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1.2. O debate em torno da “exclusão social”

1.2.3. Pobreza: a “exclusão social” sob o ponto de vista anglo-saxão

Nos Estados Unidos, na mesma época em que a França reforçava o conceito de “exclusão social”, foi cunhado o conceito de underclass, por William Julius Wilson, em The truly disadvantaged: The inner city, the underclass, and public policy (1987). A ideia de underclass acabou remetendo à discussão sobre pobres “bons” e “maus”, ou seja, da suposta existência de pessoas que merecem proteção social do Estado em caso de vulnerabilidade, e os que seriam “casos perdidos”.

Segundo a teoria de Wilson, os indivíduos integrantes da underclass se encontram nela por responsabilidade individual, por viverem em ambientes de características desfavoráveis, como bairros e lares degradados, ou por uma combinação destes fatores, sempre vinculados à ausência de trabalho estável. Pela enorme quantidade de indivíduos nesta situação, e o viés individual-meritocrático desta teoria explicativa, ela é criticada por pensadores como Castel e Wacquant. O próprio Wilson parece ter realizado considerações a respeito da forma como foi utilizado o conceito por discursos políticos neoliberais (Leal, 2004).

A vertente que se pauta na meritocracia do indivíduo comporta também outras abordagens, como a de Bill Jordan, em A Theory of Poverty & Social Exclusion (1996), analisada por Demo. A análise de Jordan corresponde a teorias de escolha pública (public choice), oriundas do campo da ciência política. Segundo Jordan e os autores nos quais se apoia (Olsen e Townsend), é plausível e necessário que o Estado propicie apenas igualdade de oportunidades, o que se traduz em educação básica, para que os indivíduos sejam capazes de se organizar em grupos competitivos institucionalizados, em torno principalmente de seus interesses econômicos, e assim participar dos jogos políticos e sociais. Os grupos e indivíduos mais organizados sobrevivem, enquanto perecem os que não conseguem demonstrar aos demais serem merecedores de benefício. O binômio exclusão/inclusão seria constitutivo do processo de formação de identidades associativas (grupos mutuamente excludentes), possuindo conotação positiva. Esta visão é tributária das teorias de naturalização da pobreza e das desigualdades, de matriz liberal neoclássica.

1.2.4. “Exclusões sociais”: a visão multidimensional

Alfredo Bruto da Costa (1998) participa deste debate apontando o aspecto multidimensional da exclusão social, o que torna pertinente o uso do termo “exclusões sociais” e sua aproximação às teorias dos direitos de cidadania. De acordo com esta visão, a pobreza é apenas uma das situações em que rupturas no nível das relações sociais se manifestam. Neste entendimento, exclusão remete a não ter direitos garantidos.

Pode considerar-se que o exercício pleno da cidadania implica e traduz-se no acesso a um conjunto de sistemas sociais básicos, acesso que deve entender- se como uma forma de relação. (...) Parece possível agrupar os sistemas sociais básicos nos cinco seguintes domínios: o social, o econômico, o institucional, o territorial e o das referências simbólicas (Costa, 1998, p. 14).

Conforme a construção de Costa, no domínio social, encontram-se as relações em que uma pessoa está inserida, sejam grupos, comunidades ou redes sociais imediatos (família, vizinhança), intermediários (associações locais, clubes, amigos, comunidade cultural) e amplos (comunidade local, mercado de trabalho, aqui na condição de fator de socialização e integração, não de renda).

O domínio econômico abarcaria formas de geração de recursos (mercado de trabalho como provedor de salário, provimentos oriundos de sistemas de seguridade social, ativos de propriedade do indivíduo), o mercado de bens e serviços (conjunto de mercadorias necessárias à sobrevivência, além do crédito como mercadoria) e o sistema de poupança.

O domínio institucional seria formado por dois tipos de sistemas: os sistemas prestadores de serviços (providos pelo poder público, ainda que possam se encontrar parcialmente disponíveis no mercado de bens e serviços), o sistema burocrático e as instituições vinculadas à participação política. Neste domínio, incluem-se sistemas e serviços constitutivos da Política Social, tais como educação, saúde, justiça e moradia.

O domínio territorial, segundo Costa, é recente, fruto do reconhecimento de que existem situações de exclusão pertinentes a todo um território, tais como os bairros degradados. Nestes lugares, há necessidade de medidas para melhoria do conjunto do espaço, incluindo habitação, equipamentos sociais, atividades econômicas. Pode-se ampliar esta conceituação aos “bolsões de pobreza” dentro dos países, e até a países inteiros, apartados das

condições de progresso do resto do mundo. As migrações fazem parte do domínio territorial, podendo se referir à situação interna entre regiões de um mesmo país (por exemplo, zona rural/zona urbana), e a deslocamentos populacionais entre países (como entre ex-colônias e países europeus).

O quinto e último domínio seria o das referências simbólicas, relacionado aos aspectos subjetivos da exclusão. Identidade social, autoestima, autoconfiança, perspectiva de futuro, iniciativa, motivação e sentido de pertencimento à sociedade estão entre os aspectos constituintes deste domínio, especialmente presente na escola francesa de análise da exclusão social.

Costa ressalta a constante sobreposição entre os cinco diferentes domínios, uma vez que os sistemas sociais básicos são interdependentes uns dos outros. Também destaca a possibilidade de haver diferentes níveis de acesso aos sistemas, mais ou menos satisfatórios, configurando graus diversos de exclusão. O autor aceita, ainda, a teoria de Castel, que vê o fenômeno de ruptura dos laços sociais como um processo. Por outro lado, Costa acredita superar, em sua análise, a escola francesa, ao considerar que os laços sociais constituem apenas um dos múltiplos domínios em que vivem os indivíduos e que contribuem para a situação de desfiliação.