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O processo de desenvolvimento (pessoas e competências)

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3 O processo de desenvolvimento (pessoas e competências)

O sistema ou modelo de gestão de pessoas se articula em torno de processos11 que contêm as diversas funções de RH. As formas como os autores estruturam o sistema apresentam variações, porém, de um modo geral, convergem na direção do modelo proposto por Dutra (2002): processo de movimentação, que abrange as funções de captação, internalização, transferência, promoções, expatriação e recolocação de pessoas; processo de

desenvolvimento, que contempla as funções de capacitação, administração de carreira e

avaliação de desempenho; e processo de valorização, que reúne as funções de remuneração, premiação e serviços e/ou facilidades.

Por não atender ao escopo deste estudo, os processos de movimentação e valorização não serão aqui discutidos. A abordagem explorada neste tópico enfatizará o processo de desenvolvimento e, na sua abrangência, será dado destaque à função de capacitação, por

10 Fischer (2002, p. 12-13) define modelo de gestão de pessoas como “a maneira pela qual a empresa se organiza

para gerenciar e orientar o comportamento humano no trabalho”. Implica definir princípios, estratégias, políticas e processos de RH. Quando o modelo é estrategicamente orientado, sua função principal “consiste em identificar padrões de comportamento coerentes com os negócios da organização”.

11 Em Administração, um processo é representado por um conjunto de funções e/ou atividades que interagem

para atingir uma finalidade específica e que podem repetir-se segundo padrões de resultados previamente definidos. Um processo pode ser induzido, inibido ou aprimorado em função das saídas e/ou dos resultados que se pretende obter. Nesse sentido, na área de gestão de pessoas, os processos configuram cursos de ação estabelecidos previamente e que são operados por ferramentas de gestão que pressupõem procedimentos específicos, e constituindo os elementos mais visíveis do modelo de gestão de pessoas. A literatura especializada tem atribuído a eles maior ênfase (DUTRA, 2002; FISCHER, 2002).

abrigar, em seu domínio, as ações empreendidas pela educação corporativa para o desenvolvimento das competências individuais, que constituem o núcleo central da pesquisa. Tradicionalmente, no âmbito da gestão de pessoas, os termos desenvolvimento e treinamento têm sido utilizados de maneira associada e tendem a combinar-se na expressão “Treinamento e Desenvolvimento – T&D”. Muitos autores consideram o treinamento como focalizado e orientado para as ações que objetivam o desempenho de curto prazo, enquanto o desenvolvimento está mais direcionado para ampliar as habilidades e experiências dos indivíduos para futuras responsabilidades, portanto, sem relação direta com um trabalho específico. Nesse sentido, o termo desenvolvimento ganhou uma relevância maior quando associado ao treinamento de gerentes, daí porque a expressão “desenvolvimento gerencial” foi largamente difundida (BOHLANDER et al., 2003; NADLER, 1984).

Werther e Davis (1983) argumentam que, embora o treinamento procure aprimorar o desempenho do empregado no cargo que ocupa, os benefícios podem estender-se ao longo da sua carreira, ajudando-o a desenvolver-se para assumir responsabilidades futuras. Para esses autores, portanto, a distinção entre treinamento e desenvolvimento não é clara. Na prática, o que se inicia como treinamento, em geral, resulta no desenvolvimento da pessoa, uma vez que ela finda por se tornar um trabalhador ou um líder que agrega maior valor para a organização. Com o aumento da complexidade e da mutabilidade do ambiente de negócios, as empresas inovadoras e competitivas passaram a investir mais no desenvolvimento (e não só no treinamento) dos seus colaboradores, com o intuito de gerenciar melhor as mudanças atuais e futuras e adaptar-se mais rapidamente às condições e exigências dos mercados. O processo de desenvolvimento teve sua abrangência ampliada e ganhou maior importância no contexto da gestão de pessoas. As demais funções do sistema, a rigor, passaram a ser por ele balizadas. Fischer (1998, p. 166), em pesquisa que teve por objetivo a construção de um modelo competitivo de gestão de pessoas, no Brasil, identificou que o modelo que vem se instalando nas empresas, a partir da década de 1990, “[...] tem como foco prioritário o desenvolvimento das pessoas e procura vincular ao máximo o desempenho no trabalho aos resultados do negócio”. O autor aponta que, nesse novo contexto, o processo de desenvolvimento passou a assumir dois papéis principais: um aplicado às pessoas e outro, à organização. Quanto às pessoas, o objetivo é estimulá-las a investir no seu autodesenvolvimento, conscientizá-las das

suas necessidades de conhecimento e aprendizagem, disponibilizar informações e democratizar o acesso às fontes de desenvolvimento disponíveis. Para esse autor, o ponto- chave nessa questão é que a iniciativa pelo desenvolvimento profissional e pessoal deve resultar da responsabilidade compartilhada entre a organização e as pessoas.

No que se refere à organização, o processo de desenvolvimento tem por função principal criar condições propícias à produção de conhecimento no espaço da empresa e facilitar o processo de aprendizagem organizacional. Para tanto, deve-se estimular a criação de uma cultura de aprendizagem contínua, que valorize os mecanismos de circulação do conhecimento, da avaliação de desempenho e de potencial, dos programas de melhoria contínua e inovação, além do planejamento, do aconselhamento e da gestão de carreiras.

Nessa mesma perspectiva, Dutra (2002, p. 17) ressalta que é preciso pensar o desenvolvimento em função dos papéis exercidos pelas organizações e pelas pessoas na relação de troca estabelecida entre ambas. A conciliação de expectativas deve resultar do compartilhamento de responsabilidades, cabendo à pessoa exercer um papel ativo na construção do seu projeto de desenvolvimento profissional e pessoal. À empresa compete criar as condições para que as pessoas possam entregar “o que têm de melhor, ao mesmo tempo em que recebem o que a empresa tem de melhor a oferecer-lhes”.

Ao considerar que a pessoa deve exercer um papel central na dinâmica da sua relação com a empresa, Dutra (2002) propõe que se incorpore à gestão de pessoas a visão do desenvolvimento humano, que implica a criação de uma cultura de aprendizagem continuada, centrada no comprometimento mútuo, na gestão participativa e na busca de renovações contínuas. Pressupõe, também, focar a dimensão da pessoa, ou seja, não reduzir o empregado a um cargo ou posição na estrutura organizacional, mas considerá-lo em sua individualidade e gerenciá-lo no contexto diverso e plural da organização e da sociedade.

Para atribuir à visão de desenvolvimento humano uma característica mais instrumental na gestão de pessoas, o autor reforça a importância de recorrer à noção de competência. De um lado, posiciona-se a organização com o seu portfólio de competências e, do outro, as pessoas com as competências que lhe são próprias e que podem ou não ser aproveitadas pela empresa. Como conciliar essa relação de troca, de modo a agregar valor para ambas as partes, configura um desafio a ser superado pela gestão de pessoas.

A utilização do conceito de competência para dar foco às ações de desenvolvimento pressupõe que a noção de cargo deixa de constituir a referência principal para as políticas e práticas de RH12. O conceito de cargo que, durante muito tempo, constituiu a referência principal para todas as funções de RH, tem se mostrado inadequado, sobretudo nas organizações que convivem com elevado índice de mudança e que se organizam em torno de estruturas multifuncionais, em rede, células de trabalho, matriciais por projeto, entre outras. Essa dinâmica organizacional exige novas formas de organização do trabalho (metas, resultados, responsabilidade e multifuncionalidade) e novos instrumentos de gestão centrados nas competências das pessoas, que não podem ser baseados, unicamente, na descrição normativa de um padrão funcional previamente estabelecido e controlado pela empresa (FISCHER, 1998).

Esse novo posicionamento implicou, também, o questionamento da forma como são conduzidos os programas tradicionais de treinamento que, geralmente, visam capacitar os empregados para tarefas e cargos específicos, sem uma vinculação mais estreita com as competências individuais dos empregados e com as estratégias de negócios.

Ao ressaltar a importância de focar as ações de desenvolvimento nas competências individuais, Dutra (2002) aponta que, da relação que se estabelece entre a organização e a pessoa, resulta um processo contínuo de troca de competências. De um lado, a empresa transfere para os empregados conhecimentos e informações, aprimorando suas competências e elevando seu potencial de crescimento profissional e pessoal. Do outro, as pessoas, ao desenvolverem suas competências individuais, transferem para a empresa seu aprendizado, agregando valor.

O resultado desse processo é que os conhecimentos, habilidades e comportamentos das pessoas são convertidos em competências entregues para a organização. A agregação de valor para a organização ocorre como resultado das competências entregues pelos colaboradores.

12 As políticas de RH constituem os princípios e diretrizes que orientam as decisões associadas à relação que se

estabelece entre as pessoas e a organização. As práticas de RH configuram os procedimentos, métodos e técnicas que a empresa utiliza para implementar as decisões e orientar as ações tanto no âmbito interno da organização quanto na sua relação com o contexto externo (DUTRA, 2002).

O desenvolvimento das competências individuais, portanto, está associado ao aumento da capacidade da pessoa de agregar valor para a organização. Quanto maior for a competência do empregado para lidar com atribuições e responsabilidades de maior complexidade, maior será também a sua capacidade de agregação de valor.

Cabe à empresa identificar as competências individuais necessárias à viabilização das estratégias de negócios e orientar os programas de capacitação para o desenvolvimento dessas competências.

Segundo Dutra (2002), esses programas incluem as ações formais, estruturadas por meio de programas educacionais com conteúdos previamente definidos e metodologias didáticas apropriadas, como cursos, seminários, palestras, entre outros. Contemplam também as ações não formais, operacionalizadas a partir de atuações no próprio trabalho ou de situações vinculadas à condição profissional do empregado, tais como coordenação ou participação em projetos matriciais, estágios, tutoria, envolvimento com projetos sociais, entre outras.

Le Boterf (1994) considera que o processo de desenvolvimento de competência deve levar em conta o tipo, a função e o método para aprimorar os conhecimentos requeridos pelas competências, conforme apresentado no Quadro 1. Na primeira coluna o autor aponta os vários tipos de conhecimentos demandados pela empresa: teórico, sobre procedimentos, empírico, social e cognitivo. Em seguida, na segunda coluna, consta a função utilitária dos vários conhecimentos e, por último, na terceira, são sugeridos os métodos para desenvolvê- los.

A partir da década de 1990, os sistemas de educação corporativa, que serão discutidos mais adiante, passaram a ser utilizados como uma referência importante para o desenvolvimento das competências individuais, na medida em que, por definição, criam um ambiente de aprendizagem contínua e vinculam as ações de desenvolvimento às necessidades estratégicas da empresa. Importa agora, entretanto, ressaltar que esse novo posicionamento em relação ao processo educacional no espaço da empresa passou a ser encarado como uma ação estratégica de gestão de pessoas, indispensável à manutenção de diferenciais competitivos (MEISTER, 2005; PATON et al., 2005; EBOLI, 2004; ALLEN, 2002).

Quadro 1 - Processo de desenvolvimento de competências

TIPO FUNÇÃO COMO DESENVOLVER

Conhecimento teórico. Entendimento, interpreta-ção. Educação formal e conti-nuada. Conhecimento sobre os pro-

cedimentos. Saber como proceder.

Educação profissional e ex- periência profissional.

Conhecimento empírico. Saber como fazer. Experiência profissional.

Conhecimento social. Saber como comportar-se. Experiência social e profis- sional.

Conhecimento cognitivo.

Saber como lidar com a informação, saber como aprender.

Educação formal e conti- nuada, experiência social e profissional.

FONTE: LE BOTERF (1994) apud FLEURY E FLEURY, 2004.

A abordagem teórica que utiliza a noção de competência para dar foco às ações de desenvolvimento, em substituição ao conceito de cargo, tem ganho espaço cada vez maior na literatura especializada. No entanto, a sua operacionalização no âmbito empresarial ainda enfrenta dificuldades, seja pela heterogeneidade de enfoques no emprego da noção de competência e de suas referências principais, seja pela relutância das organizações em se desvincular dos conceitos de cargo e de T&D.

Nos próximos tópicos deste capítulo, serão explorados os conceitos de competências e de educação corporativa, que constituem o núcleo central desta pesquisa.