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3. Identificação em Lacan nos anos setenta

3.1. O nó borromeano: da estrutura da demanda à heresia

Lacan introduz o nó borromeano em seu seminário no ano 1972 como suporte material da fórmula “Peço-te que me recuses o que te ofereço porque não é isso”, que se refere ao estatuto do objeto a53

. A principal característica desta cadeia é se sustentar pela ex-sistência de um elo em relação aos outros, se desfazendo pela subtração de qualquer um dos elos que a compõe, ação que verifica a inexistência de relação dual entre dois elos sem a mediação de um terceiro e afirma a primazia de uma estrutura ternária irredutível. (LACAN, 2012; AFFONSO, 2016).

Figura 20: Duas apresentações diferentes do mesmo nó borromeano

É importante destacar que a topologia dos nós é distinta da topologia das superfícies explorada por Lacan nos anos sessenta, ainda que existam diversos pontos de convergência e continuidade entre estas duas vertentes topológicas — os quais veremos parcialmente nos capítulos seguintes. Os principais invariantes utilizados para se estudar os nós se referem ao número de componentes da cadeia, o número de cruzamentos, se estes cruzamentos são alternados ou não, se o nó é ou não igual a sua imagem especular, os movimentos possíveis e necessários para desencadear uma cadeia ou desatar um nó, dentre outros. O chamado nó borromeano não é propriamente um nó, e sim uma cadeia. Um nó seria composto por apenas uma consistência, enquanto uma cadeia é composta pelo encadeamento de ao menos dois componentes ou nós.

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Cf. Lacan afirma explicitamente: “Por que foi que fiz intervir, em tempo antigo, o nó borromeano? Era para traduzir a formula eu te peço - o que? - que recuses - o que? - o que te ofereço - por que? - porque não é isso - isso voces sabem o que é, é o objeto a. O objeto a não é nenhum ser. O objeto a é aquilo que supõe de vazio um pedido, o qual, só situando-o pela metonimia, quer dizer, pela pura continuidade garantida do comego ao fim da frase, podemos imaginar o que pode ser de um desejo que nenhum ser suporta. Um desejo sem outra substancia que não a que se garante pelos proprios nós”. (LACAN, 2008c, p. 134).

De acordo com Stoïanoff-Nénoff, o nó borromeano apresenta topologicamente três critérios de suma importância para Lacan: o argumento de a- cosmicidade, ou seja, da não correspondência biunívoca entre microcosmo e macrocosmo, contradizendo a possibilidade de distinguir radicalmente entre o Innenwelt e o Umwelt, o organismo e o entorno, na medida em que o encadeamento dos elos é inacessível aos seus componentes; o argumento da acefalia, de que nenhum dos elos possui anterioridade em relação aos demais — daí viria a ideia de que o nó é o recalcamento originário, justamente por suprimir a questão sobre o originário; por fim, o argumento do jogo da morra, o qual estabelece uma dominância circular entre os elos do Real, Simbólico e Imaginário. Assim, a cadeia borromeana surgiria como paradigma da solidariedade entre conceitos e como fundamento de uma ética. (STOÏANOFF-NENOFF, 1997)

Lacan utiliza o nó borromeano para articular as relações entre o Real, o Simbólico e o Imaginário, dando a este objeto topológico um papel central em seu ensino nos anos seguintes, até o fim de sua vida. Em “A terceira” (1974), apresenta a escrita planificada do nó borromeano articulando as diferentes modalidades de gozo às intersecções entre os três registros: gozo fálico entre Simbólico e Real, gozo do Outro, entre Real e Imaginário, sentido (ou gozo do sentido, joui-sens) entre Imaginário e Simbólico e mais-de-gozar na junção entre os três registros.

Figura 21: O nó borromeano planificado apresentado por Lacan

O gozo fálico é tributário da castração, é uma parcela de gozo equacionável à perda em que o sujeito consente por sua inscrição na Lei simbólica. De acordo com Lacan:

O gozo dito fálico não é certamente o gozo peniano. O gozo peniano advém a propósito do imaginário, isto é, do gozo do duplo, da imagem especular, do gozo do corpo. Ele constitui propriamente os diferentes objetos que ocupam as hiâncias das quais o corpo é o suporte imaginário. O gozo fálico, em contrapartida, situa-se na conjunção do simbólico com o real. Isso na medida em que, no sujeito que se sustenta no falasser, que é o que designo como sendo o inconsciente, há a capacidade de conjugar a fala e o que concerne a um certo gozo, aquele dito do falo, experimentado como parasitário, devido a essa própria fala, devido ao falasser. (LACAN, 2007, p. 54-55)

Se só há gozo do corpo, como entender a asserção de que o gozo fálico é fora do corpo? O gozo fálico é tributário do recorte de um pedaço do corpo, corpo que não é do sujeito, mas do Outro. É gozo do corpo e não é do corpo, se considerarmos que se goza de uma parte subtraída ao corpo, pedaço que deixa de ser parte de um corpo para servir ao gozo.

O gozo do Outro, que seria a princípio um gozo mítico, imemorável, passa a ser inscrito no nó borromeano como gozo do Outro barrado, o que significa que “não há Outro do Outro, que nada se opõe ao simbólico, lugar do Outro como tal. Por conseguinte, tampouco há gozo do Outro. JȺ, o gozo do Outro do Outro, não é possível pela simples razão de que não existe” (LACAN, 2007, p. 54). A problemática da incompletude do Outro se faz presente no ensino de Lacan, estando posta desde os anos cinquenta e escrita pelo matema do significante do Outro barrado s(). Sua atualização em termos do gozo do Outro barrado evidencia a ausência de garantia de completude de um Outro que é fundalmentalmente faltoso, o que remete ainda ao não-todo das fórmulas da sexuação.

Já o sentido, apesar de figurar no nó borromeano em um dos espaços que designam as modalidades de gozo, ocupa um lugar de exceção em relação ao gozo na medida em que exclui o Real, sendo como que expurgado de gozo. De acordo com Braunstein, o sentido é o que permite a constituição dos “objetos da realidade, o consenso compartilhado, o acordo garantido pela palavra, a ideologia; o gozo fica excluído dele [...]”(BRAUNSTEIN, 2007, p. 106).

No centro do nó, notado pelo objeto a, figura o mais-de-gozar, conceito tomado de empréstimo da mais-valia de Marx e que remete à perda de gozo54, efeito da entrada do sujeito no discurso.

Nesta mesma apresentação do nó borromeano aparecem as três categorias freudianas, o trio composto por sintoma, angústia e inibição. A angústia é então definida como a intromissão do Real no Imaginário; a inibição, do Imaginário no Simbólico e o sintoma, do Simbólico no Real. Essa escrita planificada do nó supõe que cada anel seja tomado com um plano furado e aberto ao infinito (AFFONSO, 2016).

As três dimensões do Real, Simbólico e Imaginário têm uma dupla função na topologia lacaniana, a primeira, conforme acabamos de apresentar, reside em que sejam situáveis e configurem uma combinatória cuja disposição permite delimitar outros conceitos derivados, de suma importância — as modalidades de gozo e o tríptico freudiano —, a segunda é de que sejam identificáveis às características da estrutura topológica em questão, como ex-sistência, furo e consistência, respectivamente.

Ex-sistência é um termo utilizado por Lacan desde os anos cinquenta que designa o lugar excêntrico do sujeito em relação à cadeia significante. Para uma definição mais ampla e precisa, nos remetemos ao trabalho de Turra (2018), para quem:

Lacan estabelece uma correlação entre insistência da cadeia significante e ex-sistência, ou seja, o lugar excêntrico em que situa o sujeito do inconsciente. Compreendemos, dessa correlação, a posição deslocada do sujeito do inconsciente na cadeia significante. Ele está suspenso, ele não consiste na cadeia, mas insiste na relação entre um significante e outro. A ex-sistência, nesse sentido, não se restringe apenas a seu caráter posicional, excêntrico, fora do centro, mas também a um movimento de deslocamento e retorno, uma insistência. Essa nossa leitura da ex-sistência não apenas como posição, mas como movimento parece se sustentar com um fragmento do texto “A direção do tratamento”, de 1958, quando Lacan, ao se referir à “Entstellung do desejo no sonho” opta por traduzir o termo freudiano por “ex-sistência” em vez do termo utilizado no texto de 1956, “deslocamento”, ou ainda à tradução clássica, “distorção”, sentido que, em nota, Lacan adiciona à sua tradução. A ex-sistência, assim, nesse primeiro momento da teorização lacaniana, parece desenhar uma noção que, ao

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Conforme nos diz Lacan: “o mais-de-gozar é diferente do gozo. O mais-de-gozar é àquilo que corresponde não ao gozo, mas à perda do gozo, na medida em que dele surge o que se torna a causa conjunta do desejo de saber e da animação, que recentemente qualifiquei de feroz, que provém do mais-de-gozar” (LACAN, 2008d, p. 114).

mesmo tempo em que aponta uma posição, marca também um movimento em relação a essa posição, uma insistência. (TURRA, 2018, p. 156-157).

Consideramos concepção da ex-sistência como movimento de deslocamento e retorno extremamente pertinente, ecoando com o que desenvolvemos em relação à dinâmica da estrutura topológica. Ainda de acordo com o autor, a noção de ex-sistência atravessa o ensino de Lacan, ganhando novos relevos em relação ao problema do conceito não idêntico a si colocado pelo zero como referência vazia na elaboração fregeana. Não iremos adentrar nesta extensa problemática, nos contentando em apresentar a síntese construída por Turra (2018) acerca dos desdobramentos da noção de ex-sistência:

i. A ex-sistência é o que, de fora, atribui consistência a um campo; ii. O fora que concerne a ex-sistência só pode ser pensado a partir de uma lógica paraconsistente, na medida em que é “um fora que não é ‘um não dentro’”; iii. A dessubstancialidade da ex-sistência, ela é o “em volta do qual se evapora uma substância”, o que reafirma seu caráter operatório, não substancial” (TURRA, 2018, p. 159).

Vemos aqui a estreita relação entre o que Lacan desenvolve sob a rúbrica de ex-sistência com aquilo que chamou de extimidade, ambos se referindo a uma negação constituinte que subverte a dualidade dentro-fora, uma negação que subsiste como furo sob o qual se encerra um espaço topológico. É importante frisar que, anterior ao espaço topológico correspondente a tal operação, se trata justamente do problema da extensionalidade do conceito, ou ainda, em termos conjuntistas, do conjunto vazio, que culminam na problemática da compacidade de um espaço topológico, indicada por Lacan (2008c) nos anos setenta.

Seguindo o percurso de ensino do psicanalista, Lacan ([1973-1974] 2018) apresenta uma aproximação entre o nó borromeano e as fórmulas da sexuação, referentes à identificação sexuada, através de um tetraedro dos nós levogiro e dextrogiro inserido em um cubo. Resumidamente, Lacan indica que haveria duas formas de dispor o nó borromeano no espaço, associadas à orientação do nó, o que resultaria em duas disposições simetricamente opostas de tetraedros no espaço cubico, ou seja, cada uma das disposições se suporta na ligação entre quatro vértices do cubo, havendo como que uma complementaridade entre as duas disposições opostas:

Figura 22: Disposições do tetraedro no cubo

Cada um dos vértices corresponderia a uma das proposições de suas fórmulas da sexuação, no entanto, não fica claro como isso se daria efetivamente. Lacan se remete brevemente a esse desenvolvimento nas aulas seguintes de seu seminário, sem acrescentar comentários que poderiam elucidar a correspondência entre as fórmulas da sexuação e sua topologia. Destacamos que, apesar do caráter precário da aproximação feita por Lacan, se trata de uma questão fundamental, de fazer corresponder o que havia formulado em termos de matemas com as fórmulas quânticas da sexuação com sua topologia do nó borromeano. Isso implica que há uma continuidade entre o que se elabora com o matema da sexuação e a topologia do nó borromeano, a saber, uma lógica do não-todo fálico.

A tentativa de estabelecer relações de equivalência entre as fórmulas quânticas da sexuação com o nó borromeano retorna insistentemente nas elaborações realizadas por Lacan no seminário sobre o Sinthoma, com as relações de equivalência entre os elos de uma cadeia. Essa problemática é abordada por Lacan em duas vertentes, a primeira através do reviramento do nó borromeano disposto como esfera armilar, levando em conta a coloração e a orientação dos elos, e a segunda acerca do sinthoma como elo que corrige um lapso do nó, o qual abordaremos no subcapítulo seguinte.

A questão implicada nesta primeira vertente do problema pode ser resumida por uma fala de Lacan, proferida em uma das aulas anteriores do referido seminário, que indica que “no final, tudo o que subsiste da relação sexual é essa geometria que aludimos a propósito da luva”. (LACAN, 2007, p. 83). A geometria da luva se refere à questão do reviramento que inverte o dentro e fora, questão que

retornará com maior força nos próximos seminários — à qual também daremos um exame aprofundado no subcapítulo 3.3.

Lacan coloca os termos da questão a partir da disposição do nó borromeano como uma esfera armilar, indicando que “uma vez que o suporte da falsa esfera que desenhei aqui são círculos, há um modo de manipulá-Ia e que consiste em revirá-Ia sobre ela mesma”, ou seja, ressaltando que se trata de uma subversão da totalidade esférica por uma espécie de inversão, pois “a ideia de todo implica o fechamento, ao passo que se revirarmos esse todo, o interior torna-se exterior”. (LACAN, 2007, p.105).

Figura 23: Cadeia borromeana em esfera armilar (LACAN, 2007, p. 105)

Lacan então procede a uma operação que ele chama de reviramento do nó borromeano, a qual consiste basicamente na inversão entre a hierarquia dos anéis, ou seja, modica-se a relação entre os registros, alternando as posições por- cima, por-baixo:

Figura 24: Reviramento (LACAN 2007 p. 108)

A seguir, Lacan coloca em questão algo que é de suma importância para nós, a saber, a possibilidade de distinção entre os registros, ou, em outros termos, um exame das condições de possibilidade de que sejam identificados, de que tenham uma identidade, o que leva à questão de saber se existe mais de um nó

borromeano. Lacan questiona a consideração apresentada a ele por Soury e Thomé — topólogos que acompanhavam seus seminários e investigavam os problemas topológicos desenvolvidos na época — de que somente com a coloração e orientação dos três elos seria possível discernir dois nós borromeanos distintos. Lacan apresenta então uma escrita do nó composta por duas retas e um círculo, as primeiras coloridas e o segundo orientado, como contraexemplo de que com essa escrita dispensa que todos os elos sejam orientados ou coloridos.

Assim, impõem-se considerações acerca do estatuto da coloração e da orientação dos elos, levando-o a equivaler a distinção pela cor às identificações sexuadas:

O importante é que coloquemos em jogo, no caso, um par dito colorido, e que a cor não tenha sentido algum. A aparência da cor diz respeito à visão, no sentido em que a distingui, ou ao olhar? O que distingue a cor, o olhar ou a visão? É uma questão que deixarei em suspenso hoje. A noção de par colorido está ai para sugerir que, no sexo, não há nada alem do que, digamos, o ser da cor, o que por si sugere que pode haver mulher cor de homem, ou homem cor de mulher. Se colocamos a rodinha vermelha como suporte do que concerne, ao simbolico, os sexos, nesse caso, ficam opostos como, para retomar meus termos, o imaginario e o real, como a ideia e o impossível (LACAN, 2007, p. 112)

Por ora, não buscaremos extrair mais conclusões acerca desta problemática da topologia lacaniana, nos contentado em observar a relevância dos procedimentos de coloração e orientação que se referem à questão da identidade colocada pelo nó borromeano, e, mais especificamente, da noção de reviramento empregada. Buscaremos apresentar uma nova forma de articular essa questão, ao menos parcialmente, a partir do mergulho do nó borromeano no toro triplo, no quinto capítulo da presente dissertação.

Em 1975, Lacan apresenta uma nova definição das modalidades de identificação relacionadas com seu nó, referindo ao Outro Real como suporte desta nova distinção:

Refiram-se a termos como os que Freud adiantou, concernindo ao que ele chama de Identificação. Proponho como termo a esta sessão de hoje a identificação tripla como ele adianta, formulo a maneira como a defino eu: se há um Outro Real, não está senão no próprio nó e é por isso que não há Outro do Outro. Esse Outro Real, identifiquem-se com o seu Imaginário, terão então a Identificação do histérico com o desejo do Outro, essa que se passa nesse ponto central. Identifiquem-se com o Simbólico do Outro Real, terão essa Identificação que especifiquei como Eiziger Zug, como traço unário. Identifiquem-se com o Real do Outro Real, obterão o que indiquei como Nome do Pai, e é onde Freud designa o que a identificação tem a ver com o amor (LACAN, 1974-1975, p.53, 18/03/1975).

Estas asserções corroboram a tese de que com a topologia do nó borromeano Lacan rearticular os principais conceitos de seu ensino. A correspondência indicada aqui por Lacan entre o Nome-do-Pai e a identificação por incorporação é de suma importância, pois se trata talvez do conceito mais emblemático de sua obra, fundamental para sua releitura estruturalista do Complexo de Édipo freudiano e, mais especificamente, absolutamente imprescindível para seus desenvolvimentos acerca da psicose e para o estabelecimento para um diagnóstico diferencial das estruturas clínicas. Nesse sentido podemos dizer que a modalidade de identificação que Lacan aparentemente apresentava maior dificuldade para elaborar, tendo contribuído para sua compreensão muito menos do que para as duas outras formas de identificação, foi, paradoxalmente, a que mais desenvolveu, sob o conceito do Nome-do-Pai.

Ainda no mesmo seminário, Lacan posteriormente designa o traço unário como equivalente ao triskel, que nada mais é que a intersecção de três linhas que figura no centro do nó borromeano:

Figura 25: Triskel.

Não enunciou Freud que na identificação ninguém vê o suporte, isto é, o alcance, só havendo amor por identificação incidindo neste quarto termo, o Nome do Pai. Não é estranho que, de identificação, ele só enuncie três e que nessas três haja todo o necessário para que se leia o meu nó borromeano? Pois ele chega, inclusive, a designar propriamente a consistência é a base, a saber, o triskel, isto, por exemplo, já que só aí tenho o exemplo, e o triskel não é um nó. Ele só se inscreve com a consistência, Freud chamou a isso o traço unário. Não se podia dizer melhor o que compõe o nó, não sem ter na cabeça não haver amor senão aquele que, do Nome do Pai, faz anel entre os três, faz anel dos três do triskel. (...) É enquanto o Nome do Pai é aqui o que faz nó, e em se tratando do triskel, o Nome do Pai, aqui, do triskel faz nó, é enquanto pois o triskel ex-siste que pode haver identificação, identificação a quê? Ao que em todo nó borromeano é o coração, o centro do nó; e onde é que marquei se situar o desejo, desejo que também é uma possibilidade de identificação? Aqui, onde situei para vocês o lugar do objeto pequeno a, como sendo aquele que domina aquilo que Freud torna a terceira possibilidade de identificação, o desejo da histérica (LACAN, 1974-1975, p.65 15/04/1975).

Esse pequeno trecho condensa de forma muito sintética o que seria a rearticulação das três modalidades de identificação em termos da topologia do nó borromeano: parte-se do triskel, equiparado ao traço unário, como base para a estruturação do nó, o qual se constitui pela incorporação, pela ação do Nome-do- Pai, e situa o objeto a no ponto de intersecção triplo entre os três registros, evidenciado pela escrita planificada do nó, possibilitando a identificação histérica, ao desejo do Outro.

Já no seminário seguinte, sobre o Sinthoma, em uma de suas variadas apresentações do nó borromeano, Lacan o escreve composto por uma reta infinita, tomada como equivalente a um elo simples, o que certamente o distancia de uma abordagem topológica estritamente matemática.

Figura 26: Transformação do falso-furo em real (LACAN, 2007, p. 113.)

A reta infinita é aqui identificada ao Falo, como aquilo que torna um falso- furo verdadeiro, mas também aparece como identificada ao traço unário, e, posteriormente ao registro do Real. Vejamos na passagem a seguir como Lacan faz a reta infinita que compõe o nó equivaler ao traço unário:

Não é de hoje que me interesso por essa questão da escrita, e a promovi pela primeira vez ao falar do traço unário, que, em Freud, é einziger Zug. Devido ao nó borromeano dei outro suporte a esse traço unário. Ainda não lhes apresentei esse outro suporte. Em minha notas, eu o escrevo RI. São as iniciais de reta infinita. A reta infinita, não é a primeira vez que vocês me ouvem falar dela, eu a caracterizo por sua equivalência ao círculo. É o princípio do nó borromeano. Ao combinar duas retas com o círculo, temos o essencial do nó. Por que a reta infinita tem essa virtude, ou qualidade?