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3. A REGULAÇÃO INTERNACIONAL DE OGM

4.1. A SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA OMC

4.1.2. O processo do mecanismo de solução de controvérsias na OMC

De acordo com o novo mecanismo de solução de controvérsias na OMC, nenhum país membro poderá agir unilateralmente no sentido de declarar a violação de um acordo comercial e aplicar retaliações à outra parte. Há necessidade de um processo específico com regras próprias instituídas durante a Rodada Uruguai.

Para Barral (2003, p. 52), a ocorrência de conflitos é inerente a qualquer sistema normativo e “solucionar estes conflitos, sem permitir que os litigantes se destruam mutuamente em guerras insanas, sempre foi uma das grandes preocupações do Direito Internacional”.

O próprio Acordo Constitutivo da OMC apresenta como propósitos da Organização, além de entabular as negociações das relações comerciais entre os países-membros, administrar o mecanismo de solução de controvérsias com o objetivo de evitar que essas controvérsias comerciais atinjam maiores proporções. A promoção de um ambiente econômico ativo e estável, dirigido por regras acordadas pelos próprios participantes deste sistema, representa a linha de orientação das atividades da OMC (PRAZERES, 2003, p. 36).

O mecanismo de solução de controvérsias inicia-se com uma Reclamação por parte do país membro que julgue que outro está violando alguma regra da OMC. Logo em seguida, há consultas entre as partes com o objetivo de negociar o fim do conflito.

Caso os países envolvidos não alcancem um consenso é estabelecido um painel, cuja composição envolve indivíduos qualificados e experientes selecionados de modo a garantir a independência e a imparcialidade na análise do caso. O painel é composto por três ou cinco membros. Se uma das partes na disputa não concordar com algum dos painelistas indicados, a designação fica a cargo do Diretor Geral da OMC. O objetivo do painel consiste em elaborar uma avaliação objetiva do caso com análise das regras comerciais eventualmente descumpridas, além de formular conclusões que possam auxiliar o Órgão de Solução de Controvérsias – OSC na tomada de decisões ou recomendações às partes envolvidas. O painel encerra-se com a emissão de um relatório às partes e ao OSC (THORSTENSEN, 2003).

A parte que não concordou com o resultado do relatório apresentado ao fim do painel pode recorrer ao Órgão de Apelação. Este órgão é composto por sete pessoas não vinculadas aos governos das partes envolvidas, com reconhecida competência e domínio nas áreas de direito, comércio internacional e do tema do acordo em questão. O apelo deve limitar-se a questões legais tratadas no painel, podendo o Órgão de Apelação manter, alterar ou reverter o relatório do painel (THORSTENSEN, 2003).

O relatório do painel ou a decisão do Órgão de Apelação é apresentado ao OSC, que poderá não acatá-lo, desde que haja um consenso negativo no órgão, ou seja, a decisão não será acatada apenas se todos os países membros concordarem com sua não adoção. Caso não haja esse consenso negativo, valerá o relatório do painel ou a decisão do Órgão de Apelação.

Após esse processo, havendo o reconhecimento de que determinada medida adotada por um país membro está em desacordo com as regras da OMC, este país deve seguir a recomendação do painel ou do Órgão de Apelação no sentido cessar as medidas incompatíveis. O prazo para adequação ao relatório do painel não pode exceder nove meses, se não houve apelo, e de doze meses em caso de apelação. Caso o país membro não cumpra as recomendações determinadas e nem entre em acordo com a outra parte, o OSC pode autorizar a adoção de retaliações contra a parte infratora (THORSTENSEN, 2003).

Toulmin (1997, p. 32) esclarece que a “retaliação deve ser proporcional, e a intenção é que seja um expediente temporário para promover a implementação do Relatório de recomendações”. Com isso, a retaliação objetiva que o membro que atuou em desacordo com as regras da OMC tenha prejuízos comerciais na mesma proporção aos que o outro membro sofreu.

O processo de solução de controvérsias na OMC pode ser sintetizado com base na tabela 8 abaixo transcrita:

Tabela 8 - ESQUEMA TEÓRICO DO PROCESSO DO MECANISMO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA OMC

Prazos Etapas

60 dias Consultas

1ª e 2ª reunião do OSC Estabelecimento do painel pelo OSC 0-20 dias Definição dos termos de referência

Composição do painel 6 meses desde a composição

do painel Exame do caso pelo painel: encontro com as partes e com as terceiras partes e divulgação do relatório do painel para as partes

9 meses desde a composição

do painel Divulgação do relatório do painel para o OSC 60 dias desde o relatório do

painel se não há apelação OSC adota relatório do painel 30 dias para o relatório do

Órgão de Apelação OSC adota o relatório do painel Prazo razoável para

implementação (+/- 15 meses) Implementação: apresentação pela parte perdedora de proposta de implementação. Em caso de não implementação: partes negociam compensações até a implementação.

30 dias após o período

razoável Retaliação autorizada pelo OSC se não há acordo sobre compensação Total de 9 meses desde

estabelecimento do painel Adoção do relatório do painel caso não haja apelação Total de 12 meses desde

estabelecimento do painel Adoção do relatório do painel ou do Órgão de Apelação

Fonte: THORSTENSEN (2003, p. 376)

Para Thorstensen (2003, p. 373), “a meta do mecanismo de solução de controvérsias é o de assegurar uma solução satisfatória para o conflito comercial. Deve ser dada preferência a uma solução mutuamente aceitável para partes”. Anteriormente, Toulmin (1997, p. 28) havia destacado que “o objetivo primário é alcançar um mútuo acordo de instalação de disputas”, bem como Mello (1993, p. 78), para quem “nas organizações internacionais econômicas procura-se o compromisso justo, sendo ele mais importante do que a aplicação rígida do Direito. Daí as negociações terem uma grande importância na solução dos litígios”. Esse entendimento também é confirmado por Barral (2007, p. 54):

As negociações são parte relevantíssima na solução de controvérsias na OMC. Isto muitas vezes não é compreendido por advogados alheios ao mundo da OMC, que querem a todo custo ver uma decisão que lhes seja favorável. Mas, no sistema multilateral do comércio, vigora primordialmente a boa prática de que um mau acordo ainda é melhor que uma boa demanda. Assim, malgrado este caráter mais jurídico do ESC, grande parte dos litígios ainda é resolvida por acordos entre os Membros em litígio.

A regra de uma solução pacífica e negociada entre as partes não se limita aos tratados comerciais. Cançado Trindade (1981, p. 63) destaca como um dos princípios do Direito Internacional contemporâneo o da “solução pacífica de controvérsias”, para preservar a paz e a segurança internacionais.

Essa referência de Cançado Trindade (1981), bem como as afirmações de Thorstensen (2003), Toulmin (1997), Mello (1993) e Barral (2007), se tornam evidentes na medida em que se observa que a busca de um consenso entre as partes está presente em todas as etapas do processo de solução de controvérsias da OMC, desde o início, com a consulta, e até mesmo no final do processo, quando as partes envolvidas devem discutir as formas de implementação do relatório do painel. A retaliação representa a última alternativa, aplicável apenas quando não houver consenso entre as partes ou quando o membro perdedor da disputa não acatar o relatório do painel.

No caso específico do painel a respeito de OGM na OMC, apesar da brevidade da fase de consultas que demorou menos de um ano, ao contrário da maioria dos casos em trâmite na OMC, a busca de uma solução pacífica deu-se ao final do caso, ocasião em que houve um amplo entendimento entre as partes com a finalidade de alcançarem um consenso, o que comprova o espírito que rege o Órgão de Solução de Controvérsias na busca por uma solução pacífica.

Com o propósito de examinar este conflito surgido na OMC referente a barreiras comerciais impostas ao comércio de produtos oriundos de OGM, o presente tópico serve de referencial teórico para o tópico seguinte, no qual será comentado o relatório do painel submetido ao Órgão de Solução de Controvérsias, iniciando-se pela apresentação cronológica do caso, argumentos sustentados pelas partes envolvidas e o relatório final.