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3. A REGULAÇÃO INTERNACIONAL DE OGM

3.2. REGULAÇÃO DE OGM NA UNIÃO EUROPEIA

Os mais representativos movimentos contrários aos OGMs concentraram-se na Europa, nos fins dos anos 90 (BONNY, 2005). A rejeição atingiu o ápice com a instituição de uma moratória aos OGMs por alguns países europeus no ano 1999, fato que levou à instauração de um painel na OMC, cuja decisão final reprovou a conduta.

Pesquisa realizada no ano de 2001, em todos os países integrantes da União Europeia, atestou a rejeição aos OGMs. Dentre as várias indagações realizadas, constatou-se que 95% dos europeus gostariam de ter o direito de optar pelos alimentos geneticamente modificados, 86% desejaram saber mais a respeito de OGM antes de ingeri-lo e 70,9% rejeitaram expressamente o consumo desses alimentos. Na Europa, os OGMs dispõem de poucos defensores e partidários (BONNY, 2005).

A pesquisa evidenciou o grau de rejeição e discordância dos povos europeus para com os OGMs. Apesar dos números finais sofrerem variações entre

os países integrantes da União Européia, ainda assim os índices de rejeição revelaram-se bastante elevados conforme mostra a tabela 2:

Tabela 2 - Oposição europeia aos alimentos transgênicos, por país.

Tendo a concordar Tendo a discordar NS

Holanda 52 32 16 Reino Unido 58 24 18 Bélgica 64 20 16 Irlanda 66 13 21 Portugal 67 12 21 Dinamarca 68 27 5 União Europeia 71 17 12 Itália 71 15 14 Alemanha 72 18 10 Espanha 75 13 12 Finlândia 77 15 8 Luxemburgo 77 15 8 Suécia 77 16 7 Áustria 78 13 9 França 79 13 8 Grécia 83 03 14 Fonte: Bonny (2005, p. 238)

Bonny (2005) analisou os motivos da rejeição dos europeus aos OGMs.37 De acordo com o estudo, os debates iniciaram-se em 1996, quando chegaram à Europa as primeiras sementes transgênicas originadas dos EUA. Coincidentemente, neste mesmo período, a opinião pública estava marcada por questões temerosas, como as transfusões de sangue contaminado com HIV, doença da vaca louca e os riscos cancerígenos do amianto. Tudo isso gerou desconfiança para com a nova tecnologia de modificação genética dos alimentos. Logo se difundiu a ideia de que empresas e autoridades públicas às vezes desconsideram certos riscos à saúde a fim de proteger seus interesses econômicos ou políticos.

Os difusores iniciais desse movimento contra os OGMs na Europa foram organizações ambientalistas como o Greenpeace e Amigos da Terra. Posteriormente

37 Título original: Why are most Europeans opposed to GMO? Factors explaining rejection in France and Europe.

sindicatos de agricultores e organizações antiglobalização também aderiram ao movimento, que foi rapidamente canalizado em redes de informações na Internet.

Bonny (2005, p. 228) destaca o papel da mídia ao dar o passo seguinte para desqualificar mais ainda os OGMs através de uma “ampla divulgação dos organismos geneticamente modificados e na ênfase sobre seus potenciais perigos”. E continua adiante explicando como ocorreu a atuação da imprensa (2005, p. 229):

No começo, quem tratava de Biotecnologia eram jornalistas científicos, que se posicionavam relativamente a favor. Mais tarde, quando a matéria se tornou mais político-econômica, passou a ser coberta também por outros jornalistas, entre os quais alguns que tinham trabalhado nas questões do sangue contaminado, do amianto, da encefalopatia espongiforme bovina, etc. Eles traçaram paralelos entre esses assuntos.

(...)

A dramaticidade e as manchetes chocantes, revelando perigos ocultos, garantem maior público e têm maior impacto do que artigos mais moderados e brandos; daí a tendência de exagerar, por causa da competição.

Esses aspectos contribuíram para que o resultado da pesquisa38 realizada nos países integrantes da União Europeia atestasse que, para os europeus, os OGMs são vistos como inúteis, não naturais e arriscados, pois apenas serviriam a interesses econômicos e políticos. As vantagens apresentadas pela biotecnologia foram consideradas pouco significativas diante dos riscos potenciais apresentados.

Para Varella (2005, p. 32), “na Europa, os principais argumentos contra os produtos geneticamente modificados não se relacionam necessariamente à segurança dos alimentos, mas a aspectos políticos, tais como a necessidade de produzir novos alimentos quando os alimentos já existentes não são suficientes para alimentar essa população”.

Segundo Hommel e Godard (2005, p. 270), esses movimentos de contestação aos transgênicos na Europa foram capazes de bloquear o desenvolvimento da biotecnologia na região com todas as vantagens apresentadas como promissoras, tais como aumento da produtividade, redução dos impactos da agricultura sobre o meio ambiente e a melhora das condições de produção nos países em desenvolvimento.

A rejeição a OGM na União Europeia gerou nos EUA o entendimento de que os argumentos sobre os riscos representavam uma forma oculta de protecionismo. A ausência de manifestação científica atestando os riscos apontados levou o caso à discussão no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), a qual refutou qualquer medida inibitória da União Europeia ao ingresso de OGM sem base científica que justificasse o embargo.39

Uma análise da legislação dos países da União Europeia a respeito de OGM demonstra os motivos pelos quais há rigor nas exigências para comercialização desses produtos.

A União Europeia possui a legislação mais ampla e consolidada na esfera de biossegurança relativa a OGM. As diretrizes e normas estão embasadas em várias leis, sendo as primeiras com destaque inicial para as Diretivas 90/219 e 90/220, ambas de 23 de abril de 1990 (CARDOSO, ALMADA E MIRANDA, 2009).

A Diretiva 90/220, que disciplinava a utilização confinada de OGM, foi revogada e substituída pela Diretiva 2001-18/CE40, de 12 de março de 2001 e alterada parcialmente pela Diretiva 2008/27/CE, de 11 de março de 2008. A referida Diretiva define OGM como sendo “qualquer organismo, com exceção do ser humano, cujo material genético tenha sido modificado de uma forma que não ocorre atualmente por meio de cruzamentos e/ou recombinação natural”.

A Diretiva 90/219-CE, que tratava sobre a disseminação voluntária de OGMs, foi revogada e substituída pela Diretiva 2009-41/CE41, de 6 de maio de 2009, e em seu art. 2º, “b”, define OGM como sendo “um microorganismo cujo material genético tenha sido modificado por uma forma de reprodução sexuada e/ou de recombinação natural que não ocorre na natureza”.

Para liberação de OGM no meio ambiente ou colocação no mercado, ambas as Diretivas exigem a avaliação de riscos ambientais, assim definida como “a avaliação dos riscos para a saúde humana e o ambiente, direta ou indiretamente, a curto ou a longo prazo, que a liberação deliberada de OGM no ambiente ou a sua

39 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO.

<http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/291r_f_e.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2010. 40 UNIÃO EUROPÉIA.

<http://eur-ex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2001:106:0001:0038:PT:PDF>. Acesso em: 20 ago. 2010.

41 UNIÃO EUROPÉIA.

<http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2009:125:0075:0097:PT:PDF>. Acesso em: 20 ago. 2010.

colocação no mercado possam representar e efetuada em conformidade com o anexo II.”42

Essa exigência também consta no artigo 4º da Diretiva 2001-18/CE43, de 12 de março de 2001, que trata das obrigações gerais, além de reportar ao princípio da precaução, e diz no item 1 que:

Os Estados-Membros devem assegurar, em conformidade com o princípio da precaução, que sejam tomadas todas as medidas adequadas para evitar os efeitos negativos para a saúde humana e para o ambiente que possam resultar da liberação deliberada de OGM ou da sua colocação no mercado. A liberação deliberada de OGM ou a sua colocação no mercado só são autorizadas nos termos, respectivamente, da parte B ou da parte C. Antes de se proceder à apresentação de uma notificação nos termos da parte B ou da parte C, é necessário efetuar uma avaliação dos riscos ambientais. As informações necessárias para efetuar a avaliação dos riscos ambientais constam do anexo III.

Além de constar no texto da Diretiva 2001-18/CE44, de 12 de março de 2001, o princípio da precaução também consta repetidamente em outros dispositivos legais da União Europeia, o que demonstra a larga utilização da abordagem precautória no âmbito destes países.

O texto legal da Consideração n. 8, que constitui o preâmbulo da mencionada Diretiva 2001-18/CE, esclarece que “o princípio da precaução foi tomado em conta na elaboração da presente diretiva e deverá igualmente ser tomado em conta quando da sua aplicação”.

A proibição por precaução pode ser utilizada quando se constate algum risco após a autorização de comercialização do OGM. É o que dispõe o artigo 23, cláusula de salvaguarda, item 1 da Diretiva 2001-18/CE45, de 12 de março de 2001:

42 Art. 2o, “8”, da Diretiva n. 2001-18/CE, de 12 de março de 2001. 43 UNIÃO EUROPÉIA

<http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2001:106:0001:0038:PT:PDF>. Acesso em: 20 ago. 2010.

44 UNIÃO EUROPÉIA

<http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2001:106:0001:0038:PT:PDF>. Acesso em: 20 ago. 2010.

45 UNIÃO EUROPÉIA

<http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2001:106:0001:0038:PT:PDF>. Acesso em: 20 ago. 2010.

Quando um Estado-Membro, no seguimento de informações novas ou suplementares disponíveis a partir da data da autorização que afetem a avaliação dos riscos ambientais, ou de uma nova avaliação das informações já existentes com base em conhecimentos científicos novos ou suplementares, tiver razoes válidas para considerar que um produto que contenha ou seja constituído por OGM, que tenha disso adequadamente notificado e que tenha recebido uma autorização por escrito nos termos da presente diretiva, constitui um risco para a saúde humana ou para o ambiente, pode restringir ou proibir provisoriamente a utilização e/ou venda desse produto no seu território.

Além do princípio da precaução, as diretivas europeias também regulamentam a rotulagem de OGM conforme se infere na análise do Regulamento n. 1830-2003/CE46, que trata da rotulagem e rastreabilidade de OGM.

O item 11 do Preâmbulo do referido Regulamento n. 1830-2003/CE destaca a importância de garantir a informação completa e fiel aos consumidores, impondo a obrigatoriedade de informação caso o produto contenha OGM sem limitar qualquer índice quantitativo, ou seja, deve-se informar qualquer que seja o percentual OGM. O artigo 4º, item 6 do mesmo Regulamento determina que o rótulo deverá conter a seguinte informação: “este produto contém organismos geneticamente modificados” ou “este produto contém (nome do organismo) geneticamente modificado”.

Teixeira (2011, p. 318) destaca que “a União Européia possui a mais restrita legislação sobre rotulagem de transgênicos no mundo”, exatamente por não admitir qualquer limitação de percentual mínimo como outros instrumentos normativos internacionais.

As Diretivas não constituem a única normatização referente a OGM na União Europeia. Cada país integrante tem competência para legislar a respeito do tema, desde que obedeça à hierarquia das Diretivas europeias. De acordo com Machado (2009, p. 1006), “os países que integram a União Européia foram inserindo em suas legislações as normas referentes aos OGMs. Apontamos a Lei 28, de 20.6.90, da Alemanha, e a Lei 92-654, de 13.7.93, da França.”

O Departamento de Meio Ambiente é a instituição responsável pela integração das legislações dos países integrantes da União Europeia. Dependendo do produto, a responsabilidade é dividida com outros departamentos como o Departamento de Agricultura, o Departamento de Saúde e Proteção ao Consumidor

46 UNIÃO EUROPÉIA.

<http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2001:106:0001:0038:PT:PDF>. Acesso em: 20 ago. 2010.

e o Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento. Além disso, a União Europeia criou o Laboratório de Pesquisa Conjunto para desenvolver e certificar as metodologias utilizadas na análise de segurança de OGMs (QUIRINO, 2008).

Após os comentários a respeito da legislação da União Europeia, o próximo tópico deste trabalho abordará a legislação dos Estados Unidos, país que iniciou o painel na OMC contra a União Europeia em virtude do embargo imposto aos produtos transgênicos.