindas dos campos da linguística, da lógica e da matemática. A articulação entre linguagem e sujeito é uma das principais insígnias da psicanálise lacaniana, na medida em que constitui uma opção inusitada, ao menos do ponto de vista da época, na qual os principais nomes do estruturalismo francês apontavam para uma disjunção entre sujeito e linguagem, ou sujeito e estrutura.

Poderíamos então nos questionar se não seria paradoxal falar em estrutura e sujeito coabitando o mesmo espaço, pois, a primeira vista se trata de perspectivas teóricas distintas e incompatíveis. Vejamos, primeiramente, que a noção de estrutura empregada por Lacan é inextricável de seu conceito de significante.

A noção de estrutura merece por si mesma que nela nos detenhamos. Tal como a fazemos funcionar eficazmente na análise, ela implica um certo número de coordenadas, e a própria noção de coordenada dela faz parte. A estrutura é em primeiro lugar um grupo de elementos formando um conjunto covariante. Eu disse um conjunto, e não uma totalidade. Com efeito, a noção de estrutura é analítica. A estrutura se estabelece sempre pela referência de algo que é coerente com algo diverso, que Ihe é complementar. Mas a noção de totalidade só intervém se lidamos com uma relação fechada com um correspondente, de que a estrutura é solidária. Pode haver, ao contrario, uma relação aberta, que chamaremos suplementaridade. O ideal sempre pareceu, àqueles que avançaram numa análise estrutural, ser a de encontrar o que ligava as duas, a fechada e a aberta, o de descobrir do lado da abertura uma circularidade. Penso que vocês já estão bastante orientados para compreender que a noção de estrutura já é por si própria uma manifestação do significante. O pouco que acabo de indicar-lhes sobre sua dinâmica, sobre o que ela implica, dirige vocês em direção à noção de significante. Interessar-se pela estrutura é não poder negligenciar o significante. Na análise estrutural, encontramos, como na análise da relação entre significante e significado, relações de grupos fundadas em conjuntos, abertos ou fechados, mas comportando essencialmente referências recíprocas. Na análise da relação entre significante e significado, aprendemos a insistir na sincronia e na diacronia, e isso se acha na análise estrutural. No fim de contas, ao olha-las de perto, a noção de estrutura e a do significante aparecem inseparáveis. De fato, quando analisamos uma estrutura, é sempre, pelo menos idealmente, do significante que se trata. O que melhor nos satisfaz numa análise estrutural é a extração tão radical quanto possível do significante. (LACAN, 2008e, p. 214)

Este trecho configura uma das primeiras definições que Lacan apresenta acerca de sua noção estrutura, a qual seria um grupo de elementos que compõe um conjunto covariante, ou seja, cujos elementos valem pela relação que apresentam uns aos outros, se determinando mutuamente. Alguns anos depois, Lacan apresenta novas considerações sobre a questão, destacando que a estrutura não se reduz à forma e exige ser elaborada topologicamente, ademais, configura um modo de colocar em cena o sujeito que ultrapassa a antinomia entre a descrição fenomenológica e o modelo teórico metapsicológico distante da experiência:

Ora, a estrutura não é a forma, como insistimos noutro contexto, e a questão é justamente abrir o pensamento para uma topologia, exigida pela simples estrutura. Sustentamos que a estética transcendental está por ser refeita, desde o momento em que a linguística introduziu na ciência seu status incontestável: com a estrutura definida pela articulação significante como tal. Portanto, quando Daniel Lagache parte da escolha que nos propõe, entre uma estrutura como que aparente (que implicaria a crítica daquilo que o caráter descritivo comporta de natural) e uma estrutura que ele pode declarar distante da experiência (já que se trata do “modelo teórico” que ele reconhece na metapsicologia analítica), essa antinomia desconhece um modo da estrutura que, por ser terceiro, não deve ser excluído, ou seja, os efeitos que a combinatória pura e simples do significante determina na realidade em que se produz. Pois, é ou não o estruturalismo aquilo que nos permite situar nossa experiência como o campo em que isso fala? Em caso afirmativo, “a distância da experiência” da estrutura desaparece, já que opera nela não como modelo teórico, mas como a máquina original que nela põe em cena o sujeito. (LACAN, 1998, p. 655)

Vemos aqui claramente como a suposta incompatibilidade entre sujeito e estrutura é subvertida por Lacan. De acordo com Iannini, “Lacan opera uma radical inversão da perspectiva; às antípodas do que enuncia o estruturalismo leví- straussiano, ele faz da estrutura a condição maior da formalização de uma concepção, ao mesmo tempo, não naturalista, não substancialista e não psicologizante do sujeito” (IANNINI, 2013, p. 225). O sujeito é incluído na própria definição de estrutura, a qual pode ser definida como “sendo os efeitos que a combinatória ‘do que representa o sujeito’ determina na realidade em que ela se produz” (IANNINI, 2013, p. 226), de forma que o recurso à topologia se justifica pela necessidade de apreender a relação entre sujeito e estrutura como oposição real, sem recorrer à metalinguagem. De acordo com o autor:

De fato, Lacan nos apresenta uma figura da ciência, a estrutura, que não depende da metalinguagem, mas de uma escritura que não se detém diante dos limites, dos paradoxos, dos impasses. É isso que permite operar com

antinomias e paradoxos sem que impasses intimidem o pensamento. Foi uma operação dessa natureza que permitiu trabalhar a estrutura como o que engendra o sujeito: estrutura e sujeito opõem-se não apenas no plano epistemológico. Sua oposição é real e é esta oposição real que se trata de descrever nos dispositivos formais tais como as figuras topológicas (no caso, o oito interior) e o matema. (IANNINI, 2013, p. 228).

Em 1972, Lacan retoma as definições acerca da estrutura indicadas em 1956, porém, além de destacar a relação com a teoria dos conjuntos, a qual antes estava apenas implícita, faz questão de se situar fora do que se chamou de estruturalismo19. Já em uma conferência de 1975, Lacan reconhece sua dívida com Levi-Strauss e em seguida indica sua divergência com o antropólogo em relação à noção de estrutura que emprega em seu ensino20.

Para um entendimento mais apurado do que seria uma estrutura recorremos ao texto de Deleuze (1974), no qual propõe seis critérios formais que permitem reconhecer o estruturalismo, levando em conta a diversidade de perspectivas dos diversos autores e domínios que este movimento abrange — mencionando a linguística de Jakobson, a antropologia de Levi-Strauss, a psicanálise de Lacan, a filosofia de Foucault, o marxismo de Althusser e a crítica literária de Barthes. Os critérios propostos pelo autor são: o simbólico, o local ou posicional, o diferencial e o singular, o diferenciante ou a diferenciação, o serial, e a casa vazia, acrescidos de algumas considerações acerca do sujeito e da prática. Não iremos nos deter no exame pormenorizado de cada um dos critérios desenvolvidos por Deleuze, nos restringindo a tecer alguns comentários acerca do sexto critério, da casa vazia, e da concepção do sujeito, ambas em relação à

19 Cf. Lacan: “Evidentemente foi em 1951 que dediquei um tempo para dar ao discurso psicanalítico

seu lugar. Mas nunca escrevo as palavras ao acaso, e foi naquele dia lá que o produzi. Cinco anos mais tarde, quando tinha iniciado meu ensino, a estrutura… a estrutura escrevi então – porque agora ficaria atento, não quereria me ligar ou parecer me ligar a essa salada que se chama estruturalismo. Mas enfim, a estrutura, falei dela então porque ninguém conhecia essa palavra. A estrutura é uma coisa que se apresenta primeiro como um grupo de elementos que formam um conjunto covariante. Estou agora me referindo ao que se chama precisamente Teoria dos conjuntos. Na continuação falo de estruturas fechadas e de estruturas abertas, o que está igualmente na moda quanto ao que enuncio agora. Especialmente… vemos aí relações de grupo fundadas na noção de conjunto; sublinho: relações fechadas ou abertas”. (LACAN, 1972)

20Cf. Lacan: “A linguística é por onde a psicanálise poderia se agarrar à ciência. Mas a psicanálise

não é uma ciência, é uma prática. Ao falar comigo agora mesmo, o Sr. Quine me fez uma pergunta sobre o que eu devia a Claude Lévi-Strauss: eu lhe devo muito, senão tudo. Isso não impede que eu tenha da estrutura uma noção totalmente outra do que a sua. Eu penso que a estrutura não tem nada a fazer com a filosofia, que raciocina sobre o homem como pode, mas que põe em seu centro a ideia de que o homem foi feito para a sabedoria.” (LACAN, 2016b, p. 85)

psicanálise lacaniana. Em todo caso, se trata, em uma perspectiva mais abrangente, da primazia dada à ordem simbólica como articuladora de uma lógica de relações em que os elementos simbólicos se determinam reciprocamente em suas relações.

O sexto critério, relativo à casa vazia, se refere a um elemento completamente paradoxal da estrutura, o qual é o ponto de convergência entre duas séries divergentes de uma estrutura, em razão das leis de diferenciação. Este elemento ou objeto está sempre deslocado de si mesmo, faltando ao seu lugar, à sua própria semelhança e à sua própria identidade. Em última análise, esse elemento é identificado por Lacan ao falo em sua dimensão simbólica, ao significante fálico. O falo é esse elemento encontrado sempre aonde não deveria estar, já que lá onde deveria estar, na mãe, é faltoso. Dessa forma, Deleuze coloca que o falo “determina o lugar relativo dos elementos e o valor variável das relações, fazendo de toda sexualidade uma estrutura” (DELEUZE, 1974, p. 296).

Se o lugar vazio não é preenchido por um termo, não é tampouco acompanhado por uma instância eminentemente simbólica que segue todos os seus deslocamentos: acompanhado sem ser ocupado nem preenchido. E ambos, a instância e o lugar, não deixam de faltar um ao outro, e de se acompanhar dessa forma. O sujeito é precisamente a instância que segue o lugar vazio: como diz Lacan, ele é menos sujeito que assujeitado — assujeitado à casa vazia, assujeitado ao falo e aos seus deslocamentos. (DELEUZE, 1974, p. 299).

Cabe aqui realizar uma distinção cara à Lacan, de que o sujeito não é identificado a uma instância simbólica, sendo por ele apresentado como “uma resposta do Real”. Apesar dessa divergência, Deleuze, talvez justamente por considerar a psicanálise lacaniana como representante do estruturalismo e não como dissidente, ou ainda, incorporando sua dissidência como uma vertente expressiva do estruturalismo, entende não haver contradição no acolhimento do sujeito no seio do estruturalismo21.

Assinalamos também que a concepção de estrutura proposta por Deleuze obviamente não dá conta da pluralidade de reflexões distintas que se reúnem sob esta bandeira em suas especificidades. A concepção de estrutura de Lacan é fundamentalmente distinta daquela de Levi-Strauss, especialmente no que diz

21Cf.Deleuze afirma: “O estruturalismo não é absolutamente um pensamento que suprime o sujeito,

mas um pensamento que o esmigalha e o distribui sistematicamente, que contesta a identidade do sujeito, que o dissipa e o faz passar de um lugar a outro, sujeito sempre nômade, fato de individuações, mas impessoais, ou de singularidades, mas pré-individuais”. (DELEUZE, 1974, p. 300).

respeito à questão do sujeito. Também não se reduz ao puro formalismo linguístico, implicando o corpo que goza. No entanto, guardada as diferenças entre os autores e o que no projeto lacaniano excede e subverte as pretensões formalizantes do estruturalismo, parece haver um alto grau de correspondência entre a concepção de estrutura na psicanálise lacaniana e no estruturalismo de forma geral, ao menos tal como proposto por Deleuze.

Nossa hipótese é que essa correspondência não é algo cuja validade pretensamente teria se esgotado nos últimos anos do ensino de Lacan, culminando em um suposto abandono da estrutura pela adoção de uma topologia que inauguraria um novo paradigma, em ruptura com aquele da estrutura que o precede. Pelo contrário, Lacan é explícito ao afirmar nos anos setenta que a topologia é a estrutura. Os desenvolvimentos topológicos ulteriores de Lacan, ao serem levados às últimas consequências, configuram uma estrutura que apresenta condições de articular a cadeia significante a partir dos mesmos critérios deleuzianos.

Ao investigar mais detalhadamente os últimos desenvolvimentos topológicos de Lacan, encontramos elementos que corroboram essa hipótese — conforme apresentamos no capítulo 5 —, mostrando como os procedimentos topológicos de mergulho do nó, de deformação contínua do triplo toro em um Tetrus e de reviramento por homotopia regular do toro triplo imerso no espaço tridimensional são homólogos à delimitação da relação entre elementos, ao movimento de deslocamento dos elementos permitido pela “casa vazia” e das transformações propriamente estruturais, ou seja, de como a estrutura resulta diferente de si mesma — aplicando a definição axiomática do significante como diferente de si à totalidade estrutural — se pensada através da sobreposição de dois sistemas de coordenadas distintos: um fisicalista, do mergulho, e outro não- fisicalista, da imersão.

Quanto ao estatuto da estrutura do sujeito em Lacan, primeiramente parece inevitável destacar a intransponível diferença que há entre esta e os esquemas freudianos empregados acerca do aparelho psíquico. Falar em aparelho psíquico ou em estrutura do sujeito é se remeter a princípios e fundamentos completamente distintos que se encaminham para problemáticas divergentes. De acordo com Porge (2009), a topologia não é uma redescrição da realidade psíquica freudiana, e sim a constituição de uma realidade operatória. Quanto a essa problemática, entre Freud e Lacan não haveria continuidade senão ruptura, ao

passar do inconsciente como profundidade ao inconsciente estruturado como uma linguagem redutível à superfície, ou ainda, de esquemas de representações do ego à estrutura do sujeito. Assim:

Mede-se o afastamento entre Freud e Lacan nisso que concerne a essa relação do lugar e da escrita. Freud desenha esquemas que são da ordem de um esquematismo kantiano, eles são construções auxiliares e representam imaginariamente uma ideia de inconsciente, por definição inacessível. Lacan faz apresentações de objetos topológicos que atualizam o irrepresentável: no nó borromeano os três anéis não estão concatenados de forma complementar (como em um nó olímpico), de tal modo que o nó não é localizável em parte alguma, ainda que seja nomeável. [...] Se há desenho de um objeto topológico, trata-se de uma planificação em duas dimensões, o que tem justamente o estatuto de uma escrita. A escrita do est’habit’a substitui as tópicas de Freud, e seria um contrassenso pensar que a topologia é outra representação da realidade psíquica, em continuidade com os esquemas de Freud, pois esta permanece endividada com as representações que Freud lhe dá. (PORGE, 2009, p. 150).

A noção de escrita se mostra fundamental para apreender a divergência entre representação e figurabilidade, que, longe de se tratar de um preciosismo, se refere ao próprio método do psicanalista em sua prática clínica de escuta e interpretação do discurso do analisante:

os desenhos topológicos de Lacan não devem ser tratados como problemas de representação, Vorstellung, mas de figurabilidade, Darstellung, para retomar uma distinção freudiana. A figurabilidade constitui uma modalidade de escrita. É a existência de uma Darstellung no sonho que conduz Freud, trás os passos de Champollion, a defini-lo como uma escrita hieroglífica. Os desenhos topológicos constituem uma escrita na medida em que diferenciam o aplainamento, a imersão, a submersão das figuras. (PORGE, 2014, p. 99-100).

A topologia nos impele ao questionamento do estatuto da escrita que considere seu traçado no espaço, delimitando lugares e configurando posições. Retornaremos a essas questões colocadas por Porge, que são de extrema pertinência e importância para nós, especialmente no subcapítulo 4.3, referente aos nós-cortes. Por ora, retenhamos a especificidade da escrita que a topologia coloca e que ainda neste capítulo abordaremos mais amplamente.

Posição semelhante quanto ao estatuto da topologia lacaniana é adotada por Bairrão, afirmando que “a possibilidade inerente ao escrito de se definir como borda é coerente com a exigência de não abrir minimamente a possibilidade de reintrodução em psicanálise de alguma concepção (ou de seu vestígio) de inspiração representacionista” (BAIRRÃO, 2003, p. 144).

Essas questões se referem ao estatuto da topologia como equivalente à estrutura e são absolutamente divergentes das noções de analogia, modelo ou representação, pois as últimas se referem às aproximações feitas didaticamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

A recusa à ideia de metalinguagem é explicitada por Lacan em diversos momentos de seu ensino, reafirmando a impossibilidade de um enunciado se sustentar por si só22. A questão ressaltada por Lacan é que não há como fazer passar nada do matema se não pela língua, pois não há formalização que não se transmita por esta via. Retoma ainda a distinção que faz entre o sujeito e o ser, sem a qual recairíamos em uma ontologia, reafirmando a primazia da dimensão ética. É através da concepção da formalização como escrita que só se transmite pela língua, culminando na constituição de estruturas que engendram o sujeito, que busca evitar as armadilhas da metalinguagem que fariam equivaler o simbólico ao Ser.

Situada paradoxalmente entre a matemática e a lógica, a topologia permitiria articular o fundamento espacial da estrutura e suas transformações. De acordo com França Neto,

A topologia, que entenderíamos no campo da lógica, faz parte da teoria das categorias, que é um dos ramos das matemáticas. Talvez mais do que conjunção ou disjunção, fosse interessante trabalharmos esses dois campos (matemática e lógica) em termos de função, desdobrando o que de uma se projeta sobre a outra. A topologia, se incluída no campo das matemáticas, nela, no entanto, não nos restringimos à dedução, mas somos invocados também a induções [...]. A topologia poderia ser entendida como um contraponto ao estruturalismo, ao possibilitar o movimento, a historicidade, em oposição à pura sincronia. De certa forma, estaríamos remetidos a duas concepções de ciência: uma trabalhando com o que se preservaria estático ou imutável, outra com deformações e transformações (mesmo se a tentativa de se apreender esses movimentos passe pelo

22

Cf. Lacan: “Eu vou dizer – é minha função – vou dizer mais uma vez - porque eu me repito - o que é um dizer meu e que se enuncia: não há metalinguagem. Quando digo isto, isto quer dizer, aparentemente - não há linguagem do ser. Mas haverá o ser? Como fiz notar da última vez, o que digo é que não há. O ser é, como se diz, e o não-ser não é. Há ou não há. Esse ser, não se faz senão supô-lo a algumas palavras - individuo, por exemplo, ou substância. Para mim, é apenas um fato de dito. A palavra sujeito, que eu emprego, toma então um acento diferente. Eu me distingo da linguagem do ser. Isto implica que aí pudesse haver fição de palavra - quero dizer, a partir da palavra. E como talvez alguns se recordam, foi daí que parti quando falei da ética. Não é porque escrevi coisas que tomam função de formas da linguagem que tenho que garantir o ser da metalinguagem. Pois, esse ser, seria preciso que eu o apresentasse como subsistindo por si, só por si mesmo, como a linguagem do ser. A formalização matematica é nosso fim, nosso ideal. Por quê? Porque só ela é matema, quer dizer, capaz de transmitir integralmente. A formalizaçao matematica, é a escrita, mas que só subsiste se eu emprego, para apresenta-la, a lingua que uso. Ai é que esta a objeção - nenhuma formalizaçao da lingua é transmissível sem uso da propria lingua. É por meu dizer que essa formalização, ideal metalinguagem, eu a faço ex-sistir. É assim que o simbólico não se confunde, longe disso, com o ser, mas ele subsiste como ex-sistência do dizer” (LACAN, 2008c, p. 126-127)

desejo de cernir a sintaxe das relações, ou aquilo que permaneceria invariante, qualitativamente, ao longo das deformações que se processem). (FRANÇA NETO, 2015, p. 204-205)

Embora tenhamos que discordar no ponto em que a topologia é considerada um contraponto ao estruturalismo — na medida em que é justamente pela tradição mais emblemática do estruturalismo francês que ela chega à Lacan, através dos trabalhos de Bourbaki e de Levi-Strauss —, o autor ressalta o que nos parece haver de mais fundamental no recurso à topologia, a saber, a ideia de uma estrutura que comporta certa mobilidade, passível de sofrer deformações contínuas. Em última instância, nos parece uma boa maneira de fundamentar a utilização da topologia como o que permitiria articular a diferença no seio da identidade, os invariantes — como o próprio conceito expressa, o que é imutável, fixo — às diferentes configurações da estrutura.