• Nenhum resultado encontrado

O DEVER DE MOTIVAÇÃO EM RELAÇÃO ÀS DECISÕES

CAPÍTULO 11 O PROCEDIMENTO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE COMO

11.3 O DEVER DE MOTIVAÇÃO EM RELAÇÃO ÀS DECISÕES

A motivação dos atos e das decisões administrativas pode ser caracterizada por sua intencionalidade, apresentando-se como um discurso destinado a justificar racionalmente o ato motivado. Nas palavras de Antônio Carlos de Araújo Cintra, por meio da motivação:

o agente público procura argumentar no sentido de convencer seja o particular interessado, seja a coletividade, de que aquele determinado ato administrativo tem sua razão de ser, tanto no plano da legalidade como no da oportunidade e conveniência.237

Em outras palavras: a enunciação dos motivos a respeito da emanação do ato e da decisão administrativa recebe o nome de motivação, com a exposição dos motivos pertinentes à sua edição.238

No procedimento de manifestação de interesse, há a necessidade de motivação em relação à escolha de determinados estudos e a rejeição de outros. Os interessados têm o direito dos interessados de conhecer os motivos que ensejaram a decisão a respeito da seleção de determinados estudos, em detrimento de outros que poderiam ser utilizados para estruturar a futura concessão.

O estabelecimento de critérios de avaliação de estudos, previstos nos diversos atos normativos a respeito do tema e especificados nos instrumentos de chamamento público, tem o objetivo de pautar a conduta da Administração Pública na análise da documentação que lhe for apresentada.

A avaliação deverá ser pautada pela possibilidade de os estudos serem utilizados para a consecução do interesse público subjacente à outorga, de forma a haver a necessidade de explicitação da escolha administrativa a respeito daqueles que sejam considerados mais adequados a atingir tal objetivo.

Há a necessidade de se apresentar, expressamente, as razões de fato e de direito que levaram à decisão administrativa no PMI. A motivação constitui verdadeiro requisito de

237 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Motivo e motivação do ato administrativo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1979, p. 107.

238 “A ausência de previsão expressa, na Constituição Federal ou em qualquer outro texto, não elide a exigência

de motivar, pois esta encontra respaldo na característica democrática do Estado brasileiro (art. 1º da CF), no princípio da publicidade (art. 37, caput) e, tratando-se de atuações processualizadas, na garantia do contraditório (inc. LV do art. 5º)” MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 156).

legitimidade e de validade do ato que pauta a escolha de determinados estudos em detrimento de outros. Qualquer decisão não precedida de motivação consistente, a indicar as razões pelas quais os trabalhos técnicos de determinado interessado foram selecionados ou rejeitados, padecerá de vício de ilegitimidade – sendo invalidável, portanto.239 Nesse sentido, José Anacleto Abduch Santos coloca que:

A decisão administrativa na fase interna da licitação será produzida em um contexto que conjuga conceitos jurídicos indeterminados com caráter polissêmico (de ordem jurídica ou não), disposições normativas expressas e uma pluralidade de opções fático-administrativas. A escolha da opção administrativa que melhor atenda o interesse público, dentre as diversas alternativas possíveis em face do ordenamento jurídico, exige ponderação valorativa que considere, além das disposições legais expressas, o conteúdo jurídico expressado pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. [...] A decisão administrativa, neste compasso, deve ser exarada de acordo com a ideia de bom senso, inteligência, prudência, previdência, bom juízo e cautela.240

A validade da opção administrativa realizada ao cabo do PMI estará condicionada à motivação, à demonstração de que desdobrou em consonância com os atos normativos e com o edital de chamamento que o embasaram e com aspectos indispensáveis à finalidade que se pretende atingir com a realização da concessão.

11.3.1O SUBJETIVISMO INDESEJADO

A obrigatoriedade de motivação suficiente nas decisões exaradas no procedimento de manifestação de interesse, a respeito da escolha e da rejeição dos estudos apresentados, impõe-se, sobretudo, em função da inexistência de critérios totalmente objetivos para se considerar qual deles seria o mais adequado para a consecução do interesse público subjacente à futura concessão.

As documentações entregues à Administração Pública e as contribuições feitas poderão ser, todas elas e em alguma medida, aptas a utilização para a estruturação da outorga, o que demandará o esforço de análise e da motivação a permear a escolha.

239 SANTOS, José Anacleto Abduch. As decisões administrativas na fase interna do processo licitatória. Revista

Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 18, abril/maio/junho, 2009. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 01 fev. 2014, p. 12.

240 SANTOS, José Anacleto Abduch. As decisões administrativas na fase interna do processo licitatória. Revista

Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 18, abril/maio/junho, 2009. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 01 fev. 2014, p. 10-11.

Mesmo os atos normativos a respeito do procedimento de manifestação de interesse e os instrumentos de chamamento publicados para o recebimento de projetos não trazem critérios objetivos para a decisão administrativa. O Decreto 5.977, e.g., prevê que a avaliação e a seleção dos estudos serão realizadas com base em critérios subjetivos, os quais incluem: (i) consistência das informações que subsidiaram sua realização; (ii) adoção das melhores técnicas de elaboração, segundo normas e procedimentos científicos pertinentes, utilizando, sempre que possível, equipamentos e processos recomendados pela melhor tecnologia aplicada ao setor; (iii) impacto do empreendimento no desenvolvimento socioeconômico da região e sua contribuição para a integração nacional, se aplicável; (iv) demonstração comparativa de custo e benefício do empreendimento em relação a opções funcionalmente equivalentes, se existentes.

Do mesmo modo, no Chamamento Público 01/2013, concernente ao recebimento de proposições para a modernização, otimização, expansão, operação e manutenção da infraestrutura da rede de iluminação pública do Município de São Paulo, estabeleceu-se que a avaliação dos estudos apresentados consideraria a consistência das informações que subsidiaram sua realização e a compatibilidade com técnicas previstas em normas e procedimentos científicos pertinentes, bem como sua adequação à legislação aplicável e aos benefícios de interesse público esperado.

Não há, objetivamente, critérios para pautar a decisão a respeito da consistência das informações de estudos abrangentes. Poderá haver discordâncias sobre quais técnicas serão as mais adequadas para o desenvolvimento da futura concessão. Determinado empreendimento pode trazer impactos de desenvolvimento em uma localidade, sob algumas perspectivas, que podem se mostrar diferentes das apontadas em projetos semelhantes. Os benefícios de interesse público esperado poderão ser diferentes, à luz tanto dos projetos apresentados quanto do entendimento das pessoas que realizarão a sua avaliação.

Haverá, concretamente, casos em que a Administração Pública terá condições de avaliar, objetivamente, a razoabilidade ou das informações prestadas. Haverá zonas de certa positiva e negativa a respeito das avaliações. Mas as grandes dificuldades estarão em zonas cinzentas, nas quais não se poderá definir, com clareza, quais dos estudos serão os mais aptos para pautar a futura concessão. “Em inúmeras situações, mais de uma intelecção seria razoavelmente admissível, não se podendo afirmar [...] que um entendimento divergente do que se tenha será necessariamente errado, isto é, objetivamente reputável como incorreto”.241

241 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2.ed. São Paulo:

Nesses casos, haverá um grau de subjetivismo, de discricionariedade administrativa nas avaliações que serão realizadas. O subjetivismo, contudo, não poderá ser indesejado; a discricionariedade não pode se traduzir em arbitrariedade.

Para que isso não se verifique, deverá haver a adequada motivação em todas as escolhas realizadas ao longo do procedimento de manifestação de interesse, notadamente em relação à avaliação dos estudos considerados e a sua pertinência para os objetivos perseguidos pela Administração Pública. Sem a razoável motivação, as decisões poderão ser refutadas, os atos poderão ser fulminados em sede administrativa ou judicial.

A noção de poder discricionário, apontada como verdadeira quaestio diabólica242 em meio ao Estado de Direito, permeia os atos a emanados pela Administração Pública e as atividades a serem por ela exercidas. Com o procedimento de manifestação de interesse não é diferente. Se, por um lado, o procedimento está coartado pela Lei e pelo Direito, por outro, a Administração deverá tomar decisões que não estão totalmente apontadas para um único e exclusivo sentido.

A discricionariedade pode ser conceituada como a margem de liberdade para a atuação da Administração Pública que surge quando a sua atividade, a ser adotada no caso

contestar a possibilidade de conviverem intelecções diferentes, sem que, por isto, uma delas tenha de ser havida como incorreta, desde que quaisquer delas sejam igualmente razoáveis” (Idem, p. 23).

A posição de Celso Antônio Bandeira de Mello é a mesma de Hans Joaquim Koch, citado por Mariano Bacigalupo. É de se ler os escritos do autor: “De entre los seguidores de la teoría que concibe la discrecionalidad como habilitación a la Administración para completar o integrar en sede aplicativa el supuesto de hecho imperfecto de una norma jurídico-administrativa, ha sido Hans Joaquim Koch quién más decididamente ha concluido que la aplicación de los conceptos normativos indeterminados en su zona de incertidumbre supone también el ejercicio de (verdadera) discrecionalidad. En su opinión, ello es así porque tal aplicación exige asimismo completar un requisito o elemento imperfecto del supuesto de hecho normativo. Koch llega a esta conclusión tras analizar el proceso de aplicación de dichos conceptos desde una óptica jurídico-metodológica. Según él, estos conceptos sólo ofrecen a su aplicador un criterio de aplicación (o inaplicación) en sus respectivas zonas de certeza positiva y negativa. Por el contrario, desde un punto de vista lógico-semántico los conceptos indeterminados no ofrecerían a su aplicador criterio de aplicación (o inaplicación) alguno en su zona de incertidumbre o de vaguedad, la de los candidatos neutrales del concepto (según reza la terminología analítica utilizada por Koch), por lo que sería el aplicador de la norma quien en este ámbito del concepto habría de establecer por sí mismo el criterio de su aplicación o inaplicación a fin de poder adoptar sobre su base una decisión aplicativa del mismo, bien positiva, bien negativa. Así, pues, la aplicación de un concepto normativo indeterminado en su zona de incertidumbre supondría la necesaria adopción por el órgano actuante de un criterio de aplicación del concepto (que no está contenido en la propia norma y que, por ello, no se trata sólo de deducir de la misma), igual que la aplicación de una norma que habilita discrecionalidad en la adopción o determinación de su consecuencia jurídica supone, como se dijo, la necesaria adopción por la Administración de los criterios finalmente determinantes de la aplicación o no de una consecuencia jurídica o otra. En ambos casos, sostiene que completan (en sede aplicativa) el supuesto de hecho inacabado de la norma habilitante o bien un requisito imperfecto (por indeterminado en su zona de incertidumbre) del mismo” (BACIGALUPO, Mariano. La discrecionalidad administrativa. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 188-189).

242 ZORN, Kritische Sudien zur Verwaltungsgerichtsbarkeit, publicado no Verwaltungsarchiv, II (1894), p. 82.

Apud QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. Reflexões sobre a teoria do desvio de poder em direito administrativo. Estudos de Direito Público, v. I – Dissertações. Coimbra, 1989, p. 87.

concreto, não está completamente definida no substrato normativo que a embasa.243 Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a discricionariedade pode ser conceituada como:

a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente.244

Do referido trecho, há a intelecção de que a discricionariedade pode ser conferida à Administração em 2 (dois) sentidos: tanto (i) quando a lei, expressamente, deixa margem de liberdade, no mandamento da norma, para que a Administração possa adotar mais de uma solução adequada no caso concreto, quanto (ii) nos casos em que a lei se utiliza da conceitos imprecisos, indeterminados, para pautar a atuação administrativa. Tais aspectos poderão estar contidos nos atos normativos referentes ao procedimento de manifestação de interesse e nos editais de chamamentos publicados, a ensejar a razoável motivação da Administração Pública sobre as escolhas realizadas, em contraponto à discricionariedade que as permeará.

Como a escolha será discricionária, a ausência de motivação, ou a sua realização inadequada na seleção dos estudos apresentados pelos interessados, poderá macular a decisão.

Outline

Documentos relacionados