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Abordagens teóricas: o modelo racional-burocrático e o modelo cultural

1. O Modelo Racional-Burocrático: A escola como organização burocrática

A burocracia evoca pensamentos de desentendimentos - longas filas, comportamento grosseiro dos empregados, formulários intermináveis, e passagem de um departamento para outro para completar uma tarefa simples. A burocracia foi de fato culpada de tais excessos e distorções; mas as burocracias também têm sido indispensáveis ao governo, aos militares e às ocupações profissionais por mais de um século. A crescente complexidade da organização durante os últimos estágios da Revolução Industrial rapidamente sobrecarregou a capacidade de coordenação de gerentes pessoais ou patriarcais. (Marion, 2002:32)

O sociólogo alemão Max Weber está indelevelmente associado ao desenvolvimento da teoria da burocracia. A teoria da burocracia de Weber pode ser melhor compreendida dentro do contexto mais amplo de suas propostas sociológicas. Weber escreveu que existem três tipos de autoridade:

1. Autoridade tradicional - baseada em uma crença estabelecida na santidade das tradições imemoriais e na legitimidade do exercício da autoridade sob elas.

2. Autoridade racional4 - autoridade legal - baseada na crença na "legalidade" dos padrões de

regras normativas e no direito daqueles elevados à autoridade de tais regras para emitir comandos. 3. Autoridade carismática - baseada na devoção à santidade específica e excecional, heroísmo, ou carta exemplar de uma pessoa individual, e dos padrões normativos de ordem ou ordenado por ele (Weber, 1978).

Weber argumentou que apenas a estrutura de autoridade tradicional e racional-legal é suficientemente estável para permitir a governança de longo prazo e que, embora a liderança carismática sirva para iniciar ou fortalecer uma estrutura de governança, ela deve ser substituída pela autoridade tradicional ou racional-legal.

A burocracia, segundo Weber, é a forma mais eficiente, portanto, a mais alta expressão da autoridade5 racional-legal. De acordo com Simon (1970:74), uma decisão organizativa racional orienta-

se pelos objetivos organizacionais; e uma pessoa racional orienta-se pelos objetivos individuais. A teoria

4 Para Simon (1970:73), “La racionalidade se ocupa de la elección de alternativas preferidas de acuerdo con un sistema de valores cuyas concecuencias de comportamento puedem ser valoradas”.

5 Conforme Blau e Scott (1979:41), “a autoridade deve ser distinguida de outras formas de influência social – do poder, por um lado, e da persuasão e de outras espécies de influência pessoal por outro”.

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burocrática de Weber, no entanto, não é um modelo para o controlo organizacional; antes, via-o como um "modelo ideal" ou modelo generalizado de governança. Não é "ideal" no sentido normativo; em vez disso, representa as caraterísticas mais importantes de sua solução para a necessidade de controlo eficiente de sistemas grandes e complexos. Mintzberg (1995:21) “considera como elementos fundamentais da estrutura6, a cola que aglutina as diferentes partes de uma organização”, enfatizando

que as estruturas formais7 e informais estão interligadas ao ponto de se tornarem indissolúveis. Merton

(1978:109-110), refere que a “burocracia proporciona o máximo de segurança profissional. A função da inamovibilidade, das pensões dos salários reajustáveis e das promoções regulamentadas é assegurar o desempenho leal dos deveres do cargo sem consideração de pressões estranhas”. A principal virtude da burocracia baseia-se na eficiência técnica devido à importância que da à precisão, rapidez, controlo técnico, continuidade, descrição e por suas ótimas quotas de produção. Na esteira do mesmo autor “a estrutura esta concebida para eliminar por completo as relações de tipo pessoal e as considerações emocionais (hostilidade, ansiedade, vínculos efetivos, etc.)” (Merton, 1978:109-10). Morgan (1986), na sua metáfora que considera as organizações como máquinas, passa a vê-las como organizações/empresas racionais e estruturadas para atingirem um determinado objetivo, e também todas as atividades são planificadas minuciosamente, passando deste modo a tornarem-se burocráticas, ou seja, o modo de pensar e agir tende a ser mecanicista nas organizações.

Merton (1978:110) considera que a burocracia clarifica os processos, que antes eram confusos. A burocracia implica uma separação entre “os indivíduos e os meios de produção”, tanto nas organizações privadas como nas estatais. Acrescenta ainda que “A burocracia é um tipo de administração que evita quase por completo a discussão pública dos seus procedimentos, ainda que seja possível que se critiquem seus fins”. Eisenstadt (1978:84), vê “a burocratização como expansão de esferas de atividades e poder da burocracia, seja em seu próprio interesse ou nu de alguma das suas elites”.

Richard Hall (1978), distinguiu seis dimensões da conceituação da burocracia de Weber: 1. Divisão do trabalho baseado na especialização funcional;

6 A estrutura de uma organização “é o total da soma dos meios utilizados para dividir o trabalho em tarefas distintas e em seguida assegurar a necessária coordenação entre as mesmas”. (Mintzberg, 1995:20)

7 Segundo Mintzberg (1995:29), vários estudos mostram “a supervisão direta e a estandardização” as vezes são utlizadas como “mecanismos informais para adquirir o poder” e reciprocamente, e os meios concebidos para “reforçar o ajustamento mútuo foram ulteriormente formalizados e incluídos na estrutura formal”.

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2. Uma definida hierarquia de autoridade;

3. Um sistema de normas englobando os direitos e deveres dos ocupantes de cargos; 4. Um sistema de procedimentos que ordenam a atuação no cargo;

5. Impessoalidade das relações interpessoais;

6. Promoção e seleção, segundo a competência técnica. Na perspetiva de Hall,

“Na burocracia de “tipo ideal” todas essas dimensões estariam presentes em alto grau, enquanto as organizações não burocratizadas ou simplesmente apresentariam, idealmente, baixo grau de frequência em todas as dimensões. Mais precisamente uma organização altamente burocratizada seria caraterizada por uma complexa divisão do trabalho, uma estrutura hierárquica multigraduada e rigorosamente observada; normas extensivas de controlo da atuação no trabalho; normas de trabalho bem desenvolvidas e sistematicamente observadas; comportamento impessoal tanto entre os membros da organização como entre estes e não membros – orientados por normas que enfatizam o cargo e não o seu ocupante com base de interação; e a importância do êxito no desempenho das tarefas em oposição aos sentimentos como base para a promoção e salário. A organização burocrática por um lado seria caraterizada por uma pirâmide hierárquica relativamente achatada e frequentemente desprezada, uma divisão de trabalho mais simples, etc.” (Hall, 1978:33)

Para Per-Erik Ellström (2007:456), o modelo racional possui objetivos claros e compartilhados (existe um consenso na organização), e as tecnologias e processos organizacionais são transparentes/claros, isso significa que existem meios e fins bem planificados na organização para o alcance dos objetivos almejados. Concordando, Bush (2003:37) afirma que os modelos formais “assumem que as organizações são sistemas hierárquicos” nos quais os gestores usam “meios racionais para perseguir os objetivos” pré-definidos.

Weber sugeriu que a divisão do trabalho serve para compartimentar os componentes da tarefa organizacional, permitindo assim que cada um seja realizado por pessoas ou grupo com conhecimento especializado e habilidades sobre o componente dado. As responsabilidades de cada pessoa ou grupo, então, são bem definidas e claramente delineadas de outras responsabilidades. Isso reduz a possibilidade de redundância e conflito interpessoal em relação a responsabilidades e aumenta a eficiência. Além disso, cargos dentro da hierarquia têm autoridade claramente definida sobre cargos de nível inferior e,

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por sua vez, são supervisionados por cargos de nível superior claramente especificados. Como as responsabilidades e a autoridade são cuidadosamente definidas, o sistema pode ser coordenado através de regras e procedimentos, e não através de supervisão pessoal; isso permite uma operação mais eficiente e, mais uma vez, tende a embotar o conflito interpessoal. Finalmente, a nomeação é baseada na avaliação impessoal, portanto racional, do mérito.

Conforme Lima (1992:36), uma das marcas evidentes da burocratização8 das instituições de

ensino “é o monopólio da educação que o Estado hoje detém, pelo menos em termos de controlo9, foi

conquistado em boa parte ao ensino doméstico e ao ensino promovida pela igreja”, ou seja, o estado passou a controlar a educação, “através de uma administração fortemente centralizada”. O autor acrescenta para além das reformas das universidades10:

“não se pode afirmar que aqueles dois diplomas regulamentem pormenorizadamente o funcionamento das escolas. Eles concentram-se, sobretudo, em questões de acesso (de alunos e de professores), criação e localização das escolas, controlo público do ensino particular e doméstico (principalmente através de exames prévios aos professores particulares), regulamentação geral dos horários letivos mínimos, férias, procedimentos disciplinares, substituição de professores, etc) e, sobretudo, nos métodos de ensino”. (Lima,1992:37).

Para Silva (2004:70), “a burocracia mostra-nos como a política (enquanto processo de decisão e resultado disso mesmo) pode ser levada a cabo no interior da organização depois que é aprovada (revelando-se como aplicação congruente, unívoca e consensual)”. Lima (1992:56) sublinha que “do ponto de vista de uma administração da educação, tradicionalmente centralizada, a escola é mais frequentemente considerada como uma unidade elementar de um grande sistema – o sistema educativo”.

8 No caso português, várias investigações de relevo foram realizadas acerca da escola como uma organização burocrática. Cf., entre outras, as teses de doutoramento de António Manuel de Sousa Fernandes “A Centralização Burocrática do Ensino Secundário: Evolução do Sistema Educativo português durante o período liberal e republicano (1836 a 1926) ”, de João Formosinho “Educação para a passividade, para o conformismo e para a desmobilização operada pelo regime político do Estado Novo (1926-1968) ”, de Licínio C. Lima “A Escola como Organização e a Participação na Organização Escolar (1974-1988) ”, e de Eugénio Adolfo Alves da Silva “O burocrático e o político na administração Universitária: Continuidades e rupturas na gestão dos recursos humanos docentes na Universidade Agostinho Neto (Angola).

9 De acordo com Lima “A laicização do ensino constituiria o primeiro passo para a efetivação do controlo estatal sobre a educação e tal processo de controlo só poderia ser garantido através da consideração das dimensões organizacionais do processo educativo, isto é, pela implementação de um novo tipo de organização - a escola pública”. (Lima, 1992:36)

10“Alvará de 28 de Junho de 1759, que cria o equivalente ao ensino secundário e a Carta de Lei de 6 de Novembro de 1772 que institui a instrução primária oficial”. (Lima, 1992:37)

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Sendo a escola vista como organização, tem caraterísticas semelhantes a qualquer outro tipo de organizações formais:

“Objetivos, poder, estruturas, tecnologias, etc., - de ser uma unidade socialmente construída para obtenção de certas finalidades, e de acentuar os processos de controlo, a especialização e a divisão social e técnica do trabalho, entre outros aspetos, não parece possível ir muito mais além no seu estudo, nem ultrapassar o enunciado de generalidades, ou até de imagens estereotipadas, sem remeter esta questão para o quadro de modelos teóricos de análise”. (Lima, 1992:57)

Silva (2004:66) salienta que “a burocracia consegue gerar estabilidade, previsibilidade e eficiência por força de normas e dos controlos fazendo com que a ação organizacional decorra supostamente segundo os padrões normativos e as regras legais estabelecidas”. Na mesma esteira Lima (1992:66; itálico no original) “acentua a importância das normas abstratas e das estruturas formais, os processos de planeamento e de tomada de decisões, a consistência dos objetivos e das tecnologias, a estabilidade, o consenso e o carater preditivo das ações organizacionais”. O autor refere ainda que

“O estudo da escola como organização burocrática tende, assim, a transferir para a escola dimensões caraterísticas das organizações burocráticas, desde a rigidez, passando pela delegação de autoridade, a departamentalização e a especialização, até aos desenhos mínimos aceitáveis, consagrados por regras universais e abstratas, considerando muito menos, ou mesmo não considerando, a importância dos conflitos organizacionais, a definição problemática dos objetivos, as dificuldades impostas por uma tecnologia ambígua e as estruturas informais”. (Lima, 1992:70)

Para Silva (2004:60) o modelo racional-burocrático “destaca o lado formal e que mostra a faceta oficial da organização através de um organigrama”. No mesmo sentido, Lima refere que

“Em Portugal, a tradicional centralização política e administrativa e o correspondente controlo político administrativo da escola, sem tradição de autonomia, configuram um centralismo educativo comandado por um aparelho administrativo central (o Ministério de Educação) que todos atacam (e que a ninguém parece agradar), mas que resiste obstinadamente mesmo aos propósitos reformistas dos seus responsáveis políticos. É, neste sentido, uma imagem do poder da burocracia, capaz de contrariar o poder político democrático e de se eximir, aparentemente, aos cursos da decisão política”. (Lima, 1992:149)

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O mesmo autor (Lima, 1992:165) acrescenta que na administração centralizada do sistema de ensino, toda a legislação é produzida fora do contexto escolar, “[...] pelos órgãos com poderes legislativos, mas com um sentido mais amplo que inclui a administração”, sustentando que

“Do ponto de vista racional-legal, nas escolas opera-se por referência a estas orientações normativas; um problema é resolvido a partir do momento em que lhe é conferida solução formal; um órgão existe a partir do momento em que é juridicamente previsto e normativamente criado, etc., existe uma separação nítida entre a concepção e a execução, entre os superiores e os subordinados e, neste sentido, quanto mais as políticas educativas são decididas e promulgadas a nível central, mais uma conceção burocrática da escola tenderá a predominar. De modo semelhante, é de admitir que quanto mais os interessados (associações, grupos, indivíduos) reclamarem por medidas concretas junto dos poderes centrais, mais centralizadora se tornará a administração” (Lima, 1992:165)

A escola “constituirá um locus de reprodução de regras formais, uma instância (hétero) organizada para a reprodução normativa”. (Lima, 1992:166; itálico no original)

Para Costa (1996), entre os indicadores mais significativos da imagem burocrática da escola, apontam-se os seguintes:

“Centralização das decisões nos órgãos de cúpula dos ministérios de educação, traduzida na ausência de autonomia das escolas e no desenvolvimento de cadeias administrativas hierárquicas; Regulamentação pormenorizada de todas as atividades a partir de uma rigorosa e compartimentada divisão do trabalho; Previsibilidade de funcionamento com base numa planificação minuciosa da organização; Formalização, hierarquização e centralização da estrutura organizacional dos estabelecimentos de ensino (modelo piramidal); Obsessão pelos documentos escritos (duplicação, certificação, arquivomania); Atuação rotineira (comportamento estandardizados) com base no cumprimento de normas escritas e estáveis; Uniformidade e impessoalidade nas relações humanas; Pedagogia uniforme: a mesma organização pedagógica, os mesmos conteúdos disciplinares, as mesmas metodologias para todas as situações; Conceção burocrática da função docente”. (Costa,1996:39; itálico no original).

Lima e Fernandes (1992), nas suas teses de doutoramento, destacam algumas caraterísticas das escolas como organizações burocráticas: centralização do sistema educativo, forte legislação

(regulamentação), produção e reprodução de regras, normatização,

compartamentalização/departamentalização, hierarquização, formalização, uniformização, etc. Na mesma esteira, Silva (2004), destaca: legalidade, hierarquia, impessoalidade e especialização.

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