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e o vislumbre do pior dos mundos possíveis: um exercício de filosofia

No documento Bem comum: público e/ou privado? (páginas 129-139)

política negativa

Para Fernando Gil

Fragmentos

A dificuldade maior de pensar a respeito do que seja o bem comum resulta de um contraste inquietante: à pertinência e à urgência do tema não corresponde qualquer clareza a respeito dos seus fundamentos e das suas possíveis fundações. Sentimo-nos, com efeito, um pouco como as «vítimas» habituais dos diálogos platónicos, cuja proximidade existencial com algumas ideias e hábitos não era acompanhada da clareza concep- tual a respeito de significados precisos e verdadeiros.

A ideia de bem comum é existencial e intuitivamente dotada de sen- tido, mas colapsamos ao tentar agarrá-la em termos conceptuais. Somos todos como as «vítimas» do logos platónico: seres falíveis, a argumentar de forma imperita, por exemplos e analogias. Exemplos são sempre, e por definição, confusos, posto que não-portadores de significados ine- quívocos: a cada um deles poder-se-á sempre opor um contra-exemplo. Entre a abstracção e a imanência dos factos, ficamos um tanto à deriva. Uma definição abstracta e olímpica de bem comum, com pretensões à universalidade, corre, já à partida, o risco de derrota e de esterilidade, diante do turbilhão da vida ordinária. Uma estratégia conceptual, por outro lado, que recuse a abstracção e tome os «dados» e a «realidade» ime- diatos – os exemplos – como ponto de partida, corre imenso risco de 06 Bem Comum Cap. 6_Layout 1 5/27/13 8:33 AM Page 129

permanecer aferrada aos factos e às suas irrecorríveis particularidade e força gravitacional e, neste sentido, perderá em capacidade analítica. Ao que parece, tal como assegurava Rousseau no seu Discurso sobre as Origens e os Fundamentos da Desigualdade, para questões dessa natureza devemos começar por «afastar todos os factos» (Rousseau 1974).

Um primeiro passo talvez possa consistir na distinção de duas moda- lidades de definição do que seja o bem comum, sustentadas respectiva- mente nas ideias de fundamento e de fundação. A distinção entre esses dois regimes cognitivos foi proposta por Fernando Gil, no seu livro seminal A Convicção (Gil 2003). Uma das muitas virtudes da obra mencionada é a de propiciar o desenvolvimento de uma abordagem sistemática a res- peito do grau de desacordo entre os filósofos políticos, desde tempos ime- moriais, a respeito do que seja o bem comum. Na verdade, tal desacordo, conatural à história da própria reflexão política, é de tal monta, que penso ser necessário dizer algo sobre ele, para que resulte de forma mais evi- dente a utilidade da distinção proposta por Fernando Gil, assim como o significado preciso dos seus termos. Devo dizer, antes de tudo, que tal aplicação dos termos de Fernando Gil corre inteiramente por minha conta e risco.

A ideia que parece ser mais adequada para lidar com o dissenso reni- tente dos filósofos está contida no termo diaphonía, introduzido pelo céptico Agripa, algures entre os séculos Ie III(d. C.), uma das figuras enig-

máticas do antigo cepticismo grego (Empiricus 1994). Diaphonía denota um tipo de litígio entre juízos e opiniões que não comporta arbitragem, posto que os contendores só reconhecem como evidente aquilo que jul- gam sê-lo nos limites das suas próprias teorias sobre o mundo. Uma pre- cisa representação pictórica da ideia de diaphonía pode ser encontrada na obra Escola de Atenas, de Rafael Sanzio, na qual aparecem Platão e Aris- tóteles no proscénio, e entre diversos filósofos gregos, no meio de uma indecidível querela filosófica.1O primeiro, apoiado no conforto axilar

do Timeu, aponta o dedo para os céus, enquanto o Estagirita porta sob o braço um exemplar de sua Ética e, com a palma da mão estendida para baixo, indica a primazia ontológica do solo sobre o qual todos estamos a pisar. A voz oculta da imagem, se houvesse, estaria a perguntar: em que consiste a realidade? Em qual domínio encontrá-la? Trata-se, com efeito,

1O fresco de Rafael, pintado a pedido do papa Júlio II, entre 1509 e 1510, teve como título original – e nada surpreendente –, segundo D. H. Fowler, o de Causarum Cognitio. O título actual – Escola de Atenas –, mais anódino e pouco metafórico, teria sido adoptado a partir do século XVII. Ver a respeito Fowler (1990, ii).

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de um conjunto de perguntas originárias e fundantes da própria espe - culação filosófica. Por isso mesmo, um domínio afectado pelas mais in- decidíveis das querelas.

As respostas fornecidas pela imagem, e sustentadas nos sistemas de ambos os pensadores, indicam a presença de um desacordo indecidível, ex- pressão que melhor traduz o significado do termo diaphonía. Qualquer tentativa de arbitragem acabará por trazer ao conflito binário a fisionomia de um desacordo a três. Se acrescentarmos um quarto árbitro, o cenário tenderá para o infinito. Claro está, pois, que na base de tal desacordo opera a premissa de que entre os contendores não há nem um conjunto comum de evidências que pudessem atestar «do exterior» a (im)pertinên- cia dos argumentos e nem tão-pouco métodos de investigação sustenta- dos em procedimentos comuns e consensuais (no léxico grego essa co- munalidade é denominada pelo estranho termo ephodous). Comunidades epistémicas, em diversos campos cognitivos, procuram reduzir o âmbito da diafonia pela definição de critérios que estabelecem tanto o que são evidências aceitáveis como métodos de aferição das teorias com relação a tais evidências (Haas 1992). Se, do ponto de vista operacional, o recurso é capaz de estabelecer regimes disciplinares a respeito do exercício do co- nhecimento, por outro lado ele não elimina a existência de diafonia entre distintas comunidades epistémicas.

Se diaphonía, segundo os cépticos, caracteriza o debate filosófico em geral, no plano da filosofia política poucas querelas são tão expressivas quanto as que se constroem em torno do tema do bem comum. Trata- -se, de modo mais incisivo e pouco filosófico, da mãe de todas as querelas, no que diz respeito ao campo específico da filosofia política. Na verdade, estamos diante de um imperativo temático que se constituiu como con- dição de existência da própria filosofia política, um saber que tem por ponto de partida o esforço de pensar o comum. Noutros termos, há uma associação e, mais do que isso, uma concomitância entre a invenção e a operação da política como modalidade de interacção humana e a conside- ração do comum como matéria de reflexão e decisão. Tal consideração do comum, de modo invariável, é exercida na perspectiva do melhor. Há, pois, dois esforços aí acumulados: o pensamento do comum articula-se com a perspectiva do melhor. Mesmo filosofias políticas assoladas pelo pessimismo e pela desistência, quando estabelecem quadros agónicos e com implicações abertamente destrutivas, fazem-no em nome de uma definição do que seja o melhor, ainda que sombria e idiossincrática.

A transformação da experiência comum em algo sobre o qual se pode pensar e agir – e de muitos modos possíveis – decorre da própria inven- 06 Bem Comum Cap. 6_Layout 1 5/27/13 8:33 AM Page 131

ção da ideia de política. Nesse aspecto, para elucidar o ponto, devemos retroceder no tempo e seguir a máxima de Giuseppe Verdi: Torniamo all’antico e sarà un progresso. É no sofista grego Antifonte, nos idos do sé- culo V(a. C.) que encontraremos a definição precisa e original do âmbito

do político, por oposição ao domínio da natureza. Este último – o universo da physis – é governado por dinâmicas inacessíveis à vontade e à acção humanas: na verdade, não há intervenção humana capaz de alterar os seus movimentos constitutivos. Hoje sabemos que um dos atributos hu- manos básicos e mais potentes é o da possibilidade de destruição da na- tureza. Mas o que o sofista parece estar a indicar é o espaço próprio das leis naturais, cuja configuração não decorre da acção humana.

Outra, contudo, é a configuração do mundo das interacções huma - nas – o domínio de nomos. Neste último, as leis decorrem das convenções e das deliberações humanas.

A oposição Nomos vs. Physis, estabelecida por Antifonte, destaca da órbita do divino e do natural um âmbito que se constitui pela presença da vontade e da acção humanas. A percepção da vida social como algo sobre o qual decisões humanas são mais do que relevantes – na verdade, são constituintes – introduz a ideia original de política: o exercício de um kratos – ou potência humana – cujo efeito é a configuração e reconfigu- ração continuada da vida social. A invenção concomitante da democracia – a inédita sobreposição entre kratos e demos – dará, ainda, sentido à de- finição espinosiana da democracia como «regime político natural», já que incorpora o conjunto dos seres dotados da capacidade de decidir sobre o bem comum, a multidão.

A descoberta/invenção da política introduz a confusão no âmbito do humano. É de duvidar, pois, da excelência automática das invenções. Mas, em todo o caso, a política passa a significar o esforço decisório e deli- berativo a respeito de questões de interesse público. O facto é que, em tal esforço, duas agendas distintas de configuração de questões de interesse público são estabelecidas. Podemos designá-las, respectivamente, como compostas por questões de primeira ordem e de questões de segunda ordem (Lessa 2007). Ao falarmos em política, portanto, ambas as questões se fazem presentes, de forma compusória.

Questões de primeira ordem dizem respeito ao que fazer e ao como fazer. Correspondem aos aspectos práticos das decisões humanas e com fre- quência são tomadas como os indicadores mais inequívocos para avalia- ção do desempenho dos decisores. Tal dimensão envolve, ainda, contex- tos paramétricos – isto é, conjuntos de normas, restrições e estruturas de oportunidades – nos quais as decisões são tomadas. Noutros termos,

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trata-se de um conjunto de objectos e fenómenos que o bom Aristóteles não hesitaria em pôr sob a jurisdição da Política, por ele definida como um saber prático (téchne), e não como um saber teórico (epistéme), vinculado à pura contemplação. Em termos correntes, tal domínio corresponde, ainda, ao campo específico da ciência política, uma modalidade de conhe- cimento cada vez mais técnica, formalizada e com pretensões à ciência exacta. Trata-se aqui de um contrato com a objectividade e com um apego à vida como ela é, para utilizarmos os termos do dramaturgo brasi- leiro Nelson Rodrigues.

Questões de segunda ordem dizem respeito ao porquê e do para quê. En- volvem, pois, questões de natureza deontológica e teleológica que, por definição, não podem ser formuladas a partir dos factos ou, o que dá no mesmo, em linguagem factual. Ao contrário, elas antecedem os próprios factos e, por vezes, configuram-nos. São regimes de crença que as insti- tuem. Enquanto as questões de primeira ordem interagem com um pa- drão de querelas que se define em torno de aspectos e alternativas visíveis, os litígios havidos no plano das questões de segunda ordem incidem sobre aspectos imateriais e não-evidentes (adelón). É nesse universo – pró- prio da filosofia política – que o princípio da diaphonía constrói o seu império. Um universo sobre o qual se aplica a observação do filósofo norte-americano Nelson Goodman: a nossa capacidade de não ver é virtual- mente ilimitada (Goodman 1997). É justamente nesse domínio que se ins- creve a querela sobre o que deve significar o bem comum. Não ver vale aqui como propriedade das distintas concepções de bem comum.

Desde os primeiros episódios dessa querela a variedade de direcções é praticamente incontável. Estamos em pleno coração da diafonía, e é mesmo a voz do céptico Agripa que parece triunfar: sobre todos os as- suntos é possível estabelecer um desacordo indecidível. No entanto, sobre tal incontável diversidade é possível sobrepor uma distinção de ordem mais compreensiva, a opor dois modos de cognição sustentados, segundo os termos sugeridos por Fernando Gil, nos princípios da funda- ção e do fundamento. Ambos serão a seguir definidos, tendo por referente a questão do bem comum. Mais do que meramente cognitivos, tais re- gimes sustentam, ainda, proposições e suposições a respeito do estado do mundo (Lessa 2008a).

O princípio da fundação supõe, a um só tempo, alteridade e presença activa do espírito. Noutros termos, estabelecer as possíveis fundações do bem comum exige um esforço de argumentação atento tanto para di- mensões genéticas como fenomenológicas. Afinal, há que contar uma história e, ao mesmo tempo, ter atenção aos fenómenos.

Alteridade, nesse caso, significa o reconhecimento, por parte de quem pretende sustentar as fundações de um argumento, da existência de algo fora do sujeito que pensa e que fala. Tal efeito de alteridade faz com que aspectos presentes na vivência histórica sejam tomados como suportes e referências para uma narrativa que localiza na experiência do mundo as suas próprias fundações. Ou seja, o argumento que procura fora de si – na experiência com o mundo e com os outros – as suas fundações releva de uma disposição anti-solipsisista.

Presença activa do espírito diz respeito ao facto de que o sujeito que for- mula um argumento segundo o modo da fundação não se limita à reco- lha passiva de fragmentos da experiência com o mundo. A dimensão ac- tiva faz-se fundamental: a história nada nos ensina per se, a não ser quando indagada activamente por quem pretende interpretar o mundo.

Nesse sentido, os estilos de conhecimento associados ao modo da fundação, a um só tempo, associam a escolha pela observação atenta às circunstâncias do mundo com a interposição de perguntas que, por sua vez, derivam de tradições intelectuais que as tornam possíveis.

Três pontos parecem resultar dessa definição do princípio da fun- dação:

• o modo de revelação de um processo baseado no princípio da fun- dação é a argumentação;

• a inteligibilidade de um processo de fundação exige uma argumen- tação capaz de estabelecer uma narrativa genética e fenomenológica; • a possibilidade de tal narrativa reside num operador de conhecimento a

um só tempo activo e atento às circunstâncias.

Vale dizer, portanto, que o argumento da fundação é, por definição, historical dependent. Ele envolve, tal como o indica Joseph Hillis Miller, actos de storytelling, narrativas e estórias sobre o mundo (Miller 1987). O seu modo de proceder, com frequência é hipotético e não exaustivo, pois vulnerável à falibilidade do sujeito e à incerteza.

O princípio da fundação exige, ainda, como condição de inteligibili- dade a ideia de tempo. O tempo, na verdade, é um requisito necessário para a plausibilidade dos argumentos a respeito da fundação: as coisas fundadas são-no na ordem do tempo; as suas origens, por outro lado, decorrem de processos ainda mais arcaicos de fundação. Em suma, a ordem do histórico torna-se inteligível e exterior ao sujeito que a observa, por ser dotada de uma propriedade que o observador supõe ser «objec- tiva» e a ele exterior: o tempo. O princípio da fundação demanda uma

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ideia de tempo exterior ao sujeito que o observa: o tempo, aqui, é a pró- pria materialidade do relato histórico.

O princípio do fundamento, ao contrário, parte de uma decisão cog- nitiva de corte autárquico. Noutros termos, o modo do fundamento dis- pensa tanto a narrativa genética como o recurso à fenomenologia. O tempo – que não o do próprio sujeito, como sede de uma temporali- dade imune à vida fenoménica – não se apresenta como dimensão rele- vante para a inteligibilidade do fundamento, posto não haver algo, fora de si mesmo, que o anteceda. Di-lo bem e claramente Fernando Gil, em A Convicção: «o fundamento implica o sem-fundo». Ao falar de funda- mento, Fernando Gil mobiliza a teologia negativa de Jacob Boehme: «o não-fundo de Deus é o absoluto ainda não revelado que aspira à sua própria revelação como fundo, isto é, fundamento» (Gil 2003, 99).

A condição necessária para o império do fundamento é a elisão dos seus antecedentes, da sua própria história. Por dispensar a argumentação genética e fenomenológica, o fundamento é index sui. Trata-se de uma en- tidade autárquica, que não procede do comércio cognitivo com o mundo. O fundamento é puro facto da razão. O fundamento depende, antes de tudo, da evidência dos princípios sobre os quais se erige. Um bom exem- plo da aplicação do modo do fundamento para o tema do bem comum pode ser encontrado no esboço feito por Thomas Jefferson, do preâmbulo da Declaração de Independência norte-americana, em 1776:

Sustentamos que estas verdades são auto-evidentes, que todos os homens foram criados iguais; que eles são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis; que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Que, para assegurar esses direitos, foram instituídos governos entre os ho- mens, derivando os seus justos poderes do consentimento dos governados.2

A auto-evidência dessas verdades releva de um fundamento autár- quico, que não retira os seus significados e as suas implicações da expe- riência histórica. É antes a própria vida do conceito que gera as suas im- plicações práticas, e não o oposto.

Autarquia e universalidade são propriedades inerentes ao fundamento. O mesmo movimento que dispensa a fundação e revela o fundamento (Grund) como não-fundo (Ungrund) – como não dotado de fundo – faz do seu conteúdo uma lei universal, uma lei de razão, posto que não re- conhece circunstâncias particulares. Assim como a experiência e as cir- 2O esboço de Jefferson, bem como as emendas, que não suprimiram a afirmação de auto-evidência, podem ser encontrados em Maier (1997) e Hunt (2005 e 2009).

cunstâncias particulares constituem os processos de fundação (e estabe- lecem a sua particularidade, pois se decorrem de uma fundação de tipo A, não possuem as particularidades inerentes aos tipos B, C,... n), o pri- mado da universalidade, presentes no modo do fundamento, resulta de um acto cognitivo de corte introspectivo e solipsista. A introspecção apa- rece, pois, ao espírito, como modo de livrá-lo das particularidades e dos acidentes do mundo fenoménico. Nessa supressão, de cariz introspectivo, da vida comum e de um mundo constituído por acidentes, o logos crê-se capaz de intuir o universal. Na passagem da intuição à fala, não se pode proceder por argumentos, já que estes são modalidades retóricas susten- tadas em exemplos, analogias e metáforas, que, como tais, só podem as- pirar a efeitos de persuasão com validade indeterminada e finita. O prin- cípio do fundamento não pode ser descrito pela argumentação. A sua forma própria de apresentação é a demonstração. O encantamento com as linguagens não-naturais – e. g., matemática e geometria – é parte cons- titutiva do princípio do fundamento.

As primeiras querelas a respeito do que pode significar o bem comum têm a marca da oposição entre fundação e fundamento. A despeito da an- tinomia inegociável, os esforços de definição do bem comum afastam- -se do princípio da idiotia, da primazia do particular. Não é por outra razão que, já na origem da reflexão política dos gregos, opera um poderoso consenso negativo: o horror ao despotismo, percebido como um regime não-político, posto que vinculado às paixões e apetites privados dos tira- nos. Dito de outro modo, a ausência de consenso a respeito do que pode vir a significar o bem comum é, em alguma medida, compensada por uma convergência a respeito da indesejabilidade do Mal Comum ou do pior dos mundos possíveis.

A sofística grega estabeleceu o padrão originário, a ser seguido por forte tradição filosófica, para argumentos sobre o bem comum, susten- tados no princípio da fundação. A descrição do sofista Antifonte a res- peito do que é específico a nomos – a lei humana – põe em cena, como potência criadora, a convenção. Actos intencionais e pactuados entre os humanos estabelecem o que é comum. Ou, ainda, definem quais são as questões de primeira e segunda ordem que acabam por constituir a agenda pública. Sabemos por outro sofista – Protágoras – algo a respeito dos agentes sobre os quais repousa a responsabilidade desses actos de fundação: trata-se de seres dotados de politiké téchne e capazes, pela deli- beração conjunta, de decidir a respeito do que é comum.

Outros sofistas podem ser aqui mobilizados. Em todos encontra- remos, diante do desafio de definir o bem comum, esforços clássicos

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