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município de Feira de Santana/ BA

3.1 O contributo do estudo com a literacia em escolas da educação básica

Potencialmente, uma aula de leitura constitui um espaço educativo dos mais importantes para a formação de leitores. Mas quais são suas condições de interação? Que lugar a aula de leitura ocupa na proposta dos professores-cursistas do PARFOR? Quais as funções principais e acessórias de que estes professores estão investidos? De que forma estes acessórios são utilizados pelos alunos e professores?

Essas questões orientaram o desenvolvimento deste estudo científico, sendo que os dados aqui mencionados foram coletados ao longo de uma ação didático-linguística, buscando os sentidos, os efeitos e os pressupostos teóricos, na área da literacia, no trabalho desenvolvido pelos professores-cursistas do PARFOR. Inicialmente, estes estudaram o conceito de leitura como um processo de criação de sentidos, pelo leitor, mediado pelo texto, conforme Kleiman (1989:15).

No entanto, verificou-se que as propostas veiculadas nas escolas, locus deste estudo científico, embora aparentemente bem aceitas, não tinham seguimento na prática, entre outras atividades, porque apresentavam conflito com o conceito de leitura que prevalecia na escola,

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ou seja, “a leitura é um hábito“. Além disso, as expectativas das professoras quanto ao papel da literatura contrariavam a premissa de literacia que permite o ensinar/aprender, com base em três aspectos: o conteúdo temático, o estilo verbal, os estudos da língua e os gêneros do discurso.

O Ministério da Educação e Cultura (MEC), através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (2000) apresenta propostas de ensino para viabilizar o domínio da habilidade de leitura, bem como a de escrita, dentro de uma perspectiva do letramento nas práticas escolares. A leitura e a escrita são entendidas como atividades de comunicação estabelecidas entre sujeitos, as quais promovem a efetivação da consciência linguística, entendendo as diferentes situações e contextos de uso desta, o propósito de desenvolver o processo de inclusão, diversidade e cidadania no âmbito escolar.

A partir desta investigação, os professores-cursistas de Letras do PARFOR identificaram alguns elementos indispensáveis ao estudo com a literacia, a saber:

Em termos epistemológicos, a ação executada por elas perpassou por três campos de saberes fundamentais que se entrecruzam e se completam: linguístico, literário e pedagógico, sempre envolvidos e recortados por uma formação essencialmente letrada, de modo a permitir a compreensão ontológica do homem e a consciência ética que engendra a formação de profissionais que já atuam nas salas de aula, por meio do componente curricular Língua Portuguesa em seus municípios de origem.

No campo linguístico, a diretriz que permeia a literacia é o entendimento de que o objeto deste estudo é a linguagem, na qual se objetivam se apoiam e se fundamentam os sistemas semióticos, nos quais e pelos quais o mundo é organizado e apreendido. Assim, representar uma linguagem equivale a representar uma forma de vida. E de igual modo, falar uma língua é parte de uma atividade ou de uma forma de vida. Consequentemente, o objeto focal dos componentes curriculares linguísticos é visto como impregnado de formas de vida, de mundo, nos seus mais variados matizes; e isso, inexoravelmente, fez com que os professores-cursistas do PARFOR se defrontassem com uma tensão entre a provisoriedade sistêmica dos códigos linguísticos e o contingencial de sua própria funcionalidade.

No campo literário, comungando com estudiosos da mencionada área, pode-se entender a Literatura como uma forma de conhecimento, que, pelo seu caráter criativo que instiga a imaginação e pelo poder de revigorar a linguagem em seus aspectos semânticos,

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rítmicos e musicais, articula e realça, sempre, para tornar as palavras um saber que é também um sabor.

Sem nenhum fim prático para além de si mesma, a linguagem literária articula-se sempre no sentido de inventar e reinventar, em todas as suas dimensões, a partir de formas e ângulos os mais diversos e inusitados sentidos com caráter plurifacetado, polifônico e estruturado de forma a encontrar-se sempre deslocado ou deslocando-se da zona de “apropriação por parte do poder oficial”, no sentido de tornar-se um agente articulador, a fim de operar na liberação do leitor e na expansão do seu ser.

Numa perspectiva individual, a linguagem opera, simultaneamente, na mútua “tradução” consciente/inconsciente, articulando as dimensões racional e irracional do homem, por meio do diálogo, como condição fundamental para que se conceda a língua constituída pelo fenômeno social da interação verbal, realizada por intermédio da enunciação como afirma Bakthin (1988: 123).

No plano coletivo, traz à tona vozes marginalizadas ou silenciadas, reencenando a história através da estória, dando-lhe versões alternativas, pelo processo de desrealização e desmonte da realidade ou da ordem estabelecida, pelo recurso à linguagem da lírica e da ficção. Com isso, leva a efeito, ainda, um processo de desrecalque, trazendo à tona valores e dimensões “inconscientes”, ou “inarticulados” da cultura em sua pluralidade de visões e de referências.

No campo pedagógico, os professores-cursistas do Curso de LetrasPARFOR perceberam-se como essencialmente integrados na formação de um novo profissional para o ensino básico, como etapa inicial do processo contínuo de educação permanente. Desse modo, eles elencaram alguns princípios pedagógicos balizadores da formação docente entremeada pelo ensino e extensão:

-formação de professores sem dissociar as atividades de ensino e de extensão, entendida como processo de produção do conhecimento;

-formação de “professor investigador”, ou seja, um profissional dotado de uma postura interrogativa que tenha uma atitude de pesquisador sobre a sua própria ação docente; -formação de professores implicado teórico-metodologicamente pela e na literacia por meio da aprendizagem de conteúdos como locus da construção e desenvolvimento de competências;

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-formação de professores permeada pela ativação dessas competências em situação de sala de aula, articulando os conteúdos tanto no plano teórico como no prático, de forma a possibilitar a transposição do conhecimento específico da Língua Portuguesa no ensino fundamental e no ensino médio, com vistas à potencialização transformadora do cenário de ensinar;

-formação de professores mediante constante interligação entre os saberes propostos e as competências e habilidades demandadas para a ação-reflexão-ação dos docentes do PARFOR.

Estes campos de saberes, linguístico, literário e pedagógico, conforme estudos de pesquisadores como (Soares (1998); Kleiman (1995); Tfouni (1996); Rojo (2004); entre outros), pautados pelo processo de literacia, consideram que este se relaciona ao conjunto de práticas sociais tanto oral como escrita de uma sociedade que trata a linguagem como a elaboração de um modelo conceitual para o discurso, por permitir que este possa detectar as estruturas linguísticas que possibilitam e investigam as mudanças históricas da língua e permitem o refletir sobre as transformações das práticas pedagógicas dos professores caracterizados como letrados, posto que:

os estudos do letramento [...] partem de uma concepção de leitura e de escrita como práticas discursivas, com múltiplas funções e inseparáveis dos contextos que se desenvolvem”, por isso ser uma atividade coletiva e cooperativa “porque envolve vários participantes com diferentes saberes, que são mobilizados segundo interesses, intenções e objetivos individuais e metas comuns. (Kleiman, 2007: 2)

A metodologia utilizada nesta ação extensionista nas escolas perpassou pelos registros das histórias de vida dos professores, a partir de vários gêneros textuais, os quais possibilitaram a leitura e estudo de textos, o compartilhamento de ideias, debates, produções oral e escrita, viagens de estudo e socialização através de relatos.

Nesta perspectiva, fez-se necessário, dentro do espaço escolar, que os professores- cursistas aplicassem práticas de leituras além das que trazem os livros didáticos, de textos diferentes, como fábulas, contos, poesias, histórias, receitas, cartas, notícias, informações, músicas, filmes, que tenham significado em suas vidas, as quais atraíram o interesse dos educandos.

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No decorrer do desenvolvimento do projeto, foram feitas algumas intervenções linguísticas quanto ao tratamento da língua como ao trabalho com a literatura. Foram propostas atividades de (re)textualização de enredos, procedimentos narrativos, gêneros, linguagens, autores e métodos, para evitar a trivialização da produção textual e permitir aos leitores o acesso a outros significados, que ampliaram seus horizontes.

Desse modo, foi possível constatar a evidencia de uma práxis compartilhada que assegurou aos professores-cursistas do PARFOR uma mudança de postura didática com algumas inferências críticas.

Estas práticas satisfizeram as necessidades leitoras dos alunos e tornou prazeroso o ato de ler, uma vez que cada tipo de texto possui uma característica diferente que pode contribuir para a dinamicidade da literacia e favorecer condições que permitam aos educandos a liberdade de suas próprias compreensões e produção de significados, percebendo suas relações com o mundo que o cerca, no sentido de construir sua própria história.

E é por meio do contato contínuo com os mais diversos gêneros discursivos, a reflexão na e para a linguagem, que os indivíduos/alunos fazem uso contínuo das práticas letradas, do uso heterogêneo da linguagem, em conformidade com a proposta do letramento (Rojo (2004:56; Soares 2005:25).

Durante a execução das atividades envolvendo o processo de literacia os professores do PARFOR verificaram que a questão da chamada “leitura escolar” não significa impor uma única, possibilidade de compreensão leitora por ser altamente subjetiva e cada leitor aborda o texto baseado em sua experiência de mundo, seu conhecimento do conteúdo, seu momento existencial. Ao contrário, uma compreensão teórica do ato de literacia proporciona diferentes esferas de conhecimento relacionadas à discursividade da atividade humana.

Segundo Kleiman (1989: 151-155), as práticas mais comumente usadas em sala de aula são inibidoras do desenvolvimento da capacidade de compreensão, quais sejam:

-a leitura sem orientação prévia e sem objetivo definido;

-as práticas de leitura que visam a automatismos e não criam condições para que o educando reconstrua o sentido global do texto;

-a escolha de livros didáticos cujos textos são falhos em matéria de coerência e legibilidade;

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-as aulas centradas no ensino de vocabulário um dos objetivos mais enfatizados da leitura escolar;

-obediência a princípios metodológicos inadequados e inconsistentes como modelo de leitura;

-ausência de interação entre leitor e autor via texto;

-falta de domínio da leitura e a escrita nos seus diversos âmbitos.

Kleiman (2004: 13) destaca que “é mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto”. É importante ressaltar que a cultura em que cada sujeito está inserido, é responsável pelo resultado, bom ou ruim na compreensão e produção textual, pois no processo de construção da escrita é preciso um conjunto de habilidades, conhecimentos e comportamentos e esses fatores dependem do meio em que o sujeito está inserido.

Por este ângulo, percebe-se que a compreensão do processo de leitura depende da percepção de mundo do leitor, de suas leituras anteriores e de todo conhecimento adquirido ao longo de sua vida. Ele interage com esses conhecimentos, amplia sua compreensão e encontra sentido para o que lê, tornando-se um indivíduo letrado.

Ao analisar o significado que a linguagem oral e escrita tem para a sociedade, faz-se mister lembrar que o processo de conhecimento linguístico se dá através de vários níveis e regras, sobre o uso da língua. Segundo Soares (2009, p.69) “a leitura do ponto de vista do letramento é um conjunto de habilidades linguísticas e psicológicas que se estendem desde a habilidade de decodificar palavras escritas até a capacidade de compreender textos escritos”.

Para o sujeito atuar linguisticamente no contexto de letramento, é necessário que sejam considerados os seus conhecimentos prévios, que domine o processo de aquisição de leitura e escrita e que desenvolva essas habilidades na sociedade sabendo posicionar-se criticamente nas múltiplas esferas sociais, transformando sua vida e a de sua comunidade.

Tanto o aprendizado quanto o desenvolvimento da leitura e da escrita, ocorrem uma parte no cotidiano e outra durante as atividades planejadas de forma sistemática dentro da escola, provocando reflexões e a todo o momento esse processo se modifica e se adequa de maneira a encontrar a melhor possibilidade para a sua apropriação nas práticas sociocomunicativas. De acordo com Soares (2009):

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As competências que constituem o letramento são distribuídas de maneira contínua, cada ponto ao longo desse contínuo indicando diversos tipos e níveis de habilidades, capacidades e conhecimentos, que podem ser aplicados a diferentes tipos de material escrito. (2009: 70)

O ato de ensinar a ler e escrever é muito mais que possibilitar o simples domínio de uma língua, é fazer o sujeito perceber que a importância desses conhecimentos desencadeará sua desenvoltura nas suas práticas pessoais e sociais, propiciando sua inclusão no mundo letrado.

O espaço escolar foi o ambiente mais adequado para que o sujeito percebesse a relevância da literacia, pois nesta existem várias possibilidades, para desenvolver habilidades comunicativas, produção de textos, relacionando à vida cotidiana, ao universo social, despertando o interesse dos educadores e educandos para além dos muros da escola, tornando- se indivíduos letrados.

Com o termo letramento a leitura dos sujeitos assume as diversas propriedades de seus usos quando há uma distinção entre ler e escrever e a capacidade de fazê-lo para abranger as práticas sociais.

O letramento é avaliado e medido no contexto escolar e enfrenta situações favoráveis quando avaliada a questão de habilidades, de conhecimentos, de usos sociais e culturais da leitura e da escrita, mas também encontra situações desfavoráveis como a fragmentação do que ensinar, selecionando e dividindo em partes o que deve ser aprendido reduzindo assim no âmbito escolar o conceito de letramento. (Soares, 2009: 84)

Para Soares (2009: 80) do ponto de vista sociológico são várias as atividades de letramento em contextos sociais diferenciados, práticas que assumem determinados papéis na vida de cada grupo e de cada indivíduo. Percebe-se que o letramento está presente por toda parte, independente da cultura. No entanto, em cada espaço existem fatores diversos que interferem favorável ou desfavoravelmente no processo. É desafio da escola transformar essa linguagem em prática associada ao contexto para simultaneamente desenvolver as habilidades de leitura e escrita nas práticas sociais.

Os resultados obtidos com essas atividades desencadearam a criação de blog, portfólios, relatórios e participação dos envolvidos em congressos, simpósios e seminários na

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universidade, tornando os professores cidadãos formadores de sua atuação letrada. Desse modo, pode-se afirmar que o trabalho com literacia potencializou o caráter extensionista do PARFOR, contribuindo para o desenvolvimento de competências que propiciaram o domínio do uso de linguagens nas suas múltiplas manifestações, em termos de análise crítica e produção de discursos.

Nesta dimensão a abordagem sobre literacia no trabalho com o texto nas práticas escolares alcançou outras conotações devido ao exercício das habilidades de leitura e de escrita como maneira de interagir e de construir conhecimento no cotidiano escolar e no mundo.

Com base no conceito de que a escola é um lugar propício para integrar e socializar os educandos na perspectiva de construção do conhecimento, esses fatores não acontecem apenas dentro da sala de aula, mas em outros ambientes, em cada canto há um significado diferente, assim também como cada indivíduo presente no dia a dia acadêmico contribui, de algum modo, para o desenvolvimento das habilidades da leitura e da escrita nas práticas sociais para o crescimento dos estudantes.

Nesse cenário, o conceito de literacia foi desenvolvido durante essa experiência para expressar a capacidade de fazer da língua um potente instrumento de comunicação, de defesa de direitos, de formação de valores, de manifestação das diversas formas de pensar. O indivíduo letrado é aquele que além de alfabetizado, que codifica e decodifica signos linguísticos, é capaz de compreender e utilizar a função social da língua, ou seja, que ultrapassa o domínio do alfabético e do ortográfico e revela sua capacidade de utilização da língua para representação de comportamentos e práticas sociais através da leitura e da escrita. O processo de literacia que acontece na escola não deve ficar fechado apenas às leituras didáticas, mas estender-se à leitura de mundo, da realidade que retrata a vida de cada educando e que nem sempre os textos trazem. O texto precisa ocupar lugar de destaque no dia a dia da escola incorporando o conhecimento da literatura, pois é fundamental que todo educador tenha uma ampla visão do que é ler, para que assim possa desenvolver o prazer pela leitura e pela escrita de seus educandos, no sentido de incentivá-los a apreender conceitos, apresentar e construir informações novas, comparar pontos de vista, argumentar, levando-o a autonomia no processo de aprendizagem.

Foram observados durante este projeto que os professores-cursistas do PARFOR compreenderam a noção de literacia ao ampliar sua visão social acerca do espaço educativo e

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da sala de aula com destaque para o ensino e a aprendizagem de leitura e escrita, que precisam acontecer em situações contextualizadas e que façam sentido para os alunos, a fim de que estes possam reconhecer as estruturas linguísticas como uma atividade social exigida para sua inserção no mundo letrado.

Por se tratar de uma prática social, o processo de literacia é composto de dimensões complexas, o que requer o uso da variedade de gêneros textuais, na medida em que ressaltam a natureza social da língua em situação de produção de discursos e feixes de sentidos construídos por enunciações relevantes para o estudo da língua.

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Capítulo 4

Saberes docentes e formação de professores do PARFOR: