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A sustentabilidade social (SS), tomando-se os esforços de defini- ção de Foladori (2002), Lehtonen (2004), Labuschagne (2005) e outros, é a dimensão da sustentabilidade que enfrenta a pobreza, a desigualdade, as injustiças sociais e a exclusão, nos planos da educação, da saúde, do direito ao trabalho, da qualidade de vida e da participação nas decisões políticas e econômicas. É uma postura diante do mundo do trabalho e nas relações sociais que assegure, por vários meios, as melhores condi- ções de existência no presente, tendo em vista o futuro.

A SS enfrenta obstáculos estruturais e conjunturais que lhe difi- cultam a evolução teórica e principalmente a efetivação prática. Lélé (1991) argumenta que o movimento foi bem-sucedido nos esforços de mostrar que desenvolvimento e conservação ambiental não são mutuamente excludentes – ao contrário, é possível compatibilizar os dois objetivos. Porém, acrescenta, o DS tem sido inábil em desenvolver um conjunto de conceitos, critérios e políticas consistentes e coeren- tes. Segundo ele, a formulação mainstream de DS tem três fragilidades:

“(a) its characterization of the problems of poverty and environmental degra- dation; (b) its conceptualization of the objectives of development, sustainabi- lity and participation; and (c) the strategy it has adopted in the face of incom- plete knowledge and uncertainty” (Lélé, 1991, p. 613).4 Do ponto de vista conceitual, o autor mostra que a remoção da pobreza, sustentabilidade e participação (democracia) se tornaram os três objetivos centrais do paradigma do DS. Contudo,

4 a) sua caracterização dos problemas de pobreza e degradação ambiental; (b) sua conceituação dos objetivos do desenvolvimento, sustentabilidade e participação; e (c) a estratégia que tem sido adotada em face do conhecimento incompleto e da incerteza. Livre tradução dos autores.

[…] the concepts of sustainability and participation are poorly arti- culated, making it difficult to determine whether a particular deve- lopment project actually promotes a particular form of sustainability, or what kind of participation will lead to what kind of social (and consequently, enviromnental) outcome (Ibidem, 614). 5

No caso da SS, segundo o autor, o problema é ainda maior: trata- -se de um conceito mais nebuloso do que ‘sustentabilidade ambiental’. Lélé mostra que questões como distribuição de renda e reforma agrária são evitadas nesse debate. Sachs (2004, p. 30), indo ao encontro de Lélé, defende que reforma agrária e agricultura familiar “longe de serem meramente políticas sociais, [...] afiguram-se como alavancas impor- tantes da estratégia de desenvolvimento”.

Como consequência, a literatura, embora considere a dimensão social como parte do DS, pouco aborda o tema na profundidade neces- sária. Questões polêmicas, como as relações do modelo de produção vigente – baseado na administração flexível – com os recursos naturais e com o meio social – relações de trabalho, padrões de consumo, além da distribuição de renda e da reforma agrária – devem ser enfrentadas para que a perspectiva da sustentabilidade social possa efetivamente ser construída. São questões que encontram profundos antagonismos ao longo da história porque os objetivos dos grupos envolvidos muitas vezes são antagônicos.

Alguns desses obstáculos têm razões estruturais, que revelam a contradição entre a eficiência econômica e os objetivos da sustentabi- lidade social. Como pensar em “homogeneidade social, rendimentos justos e acesso à bens, serviços e emprego” (Lehtonen, 2004) diante do desenvolvimento científico prioritariamente destinado a reduzir custos

133 esse o objetivo do capital, quando emprega maquinaria”. O pensador alemão explica que:

[...] esse emprego, como qualquer outro desenvolvimento da força produtiva do trabalho, tem por fim baratear as mercadorias, encurtar a parte do dia de trabalho de que precisa o trabalhador para si mesmo, para ampliar a outra parte que ele dá gratuita- mente ao capitalista. A maquinaria é meio para produzir mais valia (Marx, 1985, p. 424).

As invenções não aliviaram a “labuta diária”. Realmente, é de estarrecer que se mantenha, apesar do avanço tecnológico, a jornada de oito horas, como referência padrão, o mesmo que se reivindicava no século XIX, na campanha dos ‘três 8’ - oito horas de trabalho, oito horas de lazer, oito horas de descanso - que a França pioneiramente adotou em 1919.

Como ainda observaria Marx:

[...]os trabalhadores são importantes para o mercado, enquanto compradores de mercadorias. Mas, como vendedores de sua mercadoria, a força de trabalho, a sociedade capitalista tem a tendência para rebaixá-los ao menor preço possível. [...] a venda das mercadorias [...] está porém limitada não pelas próprias necessidades de consumo da sociedade, mas pelas necessidades de consumo de uma sociedade em que a maioria é pobre e está sempre condenada à pobreza (Marx, 1980, p. 336).

Além desses aspectos estruturais, há concepções e práticas atuais que aumentam a distância entre crescimento econômico e sustentabili- dade social. O toyotismo, base técnica da administração contemporânea, acentua a redução de custos e a supressão de limites da produtividade humana. Seu criador, Taiichi Ohno, em O sistema Toyota de produção, incentiva o aumento da exploração do trabalho e o desemprego:

No sistema Toyota de produção pensamos economia em termos de redução da força de trabalho e de redução de custo. A relação

entre esses dois elementos fica mais clara se considerarmos uma política de redução da mão de obra como um meio para conse- guir redução de custo (Ohno, 1997, p. 69).

Em sua opinião, “reduzir o número de operários quer dizer que uma linha de produção ou uma máquina pode ser operada por um, dois, ou qualquer número de operários” (Ibidem, p. 124). Essa concep- ção de que não há limites humanos, em face da meta fixada, vai inspirar sua emblemática frase: “na verdade, sempre digo que a produção pode ser feita com a metade dos operários” (Ibidem).

Às concepções toyotistas, que incluem também intensa terceiri- zação, frequentemente com trabalhadores precarizados, se acrescenta a

obsolescência acelerada dos produtos, prática da administração flexível. Todos os anos acontece uma corrida pelas novas versões de celulares, aparelhos radiofônicos, eletrônicos em geral, produtos domésticos e automóveis. Os consumidores se sentem obrigados, pela imposição téc- nica ou pela compulsão, a se desfazerem de seus bens em prazos cada vez mais curtos. A obsolescência acelerada produz inovações fantásticas, mas tem trazido um incontido consumismo e todas as suas consequên- cias negativas no plano da subjetividade, com a pressão para renovar estoques domésticos e pessoais, e no plano ambiental, com demandas cada vez maiores às riquezas naturais e retornos cada vez mais volumo- sos de sucatas e rejeitos.

Esses problemas estruturais e conjunturais fazem alguns analis- tas considerarem o DS incompatível com o modo de produção capita- lista, em particular com as crises crescentes, cada vez mais restritivas ao emprego, aos “rendimentos justos” e outros indicadores de sustentabi- lidade social. Para Foladori,

135 É o que já diziam Middleton e O’keefe (2001), apontando o impro- vável da sustentabilidade social e do próprio desenvolvimento susten- tável, mantida a “desigualdade substantiva” a que se refere Mészáros (2001), ele mesmo um crítico do discurso da sustentabilidade.

Embora se tenha consagrado a compreensão de que DS depende do enfrentamento às questões sociais, à pobreza e à desigualdade, tais questões não têm encontrado a devida recepção no âmbito do DS. Isso se deve a dificuldades já apontadas por alguns autores, como Lélé (1991) – que mostramos acima – e Nascimento (2012), para quem o maior problema na definição de DS, como três dimensões, está em que se ocultam questões fundamentais, como a dimensão do poder e da política. Em suas palavras,

[...] a consequência do esquecimento da dimensão da política é uma despolitização do DS, como se contradições e conflitos de interesse não existissem mais. Como se a política não fosse neces- sária no processo de mudanças. Como se as formas de exploração violenta não fossem mais importantes, e a equidade social fosse construída por um simples diálogo entre organizações governa- mentais e multilaterais, com assessoria da sociedade civil e parti- cipação ativa do empresariado (Nascimento, 2012, p. 56).

Passados 30 anos do lançamento de Nosso futuro comum, o Credit

Suisse e o Wid World parecem dar razão aos críticos. Segundo o rela-

tório Trabalhando para poucos, divulgado pelo banco, a concentração de riqueza aumentou de 2008 a 2014, com 0,7% da população mun- dial detendo 45,2% da riqueza, enquanto 71% viviam com apenas 3%, em 2014 (Credit Suisse, 2015). Essa tendência é confirmada pelo World

Wealth & Income Database, divulgado em dezembro de 2017. Nele, o

Brasil ocupa o 1º lugar em concentração de renda, com 1% da população concentrando 27,8% da riqueza nacional, enquanto metade da popula- ção vive com apenas 12,3% (Wid.World, 2017).

Adicionalmente, Costa, autora do Relatório da Organização Internacional do Trabalho-OIT, de 2010, diz que “12,3 milhões de pes- soas no mundo sofrem as penas do trabalho forçado. No Brasil, [...] 25 mil, anualmente, são submetidas ao trabalho escravo” (OIT, 2010, p. 56).

As consultorias e as salas de aula, com reconhecidas exceções, também revelam pouca consideração com a sustentabilidade social, pre- dominando o pragmatismo e a noção de que na empresa não há espaço para humanismos e sequer para direitos adquiridos.