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4.4. Roteiro para análise de orçamento e lógicas institucionais

4.4.1. O orçamento como atributo de capacidade institucional

Diante do modelo conceitual de análise e do método de avaliação de efetividade potencial, esta seção detalha um dos atributos destacados no quadro de análise proposto e que conformam a hipótese desta pesquisa. Conforme exposto no Quadro 4, o presente estudo se concentra na influência dos atributos orçamento e lógicas institucionais na efetividade das iniciativas de inclusão digital do período 2000-2010, implantadas pelo governo federal.

Em relação ao atributo orçamento, este é aspecto fundamental quando se tem em vista que a implementação de telecentros como política pública de inclusão digital requer a mobilização coordenada de recursos de efetividade, relacionados a infraestrutura (equipamentos e conectividade à internet), conteúdos digitais (softwares e produtos digitais), recursos humanos e sua formação, e recursos sociais.

A dimensão do gasto demonstra o esforço institucional na oferta dos recursos para atendimento às necessidades envolvidas. A destinação de recursos financeiros para iniciativas de inclusão digital indica a relevância dessas ações no âmbito do governo. Por outro lado, a distribuição do gasto entre as diversas necessidades da implementação de uma política específica revela as opções dos atores institucionais responsáveis pela execução. A partir da previsão orçamentária destinada a cada componente (recursos físicos, digitais, humanos, sociais), é possível perceber a importância relativa conferida a cada um dos elementos constitutivos da efetividade.

Já a trajetória da execução orçamentária pode indicar a existência de obstáculos não previstos, dimensionados de maneira equivocada pelos formuladores ou desafios não superados na implementação. Percebe-se assim que, se a alocação de orçamento denota importância, a execução – e em especial a não execução – dos recursos financeiros traz à tona

aspectos relacionados às outras capacidades institucionais mobilizadas e aos arranjos estabelecidos entre os atores envolvidos na política. Assim, a evolução do gasto de cada iniciativa selecionada ao longo de sua trajetória para análise é um elemento de análise a ser considerado.

O roteiro para esta análise tem como ponto inicial a previsão orçamentária de recursos por parte do órgão responsável pela iniciativa. No momento de elaboração do Plano Plurianual de Aplicações (PPA) e da proposta para o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), construídos pelo Poder Executivo, cada órgão público federal apresenta e negocia suas demandas orçamentárias para o ciclo correspondente. Apesar de ser comum a expressão de que o PPA e mesmo a Lei Orçamentária Anual são peças de ficção (Oliveira, 2001), a inclusão dos recursos de uma iniciativa na previsão orçamentária é indicador de capacidade institucional do órgão responsável.

A prioridade política conferida à iniciativa pode ser identificada na manutenção da previsão de recursos ao longo da trajetória de aprovação da proposta orçamentária pelas instâncias superiores do próprio Poder Executivo, que define o montante a ser apresentado ao Congresso como proposta (PLOA), enviada ao Congresso para aprovação. Outro teste de relevância política acontece no próprio Legislativo, cujo processo orçamentário pode reduzir ou ampliar os recursos alocados para cada ação proposta pelo Poder Executivo, e também criar ações. Após a Lei Orçamentária Anual (LOA) estar aprovada pelo Congresso, os recursos ainda podem ser alvo de contingenciamento, conforme os limites estabelecidos pelo próprio Poder Executivo, de acordo com as prioridades técnicas e políticas do governo.

Além da proposta de recursos no PPA e na PLOA, outro mecanismo que pode ser utilizado na previsão orçamentária é a aprovação de emenda parlamentar. As emendas são um dos mecanismos pelos quais o Poder Legislativo participa da alocação de recursos na peça orçamentária anual, incluindo recursos conforme a sua percepção da demanda. As possibilidades de alocação desses recursos seguem regras definidas pela Comissão de Orçamento do Congresso. Comissões setoriais, bancadas partidárias, parlamentares individualmente e o próprio parlamentar relator do orçamento costumam estar aptos a propor emendas. Em caráter excepcional, o Poder Executivo também solicita ao Legislativo a inclusão de recursos caso necessários e ausentes do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA).

O orçamento aprovado e autorizado consta na Lei Orçamentária Anual (LOA) e pode ter seus limites contingenciados por Decreto do Poder Executivo. Cada órgão recebe um teto máximo de despesas para o ano e o distribui internamente, conforme suas prioridades. Com os recursos disponíveis, o órgão governamental mobiliza suas capacidades institucionais para a execução. Os programas finalísticos, tais como as iniciativas de inclusão digital, são implementados por meio de duas principais formas de execução de recursos: gastos diretos e transferências voluntárias. Os gastos diretos decorrem de contratos que seguem as regras de compras públicas, despesas com as quais o governo arca diretamente. As transferências voluntárias consistem em descentralização de recursos financeiros para que outros órgãos públicos ou organizações da sociedade civil realizem as contratações de bens e serviços necessários à execução dos objetivos.

No caso de Ministérios e suas autarquias, a execução dos recursos somente se realiza por meio do Sistema Integrado de Informação Financeira do Governo Federal (Siafi), em que são registrados a origem e o destino dos recursos. O Siafi também registra em que etapa do gasto estão os recursos: se reservados para uso (empenhados), se confirmados para uso naquela finalidade (liquidação do empenho) e se foram realmente pagos, o que depende de disponibilidade financeira do Tesouro Nacional. Nesse fluxo, uma série de procedimentos deve ser seguida, envolvendo processos licitatórios, pareceres técnicos, autorização dos gastos por dirigentes e um conjunto de normas que têm a intenção de promover impessoalidade, moralidade e transparência na execução dos recursos públicos. Tais ritos buscam garantir controle máximo sobre a destinação dos recursos, em consonância com o aspecto burocrático característico do Estado como instituição.

Como se verá no detalhamento dos procedimentos de pesquisa, os dados do Siafi e de outros sistemas, portais e relatórios produzidos periodicamente pelo governo federal permitem observar a trajetória dos recursos, incluindo muitas vezes os motivos pelos quais sua execução ocorreu de modo distinto do que havia sido planejado pelo órgão responsável pela iniciativa. Nem sempre, contudo, os registros contendo as justificativas existem ou explicam por completo a execução. Por isso, a análise da trajetória das iniciativas sob o aspecto orçamentário também deve se debruçar sobre relatórios internos produzidos pelos próprios órgãos responsáveis e informações colhidas perante os gestores responsáveis.

O roteiro de análise das capacidades institucionais relacionadas ao atributo orçamento inclui, assim, identificar a maneira como os recursos orçamentários foram executados pelas iniciativas, e relacionar esta execução aos objetivos de efetividade propostos. Percebe-se que é justamente nas relações institucionais envolvidas na execução de recursos orçamentários que se encontram os principais obstáculos para o alcance de efetividade pela política pública. As observações e análises de atores institucionais envolvidos, como se verá, são registradas em documentos públicos oficiais, permitindo a construção de análises sobre a trajetória das iniciativas relacionadas aos objetivos desta pesquisa.

A análise do orçamento permite, pois, visualizar a relação intrínseca dessa trajetória com o atributo “lógicas institucionais”, aspecto detalhado a seguir. Tais elementos se mostrarão importantes para a compreensão da influência dos atributos de capacidade institucional escolhidos na construção da efetividade da política pública de inclusão digital e de sua institucionalização.