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1.6. Efetividade da inclusão digital e políticas públicas

1.6.2. Telecentros como estratégia de política pública para a inclusão

Como pontuado neste Capítulo, a partir da década de 1980, a disseminação global de bens e serviços relacionados a TICs realizou-se fortemente como expansão de mercado. As políticas governamentais tiveram como foco empresas, gestão eficiente do Estado, escolas e acesso doméstico. Para atender à parcela da população sem recursos para a aquisição individual das TICs, Estado, mercado e sociedade apostaram em iniciativas de inclusão digital. As primeiras experiências foram cabines públicas, telecottages e centros de (tele)comunicações. Promovidas principalmente por organizações da sociedade civil ou como microempreendimentos, não possuíam, naquele momento inicial, perspectiva de continuidade e princípio de universalidade claro.

Entre os modelos e conceitos que estes espaços de uso público assumiram, notam-se: a) o de oferta de serviços, baseado na noção de inclusão digital como acesso a infraestrutura; b) o de oferta de cursos, que relaciona inclusão digital à chamada alfabetização digital; e c) projetos de desenvolvimento local com TICs, que veem a inclusão digital como ferramenta para a cidadania. Estas dinâmicas também podem coexistir em um mesmo espaço. Um exemplo de iniciativa pioneira focada nas três vertentes é a Playing to Win Network, criada em 1983 no bairro do Harlem, em Nova York (Assumpção, 2001).

Ao longo dos anos, projetos e programas, públicos e privados, consolidaram formas institucionais de implementação e manutenção de diferentes tipos de espaço e sob diferentes concepções. Parte das iniciativas foi aberta como serviço público (oferecido em espaços mantidos pelo Estado); outras, como serviço estritamente privado (em espaços comerciais); e outras ainda, em espaços comunitários, sem finalidade comercial. A restrição da nomenclatura

“telecentros” aos espaços públicos e comunitários, sem fins lucrativos, é característica do Brasil e de alguns outros países, havendo outros em que esse nome também comporta os espaços comerciais, aqui mais comumente chamados de lan houses e cibercafés.

Os projetos de telecentros também diferiram quanto ao público a ser atendido nos espaços: toda a população (atendimento universal), apenas os moradores de determinada localidade (comunidade do entorno), públicos específicos (jovens, terceira idade, grupos raciais, mulheres) ou somente aqueles aptos ao usufruto de serviços específicos oferecidos no local (estudantes, associados, pacientes).

Outro aspecto diferenciador foi a cobrança ou não pelo uso dos recursos tecnológicos disponíveis no espaço. A maior parte dos projetos públicos constituiu-se para oferecer o atendimento nos telecentros como serviço gratuito. As iniciativas comerciais em geral estipularam cobrança por tempo de uso (horas de acesso à internet, por exemplo), tipo de recurso utilizado (ex.: impressão) e/ou atividade realizada (ex.: cursos). Já as iniciativas comunitárias variaram entre a gratuidade, a cobrança direta ou formas associativas de arrecadação de recursos (ex.: uso de fundos coletivos oriundos de mensalidade paga por associados).

Por fim, o escopo e a variedade de atividades oferecidas nos espaços também variaram entre as iniciativas, comumente abrangendo cursos de alfabetização digital, uso livre dos computadores e internet pelos frequentadores, cursos avançados relacionados às TICs ou de educação à distância, e/ou projetos que utilizam as TICs para fins coletivos (manutenção de sites da comunidade, produção e difusão de materiais audiovisuais, rádio comunitária, entre outros).

A composição destes diferentes aspectos conformou dinâmicas de implantação e funcionamento de telecentros, infocentros, centros multimídia e outras denominações para este tipo de espaço, bastante heterogêneas entre países e dentro de um mesmo país, conforme demonstra a bibliografia do tema (Badshah, Khan e Garrido, 2005; Carvin e Surman, 2006; Delgadillo, Gómez e Stoll, 2002; Dias, 2003; Unesco, 2003).

As diferentes dinâmicas assumidas têm no financiamento dos telecentros um dos principais temas de debate. Quando se trata estritamente dos telecentros não comerciais, há atores na arena das políticas públicas de inclusão digital que defendem que os recursos físicos,

digitais e humanos devem ser financiados pela própria comunidade como condição para a apropriação das TICs.

Contudo, as iniciativas com escala e perenidade de política pública mais bem sucedidas se baseiam em um arranjo institucional público-comunitário, em que o poder público oferece boa parte dos recursos necessários à efetividade da inclusão digital e a comunidade local, na qual o telecentro está instalado, se envolve na definição e na execução de atividades, na gestão dos recursos instalados e nas definições sobre os próximos passos.

Como se verá na apresentação das iniciativas desenvolvidas pelo poder público federal entre 2000 e 2010, conflitos e consensos de visões quanto a este aspecto estiveram presentes nas dinâmicas implementadas, com diferentes desdobramentos em termos de efetividade potencial e institucionalização.

Destaca-se, por fim, que os telecentros são implantados em localidades com contexto, história, características e dinâmicas próprias, que certamente influenciam a implementação desta política pública, assim como de qualquer outra de base territorial. Portanto, são necessários arranjos institucionais entre diferentes níveis e esferas de governo e, principalmente, perante as comunidades para que a inclusão digital se efetive a partir de telecentros.

Percebe-se, portanto, que a efetividade da inclusão digital está relacionada a um conjunto de aspectos institucionais que se compõem sob diferentes dinâmicas. Para a construção do modelo conceitual de análise das iniciativas públicas federais de disseminação de espaços de inclusão digital caracterizados como telecentros, é necessário conhecer abordagens teóricas relacionadas a capacidades institucionais e políticas públicas. Esta contribuição é apresentada no Capítulo a seguir.

2 – Análise de políticas públicas, instituições e inclusão digital

Esta parte do marco conceitual aborda os conceitos e categorias necessários à análise da efetividade potencial e da trajetória das iniciativas de implantação de telecentros em relação aos aspectos institucionais. Tal escolha não significa desconectar da análise as ideias e interesses em disputa. Esses elementos são também fundamentais ao estudo das políticas públicas, como se verá no presente capítulo. Contudo, o recorte priorizado será o institucional.

O capítulo apresenta, inicialmente, considerações a respeito da análise de políticas públicas e da atuação do Estado. Em seguida, aborda contribuições teóricas necessárias à ênfase que a tese pretende conferir aos aspectos institucionais relacionados à efetividade potencial dos desenhos e à implementação das iniciativas de inclusão digital. Apresenta, ainda, definições para as capacidades institucionais que servirão de parâmetro para a análise das iniciativas destacadas para análise no capítulo seguinte.

Por fim, o Capítulo trata dos elementos necessários para a análise da política pública de inclusão digital. São apresentadas abordagens teóricas sobre os recursos necessários à inclusão digital e problematizados os aspectos fundamentais à sua efetividade.