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Problematizando o modelo de Projeto de Desenvolvimento Sustentável

A luta dos povos da floresta Amazônica até a década de 1970 era invisibilizada no panorama nacional e internacional. Somente após os anos de 1980, com a intensa articulação de um movimento agrá- rio conectado a temas ambientais, enquanto estratégia de resistência

183 alternativa para uma convivência mais harmoniosa com a natureza são levados em consideração na formulação de políticas públicas ambien- tais e agrárias.

O Estado brasileiro não abandonou sua agenda desenvolvimen- tista para a Amazônia na década de 1980. Contudo, os atingidos por essa agenda tiveram um protagonismo antes não experimentado nesse

locus. As populações indígenas tiveram assegurados direitos civis e a

definição de seu território tradicional a partir de um processo de regu- larização fundiária, através da Lei nº. 6.001/73, abandonando o velho assistencialismo messiânico do início do século XX.

No Brasil, após o evento ECO-92, houve uma demanda crescente por políticas públicas de conservação de florestas adequadas ao que se discutia em nível internacional sobre desenvolvimento sustentável, acompanhado de um investimento internacional para essa conservação particularmente na região amazônica que ainda possuía espaços natu- rais preservados de biodiversidade (Fatheuer, 1998).

Uma alternativa para o uso sustentável do território amazônico foi à criação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), que constitui um modelo de base com a gestão coletiva e cooperativista para evitar o parcelamento da terra com titulação individual. Criado a partir das ideias de conservação dos biomas brasileiros e da floresta amazônica, em particular, aliado à manutenção da atividade extrati- vista tradicional e do apoio às populações que articulem a produção e a comercialização e contribua para a preservação da biodiversidade6.

O que se verifica nos projetos implantados no Rio de Janeiro é que a valorização das diferenças constitutivas das comunidades tradi- cionais não aparece em instrumentos político-jurídicos relacionada à noção de patrimônio cultural, mas uma tentativa de uniformização e nivelamento das comunidades às diretrizes conservacionistas gerais, aliada às políticas contemporâneas de reforma agrária que visa somente

6 O INCRA edita, em 04 de novembro de 1999, a Portaria nº. 477, que além de outras disposições, destina o PDS como modalidade de interesse social e ecológico, desti- nada às populações que baseiam sua subsistência no extrativismo, na agricultura familiar e em outras atividades de baixo impacto ambiental (art. 1º), tendo por base a sustentabilidade e a promoção de qualidade de vida para os assentados.

à distribuição de terras, não ofertando satisfatoriamente infraestrutura e capacitação sociotécnica às famílias assentadas.

Algumas problematizações são necessárias para debater os inte- resses conflitivos que estão em jogo nas duas principais ideologias defendidas pelo modelo exportador do agronegócio em contraposição àquele prescrito em uma produção agroecológica e sustentável prevista nas práticas do PDS. Sendo elas: a apropriação da bandeira ambienta- lista como política pública federal, na instituição do modelo de assenta- mento conhecido como PDS, pode ser benéfica aos assentados apenas se e quando eles aceitarem se submeter a formas de ocupação produtiva em relação às quais nunca serão consultados?

Parece razoável que a reforma agrária possa ser efetivada de modo construtivo se e quando represente um pacto no qual um grupo humano precisa não apenas sobreviver para manter seu direito de per- manência na terra pela qual tiveram que lutar para revelar que o Estado estava sendo usado de modo ilegal e que apesar disso terão que aceitar que não podem usufruir ao direito de pensar e de decidir, que podem ter uma visão ambientalista positiva sem serem constrangidos legal e politicamente, para tanto e dentro de cânones definidos externamente e de modo a constranger suas práticas sem relação com a agricultura?

Por que grandes fazendeiros (ainda que com o direito de pro- priedade juridicamente questionável) e, sobretudo, aqueles que em geral estão envolvidos com monocultura em alta escala, criação de gado, ou extração de minério, que supõem elevadas proporções de desmatamento de florestas, destruição de biomas ou contaminação de fontes aquíferas importantes, raramente são questionados quanto à legalidade de seu acesso a uma quantidade indecorosa de terras, e tampouco são cobrados quanto à forma de uso que praticam, em ter-

185 Quais seriam as razões de imposição de um modelo, como o PDS, gerado a partir de uma ação coletiva que reproduz a sabedoria popu- lar e criativa como forma de construção de uma forma de organização social, que demonstra cuidado com a natureza e, precisou ter seu líder assassinado para ser publicizado, de repente se transforma em modelo impositivo e burocratizado do Estado que não adite o acontecimento social criativo de sua produção, e que transforma os “escolhidos” pelo INCRA em “inimigos” a todo momento a serem criminalizados quando tentam participar dos jogos de poder e das tomadas de decisões a res- peito das melhores alternativas para trilharem seu caminho?

Por que aqueles que irão fazer uma agricultura ecologicamente correta (à contrapelo do modelo dominante do agronegócio altamente envolvido com agrotóxicos) não são ouvidos em geral, e, por isso não chegam, mesmo que financiados pelo Estado, a ocupar um lugar rele- vante e responsável diante da sociedade?

Por que não podem eles, por serem pobres e sem-terra, vistos com subalternizados pelas elites decisoras, mas beneficiários da reforma agrária, não podem ser autores de sua própria ação alternativa e são apontados como “inimigos do Estado” se tentam brigar para serem ouvidos?

Finalmente, por que aqueles que terão a incumbência de fazer a agricultura limpa e preservacionista, sob pena de serem punidos com a perda da concessão que conquistaram, não tem permissão para serem os sujeitos que poderão trazer de sua experiência novas formas de cria- ção de sua própria estratégia de reprodução que poderiam apontar uma invenção nova e imprevisível quanto a formas de vida e de aconteci- mento na relação dos homens com a natureza?

Uma aparente dicotomia entre reforma agrária e