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Os bens do domínio público

No documento Bem comum: público e/ou privado? (páginas 74-76)

A noção de domínio público encontra na definição jurídica de univer- salidades um suporte para a atribuição de uma unidade própria a um con- junto plural de elementos. De acordo com o Código Civil, as coisas podem ser simples ou compostas, formando universalidades.7E as uni-

versalidades públicas são, segundo Marcello Caetano, os «complexos de coisas pertencentes ao mesmo sujeito de direito público e afectadas ao mesmo fim de utilidade pública que a Ordem Jurídica submete ao regime administrativo como se se tratasse de coisas públicas simples» (idem, 890).8

Daqui resulta, essencialmente, que o domínio público é constituído por um conjunto de coisas tidas pelo seu conjunto. E assim se entende que os bens dominiais são «tudo aquilo que forma objecto dos direitos de do- mínio público em sentido estrito» (Caetano 1983, 896).

Mas o que é então o domínio público? Diz-nos o autor que «domí- nio público significa quer a categoria das coisas públicas, quer os poderes da Administração sobre os bens apropriados, sobre certos espaços sujei- tos à mera soberania do Estado e, em sentido lato, sobre as próprias coi- sas particulares (servidões administrativas)» (idem), sendo composto por bens naturais e por coisas devidas à acção do homem: os primeiros for- mam o domínio público natural, os segundos o domínio público arti- ficial.

Marcello Caetano enumera o domínio público da seguinte forma: ao domínio público do Estado correspondem três domínios naturais – o do-

6Conclusão inerente à própria definição de coisa. O sentido jurídico de coisa é de- finido por Castro Mendes (1984) como: «a realidade estática e autónoma susceptível de apropriação ou destino jurídico» (164); a classificação das coisas distingue entre (i) coisas no comércio e fora do comércio; (ii) coisas corpóreas e incorpóreas; (iii) coisas móveis e imóveis; (iv) – coisas presentes e futuras. As coisas públicas são coisas fora do comércio: «é o que pode ser objecto de relações jurídicas não privadas – públicas e internacionais (citando o artigo 202.º do Código Civil, n.º 2, parte final). É o caso do domínio público» (169).

7Artigo 206.º do Código Civil.

8Esta concepção foi aplicada pelo autor ao caso da lei das águas do Ultramar (Decreto n.º 35 463, de 23 de Janeiro de 1946).

Do bem comum aos bens públicos: uma visão jurídica

mínio hídrico9, o domínio aéreo10e o domínio mineiro11 – e três domínios ar-

tificiais – domínio da circulação , domínio monumental, cultural e artístico, e domínio militar. Relativamente ao domínio público do Concelho e da Freguesia são identificados pelo mesmo autor: o domínio hídrico e o do- mínio da circulação. No entanto, o princípio da enumeração das coisas públicas na lei sujeita as coisas do domínio público a explicitação clara, e é na Lei Fundamental que se deve procurar essa enumeração em pri- meiro lugar.

A Constituição de 1933, no artigo 49.º, enumerava de forma directa e indirecta alguns dos bens que o integravam. De forma surpreendente, «a categoria do domínio público não apareceu na Constituição de 1976, versão inicial. Haveria então que entender que ela subsistiu apoiada, ape- nas, na legislação ordinária. A anomalia seria reparada na Revisão de 1989» (Cordeiro 2002, 49). E aí são enumerados alguns dos bens do do- mínio público (artigo 84.º): «a) As águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos; b) As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietá- rio ou superficiário; c) Os jazigos minerais, as nascentes de águas mine- romedicinais, as cavidades naturais subterrâneas existentes no subsolo, com excepção das rochas, terras comuns e outros materiais habitualmente usados na construção; d) As estradas; e) As linhas férreas nacionais; f) Outros bens como tal classificados por lei» (CRP 2003, 41). Mas para além da enumeração, determina o referido artigo 84.º que «a lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites» (idem, 42).

Mas se o domínio público é o conjunto de coisas e direitos13que

sobre elas recaem, poderá falar-se de propriedade das coisas públicas? Marcello Caetano diz-nos que sim, mas com reservas: «já que o regime 9«As águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos» (CRP, artigo 84.º).

10«As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao pro- prietário ou superficiário» (idem).

11«Os jazigos minerais, as nascentes de água mineromedicinais, as cavidades naturais subterrâneas existentes no subsolo, com excepção das rochas, terras comuns e outros ma- teriais habitualmente usados na construção» (idem).

12«Estradas, linhas férreas nacionais» (CPR, artigo 84.º).

13Marcello Caetano fala-nos em coisas e direitos, enquanto Menezes Cordeiro nos fala de coisas e poderes do Estado que sobre elas recaem (Cordeiro 2002).

jurídico de uso, fruição, disposição e defesa deste tipo de domínio é di- ferente do da propriedade privada, parece indicado fazer a construção de um outro instituto, o da propriedade pública ou administrativa» (Cae- tano 1983, 895),14que subscreve os seguintes caracteres: (i) «o sujeito do

direito é sempre uma pessoa colectiva de direito público; (ii) o direito de propriedade pública é exercido para produção do máximo de utilidade pública das coisas que formam o seu objecto, conforme a lei determinar; (iii) o uso das coisas públicas traduz-se na utilização por todos ou em be- nefício de todos; (iv) a fruição nuns casos confunde-se com o uso (é o rendimento em utilidade pública), noutros casos é independente dele e consiste na faculdade de cobrar taxas pela utilização dos bens, ou na co- lheita dos seus frutos naturais; (v) as coisas públicas são incomerciáveis como tais pelos processos de Direito privado, mas comerciáveis segundo o Direito público; (vi) relativamente a terceiros, o proprietário exerce o jus excludendi alios por meio de actos administrativos definitivos e exe - cutórios, isto é, usando a sua própria autoridade e independentemente do recurso aos tribunais» (idem, 896).

Se desta enumeração resultam algumas propriedades já apresentadas na definição de coisa pública, outras acrescentam-se-lhe, aumentando a abrangência da definição de domínio: é feita a distinção entre propósito, titular e beneficiário da propriedade pública; distingue-se fruição de uso; atribui-se um carácter de excepção na definição das possibilidades de co- mércio à coisa pública.

A distinção entre titular, propósito e beneficiário é fundamental para cla- rificar que, apesar de o titular da coisa pública ser sempre uma entidade pública, a sua utilização não é necessariamente um exclusivo da Admi- nistração. Existem situações diversas em que o uso do domínio público é feito pelos particulares, desde que esteja garantida a maximização da utilidade pública e o benefício de todos.

No documento Bem comum: público e/ou privado? (páginas 74-76)

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