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2. Identificação em Lacan nos anos sessenta

2.1. O oito interior e o toro: a gênese do significante

Lacan apresenta uma linha fechada que se redobra, a qual ele vai chamar de ‘oito interior’, que será a figura topológica de maior destaque em seu ensino durante os anos sessenta.

Figura 5: Oito interior

O oito interior deve ser entendido como a estrutura mínima que configura a repetição significante, a qual, mais do que um simples percurso, deve ser entendida como um corte sobre uma superfície:

Se a própria linha é corte, cada um de seus elementos será, portanto, secção de corte, e é isso, em suma, que introduz esse elemento vivo, se posso dizer, do significante, que chamei de oito interior, a saber, precisamente o laço. A linha se recorta. Qual é o interesse dessa observação? O corte levado sobre o real aí manifesta, no real, o que é sua característica e sua função, e o que ele introduz em nossa dialética,

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A ideia do significante/letra equacionado como contabilidade da falta é desenvolvida por Lacan a partir da topologia da superfície tórica, a qual permitiria articular a relação entre a demanda e o desejo, e posteriormente, com os toros entrelaçados, entre a demanda do sujeito e o desejo do Outro, e vice-versa. Essas questões são apresentadas e discutidas no subcapítulo seguinte.

contrariamente ao uso que dele se faz, que o real é o diverso, o real, desde sempre, eu me servi dessa função original, para dizer-lhes que o real é o que retorna sempre ao mesmo lugar. O que isso quer dizer, senão que a secção de corte, em outras palavras, o significante sendo aquilo que nós dissemos, sempre diferente dele mesmo — A ≠ A, A não é idêntico a A — nenhum meio de fazer aparecer o mesmo, senão do lado do real. Dito de outra maneira, o corte, se posso assim me exprimir, no nível de um puro sujeito de corte, o corte não pode saber que ele se fechou, que ele só repassa por ele mesmo porque o real, enquanto distinto do significante, é o mesmo. Em outras palavras, só o real o fecha. Uma curva fechada é o real revelado, mas, como veem, mais radicalmente, é preciso que o corte se recorte. [...] o significante, para engendrar a diferença que ele significa originalmente, a saber, o momento, aquele momento que, asseguro-lhes, não poderia se repetir, mas que sempre obriga o sujeito a encontrá-lo, aquele momento exige, portanto, para alcançar sua forma significante, que ao menos uma vez o significante se repita, e essa repetição não é outra senão a forma mais radical da experiência da demanda. (LACAN, 2003b, 348-349)

Suporte do fundamento da diferença na repetição, matriz do efeito de retroação, também conhecido como a posteriori ou aprés-coup, o oito interior presentifica esse movimento de uma ação que incide na diferença do Mesmo42.

Com a introdução do oito interior como topologia da articulação da cadeia significante em sua repetição, Lacan pretende dar conta do terceiro modo de identificação, identificação histérica, ao desejo do Outro. Em suas próprias palavras,

O campo em que estou, desde que introduzi o significante do oito interior, é o do terceiro modo de identificação, essa identificação na qual o sujeito se constitui como desejo, e na qual todo nosso discurso anterior evitava desconhecer que o campo do desejo não é concebível para o homem senão a partir da função do Outro. O desejo do homem se situa no lugar do Outro, e aí se constitui precisamente como esse modo de identificação original que Freud nos ensina a separar empiricamente — o que não significa que seu pensamento, neste ponto, seja empírico — sob a forma do que nos é dado em nossa experiência clínica, especialmente a propósito dessa forma tão manifesta da constituição do desejo, que é a da histérica. (LACAN, 2003b, p. 405).

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Uma década depois, em 1972, Lacan continua a refirmar que a repetição de que se trata é referida a uma marca simbólica, o que possibilita a identificação imaginária como eu ideal: “Qualquer coisa pode servir para escrever o Um de repetição. Não é que ele não seja nada, é que se escreve de com qualquer coisa, desde que seja fácil de repeti-la como imagem. Para o ser encarregado de fazer com que, na linguagem, isso fale, nada mais fácil de representar do que aquilo que ele que é feito para reproduzir naturalmente, ou sej, como dizem, seu semelhante, ou seu tipo. Não que originalmente ele saiba fazer sua imagem, mas ela o marca, e ele pode devolvê-la, conferir-lhe a marca que é justamente o traço unário, ou seja, o suporte daquilo de que parti sob o nome de estádio do espelho, isto é, de identificação imaginária. [...] A marca como tal, o traço unário, aponta um suporte típico, isto é, imaginário, mas não só não constitui um julgamento de valor, como também tudo o que eu disse, escrevi, inscrevi nos grafos, esquematizei num modelo óptico, na época, no qual o sujeito se reflete no traço unário, e no qual é somente a partir daí que ele se repete como eu ideal, tudo isso insiste justamente em que a identificação imaginária se efetua por uma marca simbólica”. (LACAN, 2012, p. 161).

A caracterização de cada um dos modos de identificação tomados separadamente não é tão simples de se delimitar, posto que, embora haja uma lógica que permita tomá-los em sucessão, paradoxalmente faz-se necessário considerá-los em coexistência, agindo simultaneamente43.

Com o oito interior Lacan também ilustra o que seria o fundamento conjuntista do significante, ao propor o que seria uma leitura euleriana de um conjunto que, ao invés de apresentado como um círculo, se redobra em seu interior, replicando o paradoxo do Russell44:

Figura 6: Relação conjuntista escrita no oito interior (LACAN, 2003b, p. 259)

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É o que compreendemos das seguintes afirmações de Lacan, as quais sucedem imediatamente o trecho citado anteriormente: “Contentar-se em dizer: ‘há a identificação ideal e depois há a identificação do desejo ao desejo’, isso pode servir certamente para um primeiro desembaraçamento do negócio, vocês devem perceber. O texto de Freud não deixa as coisas aí, e não deixa coisas aí na medida em que, já dentro das obras maiores de sua terceira tópica, ele nos mostra a relação do objeto, que só pode ser aqui o objeto do desejo, com a constituição do próprio ideal; ele o mostra no plano da identificação coletiva, do que é, em suma, uma espécie de ponto de convergência da experiência, pelo quê a unaridade do traço, se posso dizer, meu traço unário, é isso que eu gostaria de dizer, reflete-se na unicidade do modelo tomado como aquele que funciona na constituição dessa ordem de realidade coletiva que é a massa, se se pode dizer, com uma cabeça, o líder. Esse problema, por local que seja, é, sem dúvida, aquele que oferecia a Freud o melhor terreno para ele mesmo apreender, no ponto em que ele elaborava as coisas ao nível da terceira tópica, alguma coisa que, para ele, não de uma maneira estrutural, mas de certo modo ligada a uma espécie de ponto de convergência concreto, reunia as três formas da identificação, pois que igualmente, a primeira forma, aquela que permanecerá em suma na borda, no término de nosso desenvolvimento deste ano, aquela que se ordena como a primeira, a mais misteriosa também, ainda que a primeira aparentemente trazida à luz da dialética analítica, a identificação com o pai, está ali, nesse modelo da identificação com o líder da multidão, e está ali, de alguma forma, implicada sem estar de modo algum implicada, sem estar de modo algum incluída na dimensão total, na sua dimensão inteira” (LACAN, 2003b, p. 405-406). A constituição das massas pela identificação ao líder seria então, não meramente o protótipo da identificação secundária, ao traço, mas o principal exemplo de convergência das três identificações, implicando o amor ao pai, o Ideal do eu e o objeto a como causa do desejo.

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Trata-se da descoberta realizada por Russell de uma contradição no projeto logicista fregeano de reduzir a matemática à lógica, a partir de um fundacionismo intencional. A variação mais conhecida deste problema é o paradoxo do barbeiro, o qual procede das condições seguintes: 1) o barbeiro faz a barba de todas as pessoas da cidade que não fazem a própria barba; 2) o barbeiro só faz a barba de quem não faz a própria barba. O paradoxo surge ao se questionar quem faz a barba do barbeiro: se ele fizer a própria barba estará violando a segunda condição, se não o fizer, estará violando a primeira condição. O paradoxo do barbeiro é na realidade um exemplo impróprio da problemática, pois o verdadeiro objeto do paradoxo são classes e não objetos (DE MORAIS, 2018).

A respeito desta manobra de Lacan, destacamos a equivalência do laço redobrado a uma espécie de furo que altera as relações entre interior e exterior, modificando a constituição do espaço euclidiano. Algo equivalente ocorre ao se traçar determinados percursos na superfície tórica: a forma de notação Euleriana para a composição de operações lógicas é subvertida pelo toro, pois a escrita de um círculo que coincida com um dos eixos, central ou periférico, do toro não configura um espaço descontínuo, não delimitando, portanto, um dentro e um fora do círculo, já que se passa de uma região à outra continuamente. A relevância destes desenvolvimentos topológicos para a psicanálise reside fundamentalmente na aposta de que podem contribuir para a constituição de uma estrutura, a qual apresenta necessariamente uma disposição espacial, que permita articular a especificidade da relação do sujeito à cadeia significante que o determina. Trata-se, em suma, das relações de continuidade e descontinuidade inerentes à cadeia significante, a qual se articula em uma estrutura, cujo estatuto deve ser topológico justamente pelo fato de que a topologia é a disciplina que se ocupa destas questões. Seguindo o curso de seu seminário, uma das questões mais relevantes levantadas por Lacan diz respeito ao papel central do objeto na identificação:

[...] não se trata estritamente de nada além da passagem do falo de a+ a a- e que, através disso vemos, na relação de identificação — uma vez que sabemos que nisso que o sujeito assimila, é ele, na sua frustração, nós sabemos que a relação do  com esse 1/A — ele, 1, enquanto assumindo a significação do Outro como tal — tem a maior relação com a realização da alternância a x -a, este produto de a por -a que formalmente faz –a². Saberemos por que uma negação é irredutível. Quando há afirmação e negação, a afirmação da negação faz uma negação; a negação da afirmação também. Vemos aí apontar, nessa própria fórmula do –a², reencontramos a necessidade de colocar em causa, na raiz desse produto, a √−1. Trata-se não simplesmente da presença, nem da ausência do pequeno a, mas da conjunção dos dois, do corte. É da disjunção do a e do - a que se trata, e é aí que o sujeito vem se alojar como tal, que a identificação tem que se fazer, com esse algo que é o objeto do desejo (LACAN, 2003b, p. 144-145)

É pela alternância entre presença e ausência do objeto, tal como aquela posta pelo jogo do carretel, “Fort-da”, descrito por Freud, tomadas em uma conjunção, tornando-as sincrônicas. A dupla incidência da negação não anula o objeto, produzindo o a negativo elevado ao quadrado (–a²), que, ao passar para o outro lado da equação resulta na raiz quadrada de menos um (√−1). Algumas aulas depois, Lacan utiliza o oito interior para situar essa relação do sujeito do significante

ao objeto a na fantasia45, articulando uma alternância entre presença e ausência do objeto a, a qual seria equivalente à identificação ao traço unário, ou seja, ao traço que se retém do objeto.

Figura 7: Produto do –a pelo a no oito interior (LACAN, 2003b, p. 311)

É porque é enquanto o significante tem de redobrar seu efeito, ao querer se designar a si mesmo, que o sujeito surge como exclusão do próprio campo que ele determina, não sendo então nem aquele que é designado, nem aquele que designa, não obstante, o ponto essencial, que isso só se produz em relação com o jogo de um objeto, primeiro como alternância de uma presença e de uma ausência. O que quer dizer, primeiro formalmente, a conjunção  e pequeno a, é que no fantasma, sob seu aspecto puramente formal e radicalmente, o sujeito se faz -a, ausência de a, e somente isso, diante do pequeno a, no nível daquilo que chamei de identificação com o traço unário. A identificação só é introduzida, só se opera pura e simplesmente nesse produto do -a pelo a, e que não é difícil ver em que — não simplesmente como por um jogo mental, mas porque somos ai levados por alguma coisa que é, para nós, nosso modo de alguma coisa que recebe ali legitimamente sua fórmula — o –a² = 1 que daí resulta o que nos introduz ao que há de carnal, de implicado neste simbolo matemático de √−1 (LACAN, 2003b, p. 311).

Não nos deteremos em um exame mais aprofundado do que se convencionou chamar de álgebra lacaniana, nos limitando a indicar que o uso do número imaginário, √−1, o qual remete a uma classe vazia, inocupável por nenhum número real, é utilizado como um algoritmo que serve para o cálculo algébrico das relações entre a função da falta de significante (-1) e a significação (√−1) como falta na imagem especular, lugar do gozo (LACAN, 1998, p. 833 e 837).

Vimos uma primeira abordagem da topologia do oito interior, a qual poderíamos chamar de intrínseca, na medida em que toma como referência

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Trata-se da fantasia fundamental primeiramente desenvolvida por Freud no texto “Bate-se numa criança” e longamente reelaborada por Lacan. Pode-se dizer que, em linhas gerais, Lacan busca se desembaraçar de seu aspecto imaginário referente às diferentes narrativas para isolar seu funcionamento em termos de uma função. Ressalta-se a diferença com a noção de fantasia empregada por alguns psicanalistas, mais especificamente acerca do que chamou de fantasias originárias, relacionadas à cena primária, à sedução ou à castração. Algumas versões da tradução dos seminários de Lacan para o português fazem uso do termo fantasma. Não vemos razão para empregá-la, mantendo-a somente nas citações diretas.

somente a si mesma, a partir da noção de um corte que se recorta. Em um segundo momento, no qual Lacan utiliza a topologia das superfícies como ferramenta privilegiada para articular as relações entre o sujeito e o significante, o corte será pensado a partir de sua ação em superfícies topológicas mais complexas do que o plano. De acordo com Lacan,

O significante determina o sujeito, o sujeito toma dele uma estrutura; é aquela que já tentei demonstrar-lhes no grafo. Este ano, a propósito da identificação, isto é, desse algo que focaliza sobre a própria estrutura do sujeito nossa experiência, tento fazê-los seguir mais intimamente essa ligação do significante com a estrutura subjetiva. Isto ao qual os levo, sob essas fórmulas topológicas, das quais vocês já sentiram que elas não são pura e simplesmente essa referência intuitiva à qual nos habituou a prática da geometria, é a considerar que essas superfícies são estruturas, e tive que lhes dizer que elas estão todas estruturalmente presentes em cada um de seus pontos, se é que devemos empregar essa palavra ponto sem reservar o que vou trazer-lhes hoje aqui. Eu os levei, por minhas afirmações precedentes, a isso que se trata agora de construir em sua unidade, que o significante é corte, e o sujeito e sua estrutura, trata-se de fazê-lo depender disto. Isso é possível, pelo que lhes peço admitir e seguir-me ao menos por um tempo, que o sujeito tem a estrutura da superfície, pelo menos topologicamente definida. Trata-se, pois, de apreender, e isso não é difícil, como o corte engendra a superfície (LACAN, 2003b, p. 346-347).

Pode-se ver como a questão é colocada de forma paradoxal por Lacan, de forma que o sujeito como superfície acolhe o corte significante e o corte significante engendra a superfície do sujeito ao recortá-la. A ação do corte que modifica as relações de vizinhança apresentadas pelas superfícies está presente desde o início até o derradeiro fim de toda topologia empregada por Lacan.

A superfície topológica utilizada por Lacan neste momento de seu percurso é o toro, o qual, diferente do plano ou da esfera, permite a escrita de percursos fechados que são irredutíveis a um ponto. Este foi um dos principais aspectos que o fez utilizar o toro, declarando explicitamente que haveria “uma estrutura topológica da qual se tratará de demonstrar em que ela é necessariamente a do sujeito, estrutura que comporta que haja alguns de seus laços que não possam ser reduzidos. É todo o interesse do modelo do meu toro”. (LACAN, 2003b, p. 184).

O que está colocado para Lacan é a sua desvinculação de uma tradição para a qual o espaço, cujo fundamento é a geometria euclidiana, é tomado como constituído a priori, quando se trata, para ele, de que o espaço é uma estrutura simbólica constituída pela articulação da cadeia significante e constituinte do sujeito. Esse espaço não seria o do plano ou da esfera, nos quais todo círculo pode ser

reduzido a um ponto, mas do toro, o qual permite a escrita de percursos variados e irredutíveis.

Com o toro, Lacan articula a relação de repetição das demandas46, tomadas como voltas em torno do furo periférico do toro (vazio interior) na constituição do desejo, compreendido como a volta em torno do furo central (vazio exterior) que não é contabilizada.

Figura 8: A série de demandas em um toro (NASIO, 2011, p. 14)

O traço unário que opera na identificação é situado justamente pela repetição das voltas da demanda, como aquilo que se inscreve como primeiro e instaura a série de demandas. De acordo com Lacan:

Penso ter marcado suficientemente, para vocês, que a noção da função da repetição no inconsciente se distingue absolutamente de todo ciclo natural, no sentido de que o que é acentuado não é seu retorno, é que o que é procurado pelo sujeito, é sua unicidade significante e enquanto uma das voltas da repetição — se podemos dizer — marcou o sujeito que se põe a repetir o que ele não poderia evidentemente repetir, pois isso nunca será mais que uma repetição, mas com o objetivo, com o desígnio de fazer ressurgir o unário primitivo de uma de suas voltas. Com o que acabo de lhes dizer, não me é necessário acentuar isso, é que isso já funciona antes que o sujeito saiba contar. Em todo caso, nada implica que ele tenha necessidade de contar demais as voltas do que ele repete, pois ele o repete sem sabê-lo. Não é menos verdadeiro que o fato da repetição está enraizada neste unário original, que, como tal, este unário está estreitamente colado e coextensivo à própria estrutura do sujeito, enquanto ele é pensado como repetindo, no sentido freudiano. O que vou mostrar- lhes hoje, por meio de um exemplo e com um modelo que vou introduzir, o que vou lhes mostrar hoje é isso: que não há nenhuma necessidade de que ele saiba contar para que se possa dizer e demonstrar com que

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Lacan realiza uma importante diferenciação entre necessidade, demanda e desejo. Enquanto o primeiro é considerado em sua dimensão biológica, referido à fome, por exemplo, como instinto (em sua acepção corrente), o segundo e o terceiro surgem da relação ao Outro. A demanda é concebida como pedido dirigido ao Outro, enquanto o desejo se erige sobre uma falta inerente ao Outro, impossível de ser preenchida. O objeto a, conceito desenvolvido tardiamente por Lacan, será definido como objeto causa do desejo - classe impossível de ser preenchida por qualquer objeto factual, tendo uma função eminentemente lógica para a construção da fantasia como delimitadora do campo da realidade do sujeito.

necessidade constituinte de sua função de sujeito ele vai fazer um erro de conta. Nenhuma necessidade de que ele saiba, sequer que procure contar, para que esse erro de conta seja constituinte dele, sujeito, enquanto tal, ele é o erro. (LACAN, 2003b, 177-178).

O erro de conta a que Lacan se refere é o da volta em torno do furo central do toro, eixo do objeto a, objeto causa do desejo. Ao realizar uma série de repetições da demanda se dá uma volta completa em torno do eixo central, do objeto a, volta não contabilizada, equivalente ao desejo inconsciente.

Lacan ainda dá uma versão mais completa do que pretende articular com o toro, com a consideração de percursos que compreendem os dois eixos tóricos em apenas uma volta e do falo como “medida última da relação do sujeito com o desejo”:

Figura 9: Esquema das relações entre demanda, desejo, objeto a e falo (LACAN 2003b. P. 219)

Essa versão do toro proposta por Lacan não encontra maior seguimento no seminário, aparentemente sendo abandonada em preferência pela versão simplificada. De fato, a utilização de termos próprios de uma geometria euclidiana — raio e tangente47 — não é a mais apropriada para situar os conceitos na topologia do