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3. A REGULAÇÃO INTERNACIONAL DE OGM

3.1. O PROTOCOLO DE CARTAGENA

3.1.1. Objetivos, movimentos transfronteiriços de OGM e rotulagem

Em face dos avanços da biotecnologia quanto aos OGMs, o art. 1º do Protocolo de Cartagena35 dispõe que o seu objetivo é:

Contribuir para assegurar um nível adequado de proteção no campo da transferência, da manipulação e do uso seguros dos organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando em conta os riscos para a saúde humana, e enfocando especificamente os movimentos transfronteiriços.

O objetivo específico do Protocolo de Cartagena foi garantir um nível adequado de proteção na esfera de transferência, manipulação e utilização segura dos organismos vivos modificados geneticamente, resultantes da biotecnologia moderna. A preocupação com um nível adequado de proteção decorre do receio de

34 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO.

<http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/291r_f_e.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2011

35 BRASIL. Decreto no 5.705, de 16 de fevereiro de 2006. Promulga o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança da Convenção sobre Diversidade Biológica. Publicado no D.O.U. de 17.02.2006.

que os OGMs possam comprometer a diversidade biológica e a saúde humana. Por este motivo o espectro de incidência do protocolo concentra-se no movimento transfronteiriço de OGMs em virtude do risco de disseminação (JESUS E PLONSKI, 2006).

Um dos mecanismos adotados pelo Protocolo para assegurar o cumprimento do seu objetivo refere-se à obrigatoriedade do país exportador receber autorização expressa do país importador para introduzir o OGM em seu meio ambiente, inclusive responsabilizando juridicamente o país exportador pela inexatidão das informações prestadas, conforme dispõem os artigos 8º a 10 do Protocolo.

Como exemplo disto, o art. 11 do Protocolo determina que no caso de comercialização interna de OGM destinado ao uso direto como alimento humano ou animal, é necessária a comunicação do fato aos demais países membros do Protocolo.

O texto do tratado não utiliza a expressão usual OGM, mas sim o termo organismo vivo modificado (OVM), definido no artigo 3º, “g”, como sendo “qualquer organismo vivo que tenha uma combinação de material genético inédito obtido por meio do uso da biotecnologia moderna”. Em virtude da utilização do termo OVM ao invés de OGM, Quirino (2008, p. 164) demonstra que “os produtos derivados de OGM, como, por exemplo, proteínas ou óleo de soja obtidos a partir de soja geneticamente modificada ficam fora do âmbito do Protocolo”.

Também se encontra fora do espectro de incidência do Protocolo, os produtos farmacêuticos destinados aos seres humanos e os OGMs destinados a uso confinado realizado em conformidade com as normas de importação de cada parte do Protocolo, conforme determinam os artigos 5º e 6º do Protocolo.

O termo “movimentos transfronteiriços” citado no art. 1º do Protocolo significa cruzamento de fronteiras, inclusive através de importação e exportação. O Protocolo trata do comércio de mercadorias, como sementes e alimentos geneticamente modificados, principalmente no âmbito internacional de remessa de mercadorias entre países (QUIRINO, 2008).

Considerando que interfere no comércio de mercadorias, Koester (2005, p. 87-88) sustenta que “o Protocolo é um marco na discussão da relação entre comércio e meio ambiente”. Segundo o autor, a Organização Mundial do Comércio

(OMC) desempenhará importante papel na contribuição para que os Estados respeitem o Protocolo em suas relações comerciais.

Sobre esse fato, Quirino (2008, p. 168) demonstra a “preocupação em torno da utilização do Protocolo como pretexto para configuração de barreiras não tarifárias ao comércio internacional”. Ressalta, também, não ser o objetivo dos idealizadores do Protocolo a utilização como instrumento para restringir o comércio internacional por meio de falsas barreiras comerciais não tarifárias (QUIRINO, 2008). Ratificando tais informações, Mackenzie (2005, p. 138) explica que “grande parte das negociações do Protocolo foi absorvida por debates sobre sua relação com as regras de comércio internacional incorporadas nos acordos da Organização Mundial de Comércio (OMC)”.

Sobre os mencionados acordos no âmbito da OMC, cabe destacar não só o acordo sobre barreiras comerciais sanitárias e fitossanitárias, analisado no capítulo 2 deste trabalho, mas também o acordo sobre as barreiras técnicas ao comércio. De acordo com Oliveira (2005, p. 293) “algumas barreiras técnicas visam à proteção aos consumidores através da disponibilização de informação adequada e relevante, principalmente na forma de exigências de rotulagem ou outras exigências”.

Ao discorrer sobre a rotulagem de OGMs, Lapeña (2005, p. 163) destaca a importância do acordo sobre barreiras técnicas, já que os Estados podem impor exigências técnicas aos produtos importados, tais como a necessidade de rotulagem com a indicação de que se trata de um produto que contém OGM. A rotulagem é tratada no Protocolo de Cartagena, onde se impõe a obrigatoriedade de identificação de OGM na documentação que acompanha o movimento transfronteiriço, conforme determina o art. 18 do Protocolo.

Essa obrigatoriedade de rotulagem independe da constatação de eventual perigo que os OGMs possam oferecer, pois o Protocolo baseia-se no processo de fabricação e não no produto final. Ou seja, basta que os produtos sejam originados da biotecnologia para que se imponha a obrigatoriedade de rotulagem (MALJEAN- DUBOIS, 2005, p. 188).

Quirino (2008, p. 164) ressalta que “não se trata de rotulagem de OVM, mas sim de identificação de cargas comerciais”, já que o Protocolo de Cartagena trata do movimento transfronteiriço de OVM sem interferir na comercialização no âmbito interno de cada país membro. A rotulagem de produtos que contém OGM é objeto da legislação específica e interna de cada país.

Desta forma, conclui-se que o Protocolo de Cartagena ao regulamentar o movimento transfronteiriço de OGM interfere diretamente nas relações comerciais entre os países, os quais deverão seguir as determinações expostas no tratado em especial sobre a rotulagem com a devida identificação da natureza e características do OGM que cruza as fronteiras entre países.

No próximo tópico deste capítulo, discute-se de que forma o Protocolo de Cartagena trata os potenciais riscos que os OGM podem causar ao comércio internacional.