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Os nós-cortes mergulhados em superfícies multitóricas

4. Desenvolvimentos topológicos a partir de Lacan: o estado da arte

4.3. Os nós-cortes mergulhados em superfícies multitóricas

No início de seu ensino, Lacan elabora esquemas e grafos nos quais não há grande consideração acerca do espaço, sendo usualmente empregado o espaço euclidiano ou o plano, tampouco uma desvinculação entre lugar e posição, havendo apenas a relação dos elementos uns aos outros, dada por suas posições fixas. Em um segundo momento, com o matema dos quatro discursos, vemos uma desvinculação entre lugar e posição, os lugares permanecem fixados e a posição é definida pelo movimento dos elementos entre os lugares, movimento que é limitado, embora não se apresente exatamente a razão desta limitação, e também não há consideração do espaço. Com o nó borromeano, finalmente lugar e posição estão desafixados, porém a posição é obtida pela sobreposição dos registros (lugares) uns aos outros, possibilitada pela escrita planificada dos nós, a qual se dá como que por uma projeção fixa do nó no plano bidimensional.

A topologia do nó borromeano como corte desenvolvida por nós previamente (AFFONSO, 2016) apresenta uma estrutura com o máximo de mobilidade, articulando a topologia dos nós àquela das superfícies, e com isto permitindo transformações contínuas que incidem tanto no espaço, quanto nos lugares e nas posições.

Os desenvolvimentos topológicos apresentados a seguir buscam uma apreensão do espaço no qual os nós e cadeias se inscrevem, configurando uma alternativa mais adequada do que a escrita planificada apresentada por Lacan. Propõe-se escrever o nó borromeano sobre um toro triplo, superfície tórica mínima necessária para que o nó possa ser mergulhado, ou seja, para que não haja cruzamentos do nó:

Figura 63: Nó borromeano mergulhado em toro triplo com escrita dos registros e das modalidades de gozo

Conjuntamente com a proposição do toro triplo como espaço para escrita é proposta também uma nova leitura das dimensões RSI situadas nos furos centrais do toro triplo e das modalidades de gozo compreendidas como saldo do percurso pulsional em torno dos registros tomados dois a dois.

Nota-se que esta abordagem topológica privilegia a articulação das diferentes modalidades de gozo, na medida em que propõe uma leitura topológica rigorosa em oposição a uma apreensão meramente geográfica do nó permitida pela sua escrita planificada empregada usualmente (AFFONSO, 2016).

Dentre outros desenvolvimentos topológicos apresentados, o nó borromeano não é tomado simplesmente como percurso multitórico, pois, ao ser mergulhado na superfície multitórica, passa a atuar como corte, modificando a estrutura que o acolhe, e só subsiste como cicatriz mediante a posterior sutura de sua ação, o que faz com que sua escrita incida dos dois lados da superfície. Isso

leva a certo paradoxo, pois havendo corte os furos centrais não mais existiriam para contagem as voltas, o que é contornado ao admitir uma resistência imaginária que suportaria a ação do corte, fazendo com que a topologia não se reduza a sua estrutura simbólica, necessariamente mantendo certa estabilidade imaginária.

Reteremos deste trabalho, de forma geral, o método analítico, se podemos assim chamá-lo, de desvincular certas propriedades topológicas e conceitos para propor novas articulações que modificam o vínculo original: os três registros são separados de suas consistências para serem designados somente por furos de uma mesma consistência e a delimitação das modalidades de gozo, não mais realizada projetivamente, é reformulada em termos da ação de um corte ao contornar os furos dois a dois67.

O aporte maior desta contribuição para o bojo de nossa pesquisa se refere a aspectos conceituais homólogos às questões abordadas topologicamente, nomeadamente, ao trabalhar com a topologia do nó borromeano mergulhado no toro triplo, incindindo como corte, em detrimento de uma escrita de sua projeção, se distancia de uma concepção metafísica ou metapsicológica do nó para aceder ao exame da possibilidade de uma escrita mais adequada, que, menos do que descrever invariantes apriorísticos do nó, permita articular propriedades que só surgem com o próprio procedimento empregado de mergulho em uma superfície, inapreensíveis pela escrita planificada.

Trata-se, portanto, de uma revisão do estatuto dos registros fundamentais, primeiramente desvinculando o tríptico consistência-furo-existência da

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Em uma leitura retrospectiva e crítica do trabalho mencionado, acreditamos que as questões fundamentais que orientam a investigação desenvolvida são de extrema pertinência, a saber, em relação às condições de possibilidade de uma estrutura topológica de fato quaternária que articule lógicas ternárias, binárias e unárias (ou bífidas) e de uma melhor apreensão do esquema de 1974, apresentado por Lacan em “A terceira”, acerca das modalidades de gozo articuladas pelo nó borromeano. A adoção precipitada de um nó, mais especificamente do nó 8_18 pela notação de Alexander-Briggs, que supostamente teria essa propriedade de articular lógicas quaternárias e ternárias faz com que se passe demasiado rápido pelo nó borromeano mergulhado no toro triplo para notar que tal propriedade está presente nesta estrutura mesma. Há que se consentir que, embora a questão não esteja estruturada desta maneira na obra citada por critérios que primaram pela didática na apresentação linear dos argumentos, o procedimento de mergulho dos nós em superfícies multitóricas é, no caso, secundário à hipótese de trabalho em torno do nó 8_18, necessário para que se pudesse depreender sua articulação. Nesse sentido, o procedimento de mergulho do nó borromeano no toro triplo, empregado na ocasião com objetivo de preparar o terreno para posteriormente articular o nó 8_18, foi pouco explorado em sua vasta complexidade, ignorando-se que esta operação permite não somente articular propriedades quaternárias e trinitárias a partir do nó borromeano mesmo, como também dar um encaminhamento absolutamente original à questão do reviramento, vastamente explorada por Lacan em relação ao nó borromeano.

referência à unidade dos elos, para posteriormente subtraí-los a consistência individual, situando-os em furos de uma única consistência, o que se faz passando de uma escrita projetiva do nó como objeto dado para uma topologia do nó mergulhado na superfície do toro triplo, na qual objeto (nó) e escrita são inextricáveis. Com isto, busca-se abranger o alcance da opção metodológica pela topologia como forma de investigação psicanalítica, provendo hipóteses acerca da problemática da identificação sustentada pela diferença a si mesmo como escansão temporal do procedimento topológico de mergulho do nó, contrapondo à impossível apreensão estática do sujeito uma estrutura dinâmica que se articule em termos de posição, conforme será desenvolvido no próximo capítulo.

Quanto à problemática da articulação das modalidades de gozo pela escrita do nó borromeano, veremos como uma investigação mais aprofundada das propriedades do mergulho do nó borromeano no toro triplo e seu reviramento contribuem para uma melhor apreensão da questão, ainda que a tornem extremamente mais complexa e virtualmente inesgotável.

Assim, buscaremos levar as hipóteses até então apenas esboçadas às suas últimas consequências, dando-as maior alcance com a consideração da estrutura tetraédrica do toro triplo e com os reviramentos multitóricos.