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O reviramento do toro triplo e seu efeito sobre o nó borromeano mergulhado

5. A estrutura topológica do nó borromeano mergulhado

5.2. O reviramento do toro triplo e seu efeito sobre o nó borromeano mergulhado

Neste subcapítulo apresentaremos o reviramento multitórico, mais especificamente, o reviramento do toro triplo no qual está mergulhado o nó borromeano. O reviramento operado através de um furo, o qual é homólogo a um corte redutível a um ponto na superfície, realiza uma inversão dos eixos centrais e periféricos do multitoro.

Trata-se de uma operação aparentemente simples, no entanto, as diferentes configurações da superfície de genus 3 utilizadas no procedimento e as diferentes formas de o realizar levam a resultados que podem parecer distintos em um primeiro momento. Utilizaremos como primeiro exemplo o reviramento de uma superfície de Lawson de genus-3 na qual se encontra o nó borromeano mergulhado.70

Figura 67: Reviramento da superfície de Lawson através de um furo

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Essa operação foi realizada por Carlo Sequin através de um modelo físico construído com sacos plásticos.

Figura 68: Superfície de Lawson revirada deformada em um toro triplo

Vemos como nessa forma de reviramento o mergulho do nó borromeano resultante é bastante distinto do mergulho original, apresentando uma simetria entre dois elos (vermelho e azul) enquanto um terceiro elo (verde) aparentemente protagoniza um papel diferenciado. No entanto, a partir do reviramento do toro triplo realizado através de desenhos que permitem a visualização da banda resultante de sua perfuração, obtivemos dois resultados aparentemente distintos da mesma operação:

Figura 69: Dois resultados do reviramento do nó borromeano mergulhado no toro triplo

Estes três aparentemente distintos mergulhos do nó borromeano são de fato o mesmo mergulho, porém em diferentes disposições. Faz-se possível passar de uma disposição à outra através de deformações contínuas da superfície, o que é

mais fácil de ser visualizado pelo modelo da esfera com três alças71. O problema de saber qual destas disposições seria a mais simples permanece em aberto, pois precisaríamos de critérios precisos para poder definir uma classificação das diferentes disposições do mesmo mergulho. Enquanto a primeira disposição conserva maior simetria em relação ao número de elos que atravessa cada furo, incluindo a borda externa, as outras duas disposições apresentam uma relação simétrica entre os elos, ausente na primeira. Entre as duas últimas apresentações, a primeira parece mais simples por apresentar um menor número tanto de passagens pela borda externa quanto de cruzamentos dos elos, caso se considere seu aplanamento. Para os desenvolvimentos topológicos a seguir utilizaremos a última apresentação, para os demais utilizaremos a segunda.

Ao tomarmos a apresentação tetraédrica do toro triplo revirado, vemos toda a complexidade que o reviramento implica:

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De acordo Vappereau (2007b) a questão do espelho se refere a um tipo de inversão que isola uma dimensão espacial entre outras, o ordinário que faz função excepcional, o que o autor identifica ao significante do Nome-do-Pai. Suas elaborações na ocasião se fazem acerca do aparato do espelho, geometricamente, e não topologicamente. Ao tomar a questão das inversões diretamente derivada da topologia, podemos nos desvincular do recurso ao aparelho físico do espelho e da geometria euclidiana. Conforme vimos com o reviramento da superfície de Lawson de genus-3, o mergulho do nó borromeano resultante parece confirmar a hipótese de Vappereau em termos topológicos, na medida em que um dos três elos aparentemente apresenta um papel diferencial em relação aos outros dois. Apenas aparentemente, porque a superfície pode ser deformada, alterando a configuração do mergulho do nó, até que se veja que há uma relação simétrica entre os três elos. A homologia entre essas duas apresentações do mesmo mergulho poderia ser comparada com dois momentos do ensino de Lacan: o primeiro, no qual o Nome-do-Pai seria um entre três — Real, Simbólico ou Imaginário —, que aparentemente se mostra de acordo com os desenvolvimentos de Vappereau; o segundo, no qual o Nome-do-Pai aparece como Sinthoma, como quarto elo, cuja inserção na cadeia é feita à posteriori, apresentando a lógica do “três mais um” que se materializa pela relação dos elos aos furos, sendo o quarto furo dissimétrico em relação aos demais.

Figura 70: Apresentação das múltiplas perspectivas do nó borromeano revirado mergulhado em um toro triplo em sua estrutura tetraédrica

Nota-se que a atual disposição do nó borromeano sobre o toro triplo, resultado do reviramento desta superfície topológica, apresenta uma dissimetria fundamental em relação às diferentes perspectivas da estrutura, ausente na disposição original — na qual, em todas as quatro perspectivas possíveis, cada elo do nó borromeano que compõe um percurso-corte faz uma volta completa em torno de dois furos, de forma que cada furo é contornado por dois percursos-corte. Lembremos que é em relação a uma dissimetria semelhante, referente aos elos de uma cadeia, que Lacan articula a não-equivalencia como condição para que possa haver relação ao sinthoma, suplência à não-relação sexual.

Para a disposição atual, em uma das perspectivas, referente àquela composta por RSI, cada percurso-corte realiza uma volta completa em torno de cada um dos três furos, de forma que um dos furos seja contornado no sentido oposto em relação aos outros dois. Nas outras três perspectivas, dois dos cortes realizam duas

voltas completas em torno de um furo, uma em torno do furo do Sinthoma e nenhuma em torno do terceiro furo, e um dos cortes realiza somente uma volta completa em torno do furo do Sinthoma e duas voltas completas em torno dos outros dois furos. A tabela abaixo apresenta os resultados obtidos72:

Registros delimitados pelo nó borromeano simples / inversões

Registros delimitados pelo nó borromeano revirado / inversões

Elos\Config. RSI RIƩ RSƩ SIƩ RSI RSƩ SIƩ RIƩ

A R S I Ʃ R S I Ʃ R S -I 2R 2S Ʃ 2I Ʃ 2I Ʃ

B S I R Ʃ R Ʃ S I S I -R 2R Ʃ 2S 2I Ʃ 2R Ʃ

C I R I R S Ʃ S Ʃ I R -S 2S Ʃ 2S Ʃ 2I 2R Ʃ

Tabela 3: Relações entre os registros delimitadas pelo mergulho do nó borromeano no toro triplo em sua dinâmica de reviramento e inversões

Observa-se que na coluna referente ao mergulho simples do nó borromeano os quatro registros são permutáveis, ou seja, pode se escrever qualquer um dos quatro registros em qualquer um dos furos que a tabela de suas variações permanece correta. A lógica do “três mais um” está posta pela possibilidade de inversão dos furos, porém ela funciona em total simetria, havendo equivalência entre os registros. Já na coluna do nó borromeano revirado o mesmo não acontece, pois, ainda que se trate da mesma estrutura e dos mesmos elementos, o quarto furo é colocado em jogo de forma dissimétrica, fazendo com que se inscreva como RSI + Ʃ, ou seja, os três primeiros são permutáveis enquanto o sinthoma não. Há uma especificidade do sinthoma, o qual, mediante a contingência de ser o quarto elemento a ser introduzido, apresenta uma dissimetria em relação aos demais, o que evidencia a duplicidade que faz com que o sinthoma seja, num primeiro momento, equivalente as outras dimensões, e posteriormente, situado em sua relação de não- equivalência.

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Levando em conta a indicação de Lacan ressaltada por Rona (2012), à respeito do fundamento conjuntista da teoria do significante que justificaria o emprego da topologia, poderíamos tomar cada um dos elos-cortes do nó borromeano como um conjunto que conteria determinados elementos, os quais se situariam nos furos do toro triplo. Haveria que se verificar a pertinência dessa proposta específica de leitura que articula topologia e teoria dos conjuntos, a qual apenas indicamos a título de hipótese, a qual permitiria evidenciar a diferença do significante em relação a si mesmo. Partindo dos pressupostos de que o significante possui a estrutura de conjunto (RONA, 2012) e de que o que define a identidade de um conjunto é seu conteúdo, o que a tabela mostra é que os conjuntos estabelecidos a partir do mergulho do nó borromeano no toro triplo possuem identidade variável, pois, na medida em que a estrutura do toro triplo passa por deformações contínuas – as quais configuram inversões, reviramento e reviramento seguido de inversões – os conjuntos passam a conter elementos distintos. Neste sentido, seria permitido considerar que cada um dos conjuntos A, B, C, identificados aos três elos da cadeia borromeana mergulhada no toro triplo, apresenta virtualmente cinco conjuntos distintos de elementos apresentados na tabela.

A operação de reviramento coloca um empecilho às definições previamente estabelecidas com a articulação dos nós-cortes mergulhados em superfícies multitóricas, pois ao se modificar a disposição do nó na superfície se modifica as condições de possibilidade de obter conjunções e disjunções que fundamentam as categorias de modalidades de gozo. Se na disposição original do nó borromeano mergulhado no toro triplo as modalidades de gozo são definidas pela conjunção dos registros e firmadas pela exclusão de ao-menos-um (o gozo fálico, por exemplo, é definido pela conjunção do Real ao Simbólico e exclusão do Imaginário), agora que cada um dos cortes articuladores destas operações realiza o percurso em torno dos três furos não há disjunção que permita estabelecer uma diferenciação entre tais modalidades. Na medida em que avançamos na articulação desta topologia, novos problemas surgem e colocam em xeque os desenvolvimentos anteriores.

Conforme apresentamos, o reviramento pode ser realizado por uma via fisicalista através de um ou mais furos na superfície, procedimento que cria uma descontinuidade, a qual é em seguida reparada por uma sutura. Há outra forma de realizar o reviramento, a partir uma abordagem estritamente topológica, não- fisicalista, através de deformações contínuas da superfície.

Esta forma de reviramento de uma superfície multitórica é realizada através de deformações por auto-intersecções que são permitidas pela imersão do toro bidimensional no espaço tridimensional, sendo, portanto, feito por continuidade, através de sucessivas torções que respeitam os limites da estrutura original, ou seja, que se realizam sem necessidade de uma ação que cause ruptura ou descontinuidade.

O reviramento por homotopia regular deriva de um problema topológico desenvolvido por Smale no final dos anos cinquenta acerca do reviramento da esfera feito por meio de homotopia regular, através de deformação contínua da superfície que permite atravessar a si mesma para operar a inversão interior/exterior, porém sem criar nenhum tipo de descontinuidade como furos ou rasgos (SULLIVAN, 2002).

Há ao menos duas formas conhecidas de realizar o reviramento por homotopia regular do toro, o de Phillips (1996) e o de Cheritat (SÉQUIN, 2011). No reviramento operado por Phillips há inversão entre os eixos centrais e periféricos, sendo homólogo ao reviramento operado através de um furo, já no procedimento de

Cheritat não ocorre inversão entre os eixos, porém, inverte-se a orientação do nó- corte mergulhado, obtendo sua imagem especular.

Vejamos primeiramente o reviramento apresentado por Phillips (1966):

Figura 71: Reviramento tórico apresentado por Philips (1966)

Neste procedimento, primeiramente se faz uma esfera que seja maior que a parte propriamente tórica, para que posteriormente possa, por auto- atravessamento, fazer passar a parte tórica para seu interior e então “puxá-la” para o exterior, efetivando o reviramento que causa a inversão dos eixos central e periférico do toro. Vejamos a seguir outra forma de reviramento dessa mesma superfície, tal como desenvolvido por Cheritat (SÉQUIN, 2011):

Neste tipo de reviramento ocorre uma deformação que se assemelha a montagem de duas garrafas de Klein, desfeita ao final do percurso para efetivação do reviramento. Neste caso não ocorre a inversão dos eixos central e periférico do toro73.

Nossa investigação acerca dos reviramentos tóricos visa não exatamente o toro simples, mas superfícies multitóricas que possam acolher o mergulho de nós e cadeias mais complexas, mais especificamente o toro triplo, o qual permite o mergulho do nó borromeano. Somos então levados a questionar se essas operações de reviramento por homotopia regular realizadas no toro simples podem ser feitas de forma similar no toro triplo, para posteriormente examinar seus efeitos sobre os nós e cadeias mergulhados previamente nessas superfícies.

Em correspondência com Séquin, este nos enviou os seguintes desenvolvimentos topológicos que mostram como seria possível aplicar os mesmos procedimentos realizados no reviramento realizado por Cheritat para o toro triplo:

Figura 73: Zona de auto-intersecção do toro no procedimento de reviramento

Figura 74: Reviramento do toro triplo

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Essa operação pode ser visualizada por diversos vídeos feitos por Cheritat e disponibilizados ao público: Neste primeiro link é possível ver a operação descrita: https://www.youtube.com/watch?v=UARcfHZJmmI. Neste outro vídeo, Cheritat mostra a mesma operação com uma visão do toro seccionado: https://www.youtube.com/watch?v=Cw4aTVi8ndQ. No link a seguir, é possível controlar a operação de forma interativa e ver as bordas do toro seccionado de forma precisa: https://www.math.univ-toulouse.fr/~cheritat/AppletsDivers/TorusEversion/.

Lacan demonstrou grande interesse pela questão se haveria uma imagem especular do nó borromeano, tendo investigado o problema, com o auxílio dos topólogos com quem se correspondia, e chegado à conclusão de que só havia imagem especular do nó borromeano caso este fosse colorido e orientado. A questão foi explorada em diversos momentos de seu ensino, inclusive relacionada à problemática da relação sexual e das posições subjetivas masculina e feminina.

Enquanto o nó borromeano se sobrepõe à sua imagem especular (cujo invariante topológico referente é “achiral” ou “amphichiral”), só havendo dois nós borromeanos diferentes caso seus elos sejam coloridos e orientados, o mergulho do nó borromeano não apresenta essa propriedade, ou seja, mesmo que os elos-cortes não sejam coloridos ou orientados, o mergulho dextrogiro é irredutível ao mergulho levogiro.

Trata-se com o reviramento por homotopia regular de uma nova forma de colocar a questão da possibilidade de duas escritas diferentes e inversas do mesmo objeto, ou, sob outro prisma, da possibilidade de existência de objetos distintos e irredutíveis que apresentam as mesmas propriedades e de alguma forma se relacionam como pares de opostos ou inversos — formas completamente distintas de abordar o problema e cujas implicações devem ser exploradas em extensão.

A figura abaixo mostra o grupo de Klein das transformações através de reviramento por homotopia regular do mergulho do nó borromeano:

Figura 75: Grupo de Klein das transformações através de reviramento por homotopia regular do mergulho do nó borromeano

Conforme indicamos no início deste capítulo, a inversão dos eixos centrais e periféricos do toro obtida pela operação de reviramento é equivalente à relação entre os percursos tóricos de dois toros complementares apresentada por Lacan no seminário sobre a identificação. Assim, verificamos a atualidade e a pertinência dos desenvolvimentos topológicos realizados no início dos anos sessenta por Lacan, aplicando-os em sua topologia do nó borromeano, a partir de seu mergulho no toro triplo.

As propriedades do toro triplo imerso no espaço tridimensional que permitem que ele se revire do avesso sem nenhuma ruptura colocam em jogo as mesmas oposições apresentadas pelo cross-cap e pela garrafa de Klein — ambas construídas a partir da banda de Moebius — que interessavam à Lacan. Se a unilateralidade da banda de Moebius mostra que estruturalmente é possível subverter a necessária bilateralidade local e o cross-cap e a garrafa de Klein estendem a unilateralidade a ponto de subverterem a oposição dentro-fora, o reviramento operado por continuidade do toro imerso no espaço tridimensional conserva a bilateralidade, mas subverte a oposição dentro-fora em uma operação temporal.

Apresentamos formas distintas de realizar os reviramentos multitóricos e vimos como, ao aplicar este procedimento à estrutura do nó borromeano mergulhado no toro triplo, o sujeitamos a uma inversão de seus eixos centrais e periféricos, obtendo uma diferente disposição do nó sobre a superfície que o acolhe e que modifica sua dinâmica.

De forma geral, delimitamos quatro tipos de inversão: das duas faces da superfície multitórica, interior e exterior; da imagem especular do mergulho do nó, referente à sua orientação; dos eixos centrais e periféricos; dos furos internos e o furo que configura a borda externa da apresentação ‘planificada’ do multitoro. Efetuando os procedimentos de reviramento apresentados podemos dar um tratamento mais interessante à questão das inversões, a qual se mostra fundamental para apreender a dinâmica das identificações.

A escolha por uma topologia do nó borromeano mergulhado, em detrimento de uma escrita planificada do nó fundada na projeção do objeto, ao permitir o reviramento por transformação contínua do multitoro imerso na terceira

dimensão, expurga completamente qualquer resquício de uma metafísica que poderia ser atribuída ao nó borromeano.

Se o mergulho do nó acaba com a ilusão da identificação dos registros às consistências individuais, realocando-os nos furos de uma única consistência, o reviramento permitido pela imersão do toro triplo na terceira dimensão mostra que os furos não têm a menor condição de configurar um reduto onde se pudesse fixar uma identidade permanente, na medida em que são intercambiáveis com os eixos periféricos do multitoro.

Resumidamente, os desenvolvimentos topológicos propostos visam alcançar o verdadeiro estatuto estrutural — caracterizado por ser esvaziado de sentido e impossibilitado de atribuir uma substância ao ser —, cujo fundamento é de que não há identidade que se afirme por si mesma, se restringindo à articulação da diferença de posição dos elementos que compõem a estrutura em relação uns aos outros. A negação da identidade aqui é absoluta, incide sobre a totalidade da estrutura, afetando cada um de seus aspectos, pois, estando posto o contínuo intercâmbio entre interior-exterior, tanto da superfície quanto dos furos centrais e periféricos, e, mais ainda, do furo cernível à borda externa, o percurso do corte se torna instável, sujeito às modificações, e os elementos, entendidos como a designação dos registros, não podem ser seguramente alocados nos furos.

Se até este ponto sustentamos que a justificativa para o recurso a topologia se daria primordialmente como um saber-fazer cortes e suturas, ou seja, operações causadoras de descontinuidade e restabelecedoras de continuidade, modificando a estrutura em questão, com as inversões e reviramentos desenvolvidos a partir da topologia do nó borromeano mergulhado estamos em condições de avançar na proposição de que não se trata somente da alternância entre operações descontínuas e àquelas restabelecedoras de continuidade, mas principalmente da ação de transformação contínua como dissolução da descontinuidade. Ao suspender a barreira que mantém a oposição supostamente intransponível entre dentro e fora, a qual está posta pelos limites instituídos pela própria estrutura do toro triplo mergulhado no espaço tridimensional, fazendo passar ao avesso, os obstáculos que mantinham essa distinção são facilmente transpostos, mostrando que o que sustentava a diferença era somente o tempo da operação que leva para passar ao avesso.

Se num primeiro momento o mergulho do nó borromeano é considerado como forma de restrição que apresentaria certa fixidez, supostamente permitindo uma escrita unívoca, vemos então como as deformações contínuas da superfície denunciam a ilusão de fixidez, mostrando o quanto ele permanece à deriva. O reviramento por homotopia regular, realizado em imersão, vai ainda mais além nessa direção, permitindo passar de um mergulho a outro, passagem intransponível apenas por deformação continua da superfície mergulhada no espaço tridimensional.

Embora o ensino de Lacan pareça caminhar da exploração de uma lógica do significante expropriado da linguística para a delimitação de uma escrita, ou ainda, de uma literalização, da letra enquanto significante localizado, cujo ápice seria o matema, devemos nos atentar ao erro de supor à letra uma primazia em relação ao significante, no que Lacan é explícito74. É crucial compreender que, embora a letra seja a localização do significante — o que seria homólogo ao mergulho da cadeia (borromeana) significante no toro triplo imerso no espaço tridimensional — trata-se de uma localização no mínimo precária, do ponto de vista da fixidez que poderia se esperar a fim de obter uma estrutura estática. Topologicamente, nos referimos a uma curva fechada que não somente falha em delimitar uma área na superfície, como também, não sendo colorível, por não ter espessura, não se presta a uma fixidez que permitiria facilmente identificá-la e distingui-la do traçado de outras curvas similares na mesma superfície mediante algumas deformações contínuas da superfície. Só o que se pode depreender de um significante é sua relação com os outros significantes em um dado instante, aliás, a própria definição do significante é de ser diferente dos outros, inclusive de si mesmo. A inscrição do significante como