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3. Identificação em Lacan nos anos setenta

3.4. O nó borromeano generalizado

Em seu seminário de 1978-1979, intitulado “A topologia e o tempo”, Lacan inicia a elaboração do que seria seu último desenvolvimento topológico: o nó borromeano generalizado. Apesar desses desenvolvimentos não se referirem diretamente à questão da identificação, sua abordagem no bojo da presente dissertação se deve primeiramente ao fato de serem uma contribuição relevante de Lacan para sua topologia, ainda pouco conhecida no meio lacaniano e menos ainda explorada de forma sistemática, e, em segundo lugar, pela articulação realizada por Vappereau acerca da generalização do nó borromeano com a questão da identificação pelo viés da construção de um operador de leitura nomeado de movimento-nó, o qual seria equivalente à operação de leitura possibilitada pelo traço unário. A problemática colocada pela generalização do nó borromeano será retomada na presente dissertação em dois momentos, primeiramente apresentando a leitura de Vappereau no subcapítulo 4.2, e posteriormente, no subcapitulo 5.5, em um exame de suas confluências com o que desenvolveremos acerca da topologia do nó borromeano mergulhado no toro triplo, buscando articular essas duas vertentes, a princípio divergentes, da topologia lacaniana.

A generalização buscada por Lacan no primeiro momento é uma tentativa de estabelecer o que seria a especificidade de uma propriedade borromeana, o que até então não se distinguia da propriedade brunniana. Esta última propriedade se refere às cadeias que se desfazem pela retirada de qualquer um dos elos que a compõem, sendo o nó borromeano a cadeia mais simples para qual esta propriedade não é trivial (já que para qualquer cadeia com dois elos, ao se retirar qualquer um, não há mais cadeia).

A propriedade borromeana passa a ser definida como a propriedade de uma cadeia composta por n-elos que, pela subtração aleatória de p-elos, seus elos restantes estejam soltos, ou seja, se desfaça completamente. Nota-se que esta propriedade borromeana designada por Lacan nada tem a ver com a cadeia borromeana, se distinguindo também da propriedade brunniana. A figura abaixo mostra uma cadeia de cinco elos que se desfaz ao se retirar dois elos quaisquer.

Figura 44: Cadeia composta por cinco elos que se desfaz ao se retirar dois elos quaisquer (LACAN, 21/11/1978)

Trata-se de uma problemática complexa e sofisticada, pois o estabelecimento da regra de formação para composição de uma série de cadeias borromeanas generalizadas de n-elementos não se dá por simples adição de elementos em determinada configuração, como no caso da propriedade brunniana, de forma que, na medida em que o número de elementos aumenta, se faz

necessário um remanejamento da cadeia anterior, tornando-se cada vez mais complexa a tarefa de compor uma cadeia que possua essa propriedade (SOURY et al., s/d). A investigação empreendida por Lacan e seus colaboradores topólogos produz uma vasta gama de nós borromeanos generalizados, sendo classificados por Soury como estritos ou amplos, de acordo com a adequação ao princípio fundamental de constituição da cadeia para que se desfaça precisamente pela subtração de p-elos.

Em determinado momento essa investigação acerca da propriedade borromeana cessa em detrimento da apresentação de uma cadeia específica nomeada como nó borromeano generalizado. Há uma mudança de perspectiva, da propriedade borromeana fundamentada na retirada de p-elos, para a consideração de propriedades buscadas pela colocação em continuidade de p-elos de cadeias brunnianas, a partir da classificação milnoriana, considerando procedimentos de homotopia, ou seja, a partir de uma vertente não-fisicalista dos nós.

A figura abaixo mostra o nó borromeano generalizado apresentado por Lacan, obtido pela colocação em continuidade de dois elos de uma cadeia brunniana de quatro elos.

Figura 45: Composição do nó borromeano generalizado pela colocação em continuidade dos dois elos medianos de uma cadeia brunniana de quatro elos

A figura apresentada por Lacan é uma simplificação de um procedimento bastante complexo que requer a consideração de algumas propriedades fundamentais da cadeia brunniana de quatro elos para se efetuar. Vejamos a seguir como de fato se dá a passagem de uma cadeia à outra através de operações topológicas adequadas:

Figura 46: Formação do nó borromeano generalizado por homotopia através da duplicação da cadeia brunniana de quatro elos (SOURY, 1986).

Soury (1986) mostra que a partir da duplicação da cadeia brunniana de quatro elos, cuja cópia apresenta a inversão de posição dos elos externos, e da colocação em continuidade de cada elo com seu “duplo”, obtém-se a cadeia da direita, na qual os elos medianos têm a mesma configuração, o que permite que eles sejam tomados como um.

A principal propriedade dessa cadeia é de se desfazer por homotopia, ou seja, uma propriedade decorrente da imersão da cadeia na terceira dimensão, que permite que haja auto-atravessamento de um elo somente consigo mesmo, mas não com os demais. A imagem a seguir mostra os três cruzamentos que são modificados por homotopia para que a cadeia se desfaça.

Figura 47: Destituição do nó borromeano generalizado por três modificações dos cruzamentos por homotopia

Da busca pela formalização da generalização da propriedade borromeana, passou-se a assunção de uma única cadeia que seria o protótipo dessa propriedade, embora a própria propriedade não possa mais ser pensada da mesma maneira. O que caracteriza essa cadeia é sua gênese dada pelo procedimento de composição de uma cadeia mais simples a partir de uma cadeia de

quatro elos e a propriedade de se desfazer por deformação continua de um de seus elos, justamente aquele resultante da composição a partir de dois elos.

A seguir apresentaremos alguns desenvolvimentos topológicos realizados por outros autores que serão imprescindíveis para a proposição de novas articulações topológicas acerca da identificação, inclusive retomando a problemática aqui desenvolvida acerca do nó borromeano generalizado a partir de outras perspectivas.