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Uma visão sociológica do bem comum

No documento Bem comum: público e/ou privado? (páginas 55-69)

As questões do bem comum têm desde logo o mérito de convocar pontos de vista disciplinarmente distintos para enfrentar um tema cien- tífica e socialmente relevante. Trata-se de uma questão que não pode ter pretensões à transdisciplinaridade, com as exigências que esta tem de construir logo à partida uma unidade temática e de harmonizar utensílios teóricos, metodológicos e técnicos, mas escapa também, pela positiva, aos meros votos piedosos, demasiado frequentes, em favor da multidis- ciplinaridade.

Do que agora se trata é de esboçar um ou outro contributo que a so- ciologia possa dar para o tema. Será, assim, mais uma tentativa de com- plemento a outras perspectivas. A análise histórica, do lugar do direito, sobre o nascimento e o desenvolvimento do direito administrativo a par- tir do século XVIIIe no quadro da Revolução Francesa, sobre as novas

formas de intervenção do Estado moderno, sobre a «invenção» de novos institutos jurídicos, constitui contributo importante para a localização do problema do bem comum na modernidade. São bem evidentes, com efeito, as implicações dessas transformações em termos do que se pensava ser e do que ia sendo o bem comum.

A afirmação da responsabilidade civil objectiva, no campo do direito, é bem o exemplo de uma transformação revolucionária que prolonga até hoje os seus efeitos. O que antes sacontecia era que a responsabilidade estava indissoluvelmente ligada à culpa. Se um operário numa fábrica sofria um acidente grave, se um peão era atropelado na rua por um veí- culo, a responsabilidade do patrão, no primeiro caso, do condutor, no segundo, apenas se verificava, em termos legais, se em relação a eles se provasse culpa directa nos resultados danosos, ou indirecta, por exemplo por negligência na manutenção das máquinas ou do veículo.

O entendimento passou a ser o de que existem actividades que pela sua própria natureza criam riscos para os outros cidadãos e que, por isso mesmo, quem as desenvolve e delas beneficia contrai desde logo obriga- ções perante a sociedade. Se essas actividades vierem a gerar danos a ter- ceiros, então esses terceiros têm o direito a indemnizações reparadoras, independentemente da culpa de quem os provocou. Claro que, se a culpa existir, poderá haver adicionalmente lugar a procedimento penal. A questão relevante, porém, é que quando se passa a dissociar a culpa da responsabilidade civil gera-se protecção adicional para os cidadãos, os quais, também eles sem culpa, ficavam antes em situações de vítimas sem ressarcimento possível.

Apelidar esse novo instituto jurídico de revolucionário não constitui exagero. Entre outros efeitos ligados à protecção acrescida dos cidadãos, já se vê que dele resultaram, por exemplo, maiores cuidados gerais com a segurança e maior recurso a entidades seguradoras. Com as crescentes preocupações ambientais a partir da segunda metade do século passado, foram por outro lado sendo afirmados princípios genéricos – como o do poluidor pagador – que tanto se aplicam, ao menos em teoria, a indiví- duos, como a empresas, como a nações.

O exemplo do surgimento do instituto jurídico da responsabilidade social objectiva serve para ilustrar um novo valor socialmente partilhado que dá consistência à preocupação mais alargada com o bem comum, bem como com a bondade e a equidade da sua defesa em sociedades cada vez mais complexas e mais densas nos seus interrelacionamentos.

Do lugar da economia, vale a pena, por seu turno, enunciar o que tal- vez se possa chamar uma teoria «intermédia» ou «auxiliar» dos bens pú- blicos e dos bens privados, sem deixar de ter em conta que uns e outros podem ter relação com o bem comum. Recorde-se que os bens públicos têm duas características essenciais: a não rivalidade, correspondendo à ideia de que o consumo por parte de uns não impede o de outros, e a não exclusão, afirmando a impossibilidade ou a indesejabilidade de afastar alguém do respectivo consumo. Por contraposição, nos bens privados ve- rifica-se rivalidade e exclusão: a escassez gera procura e oferta no mercado. Esta categorização de base abre depois para outras e mais finas divi- sões, dadas, por exemplo, pelo conceito de bem misto ou de clube. O importante, porém, é que a tipologia permite abrir questões próximas do problema do bem comum. Uma delas diz respeito à tendencial sub- provisão – mas também à eventual, embora infrequente, sobreprovisão – de bens públicos. Basta pensar nas dinâmicas da informação e do conhe- cimento, ou nos esforços de defesa da lei, ou nas dificuldades no plano

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ambiental, para facilmente se concluir por específicas insuficiências no provimento desses bens públicos em sociedades contemporâneas. O mercado revela aqui, de uma forma geral, a sua inadequação, por ino- perância dos normais incentivos que lhe servem de estímulo, mas tam- bém se verifica globalmente diminuta proficiência das políticas públicas do Estado.

Do exemplo da escassez talvez se possa então retirar uma conclusão mais ampla: é que nem os automatismos do mercado, nem as interven- ções estratégicas do Estado podem funcionar como reguladores exclusi- vos da economia e da sociedade. Haverá que recorrer, em termos com- plementares ou correctivos, a outros processos coletivos e institucionais da sociedade civil.

Questão igualmente levantada a partir da teoria dos bens públicos e privados é a do free riding ou do easy riding. A eficiência da provisão de bens públicos não deveria nunca depender apenas das iniciativas indivi- duais, também porque a racionalidade de cada pessoa poderia impeli-la a não contribuir. Ela limitar-se-ia a aproveitar, sem participação nem es- forço, as externalidades positivas das acções dos outros. O que também quer dizer que afinal sempre há almoços gratuitos...

É certo que o free riding contribui para explicar muitas distribuições socialmente minoritárias e por isso mesmo injustas, de actividades que a todos beneficiam. O problema é real. Mas é também verdade que diver- sas pesquisas da Ciência Política, da Psicologia, da Sociologia e da própria Economia têm vindo a mostrar que, apesar dos desincentivos, no plano dito «racional», se verificam contribuições alargadas em diferentes con- textos e situações. Só se pode retirar uma conclusão, que nem por parecer evidente deixa de estar frequentemente oculta na teoria, e que é a de que não existe uma racionalidade única mas várias, com determinantes de diferentes níveis. E elas nem sempre são harmoniosas entre si.

Um exemplo apenas de como se torna inadequado deduzir laços cau- sais obrigatórios entre os incentivos para o free riding e os comportamen- tos esperáveis de beneficiar simplesmente das boleias. Em sistemas elei- torais estabilizados e com a progressiva sofisticação das sondagens permitindo previsões muito aproximadas dos resultados, cada cidadão conhece a fortíssima improbabilidade de o seu voto individual decidir o que quer que seja. E no entanto ele vai, com muitos outros, dar-se ao trabalho «irracional» de votar.

Em contrapartida, são também frequentes as situações em que o exemplo não é o de participação cívica alargada de comportamentos po- sitivos, mas em que a tendência vai no sentido de reproduzir a inércia 02 Bem Comum Cap. 2.qxp_Layout 1 06/12/13 11:17 Page 57

de um indesejável estado de coisas. Exemplo típico é o das práticas am- bientais em países com algum défice cívico, onde é frequente encontra- rem-se os chamados operadores condicionais, ou seja, todos aqueles só disponíveis para alterarem os seus comportamentos de forma positiva se e quando entenderem que a maior parte dos seus concidadãos já o fez.

Samuelson afirmava que a Economia era a rainha das ciências sociais, no que estará desacompanhado entre outros por todos aqueles que con- sideram que a tentação régia ou imperial não costuma dar bons resulta- dos, pelo menos no campo científico. Além do mais, essa tentação tende a facilitar transposições mal controladas do «centro» para as «periferias». E a Sociologia ela própria nem sempre tem escapado ao desejo de auto- coroação.

E a Sociologia ela própria nem sempre tem escapado ao desejo de au- tocoroação. A corrente económica neoclássica, hoje claramente domi- nante, tem na sua raiz o princípio da racionalidade inscrito na fórmula ideal-típica do homo economicus, fórmula justamente com vocação para se transferir para outras ciências sociais através do individualismo meto- dológico. Cada indivíduo tenderia a assumir um comportamento racio- nal, consistindo em procurar obter o máximo de vantagem ou de utili- dade ao mínimo custo, ou seja, como antigamente se dizia, obedece, para comodidade própria, à «lei do menor esforço». Trata-se de um com- portamento que se supõe informado quanto às oportunidades e aos cons- trangimentos do contexto, permitindo a comparação de alternativas. A racionalidade diz respeito, então, à relação comportamental e proces- sual entre objectivos e meios accionáveis.

Várias questões se podem pôr a propósito deste ponto de vista. A pri- meira é que se a racionalidade se exprime numa articulação virtuosa entre objectivos e procedimentos, haverá que ter em conta diversas racionali- dades situacionais e transituacionais, as primeiras muito estreitamente li- gadas a uma determinada conjuntura, enquanto as segundas, por cons- tituírem orientações mais globais, são compatíveis com contextos de acção variados. Para dar um exemplo de racionalidade transituacional es- pecífica, lembre-se o caso da economia camponesa e dos comportamen- tos por ela gerados, os quais, por não obedecerem à padronização espe- rável pelos economistas clássicos, eram por eles remetidos para as trevas exteriores da irracionalidade.

Claro que ainda dentro do modelo, diversos economistas, como Ve- blen ou Keynes não deixaram de reconhecer criticamente que as decisões económicas obedecem a «racionalidades limitadas», visto ser impossível ignorar a incerteza, bem como a imperfeição da informação a que os ac-

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tores acedem. Múltiplos estudos mostraram, de resto, a «irracionalidade», por exemplo, das decisões de investidores, procurando o risco ou fugindo a ele em situações inadequadas.

Um outro problema refere-se ao que se pode chamar a teologia da «mão invisível». A ideia, com origem em Adam Smith, é a de que, em contexto de mercado, as decisões (racionais) de interesse pessoal promo- vem sempre o interesse social. O homo economicus, esse ser hiperindivi- dualista, motivado apenas pela busca de vantagens próprias, conseguiria assim o milagre de contribuir positivamente para o interesse público e o bem comum, mesmo atropelando eventualmente quem apareça no ca- minho. Valorizar este tipo de comportamentos talvez não seja muito pe- dagógico e resulta em efeitos sociais bem visíveis, em ferocidades com- petitivas autojustificadas.

Valorizar este tipo de comportamentos talvez não seja muito peda- gógico e tem efeitos sociais bem visíveis em ferocidades competitivas au- tojustificadas. Mas o que importa sublinhar é que as ciências sociais têm mostrado empiricamente e em abundância situações de tensão e de con- tradição entre interesses individuais e colectivos, designadas habitual- mente «dilemas sociais». Ou seja, a coincidência de interesses será apenas um caso particular dentro da teoria da acção.

Por outro dado, a partir da teoria dos jogos, são apresentadas situações em que a pura competição só aparentemente maximiza proveitos. O mo- delo do «dilema do prisioneiro» aplicado ao comportamento das empre- sas mostra que, sem prejuízo de se poder obter vantagem imediata na re- cusa de cooperação, todos os actores acabam por perder se essa cooperação se não efectivar. E outros exemplos, retirados do comércio internacional, vão no mesmo sentido da não coincidência forçosamente harmónica, neste caso, entre as políticas de interesse estritamente nacio- nal e as resultantes colectivas.

É evidentemente certo que, independentemente dos seus reflexos so- ciais mais positivos ou mais negativos, os comportamentos de tipo indi- vidualista não só existem como produzem por vezes efeitos de profecias que se cumprem a si próprias, de self-fullfiling prophecies. Em parte porque o espírito do tempo e as socializações específicas indicam e justificam um caminho, ele acaba mesmo por ser seguido. São conhecidas pesqui- sas, por exemplo, mostrando o maior autocentramento de estudantes de Economia, pouco disponíveis para a cooperação em jogos do tipo «di- lema do prisioneiro». Mas é também claro que a própria prevalência alar- gada e transversal do mercado nas nossas sociedades encoraja análises de custo-benefício de padrão individual.

Cabe às ciências sociais estudar os valores e os comportamentos desse tipo, bem como a tendência, embora não transversal nem universal, para o individualismo e para o free riding. Não se julgue, em todo o caso, que a teoria do homo economicus se reduz à simplicidade unidimensional das suas mais básicas e ingénuas formulações, já que diversas tentativas vão no sentido de sofisticar as análises ou até de evitar a referência explícita à teoria. Mesmo então, as suas capacidades explicativas de comporta- mentos parecem conservar-se, em todo o caso, muito limitadas.

Quando se pretende, por exemplo, dar conta desses comportamentos através do recurso quase exclusivo a motivações «extrínsecas», a prémios e castigos com origem social, ficam ignoradas outras dimensões menos utilitárias mas igualmente pertinentes que contribuem para a acção. O

homo economicus dificilmente explica a heroicidade, a solidariedade, o al-

truísmo, ou as práticas individuais e sociais comandadas pelos afectos, pelos sentimentos, pelo prazer, pela consciência cívica.

Apesar de economistas clássicos, como Mill e Pareto, terem prevenido contra utilizações fora da teoria económica, a verdade é que o postulado comportamental da maximização racional e egoísta da utilidade foi sendo adoptado por outras ciências sociais. Exemplo conhecido é a teoria do

public choice, que uma parte dos cientistas políticos julgou utilizável nas

suas próprias análises. E há mesmo quem veja na teoria da escolha racio- nal o paradigma a exportar para o conjunto das ciências sociais. Os ac- tores racionais agiriam em busca de objectivos predefinidos de interesse material, de utilidade, de lucro, de riqueza. Todos os outros objectivos possíveis podem ser descartados como não racionais (Zafirovski 1999).

Fala-se assim, abusando talvez de analogias e metáforas, do «mercado político», da «troca» e da «concorrência» políticas, com o inconveniente apenas de através dessas expressões se poder fazer passar a lógica exclusiva do cálculo custo-benefício em interesse próprio. Parece em todo o caso evidente que na análise política se devem ter em conta também o Estado, o poder, a justiça, as ideologias, os valores, tudo susceptível de convocar outras lógicas, porventura «irracionais».

De qualquer modo, seria sempre reducionista uma visão teleológica de toda a acção, determinada por objectivos exclusivamente utilitários e invariantes, ligados porventura à «natureza humana». Por muito que as ciências sociais possam ganhar com a formulação de conceitos e teorias que facilitem a comunicação entre elas, que constituam uma espécie de língua franca teórica partilhável, não será esse o caso da teoria da acção ou da escolha racional, se ela pretender constituir um modelo universal de comportamento.

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A estas perspectivas outras se contrapuseram, como era inevitável. Para dar um exemplo, recorde-se como a tradição psicanalítica chama a atenção para a coexistência e a contraditoriedade de objectivos, para in- consistências e fragmentações, para comportamentos «irracionais» deter- minados por conflitos internos com raízes em parte opacas para os pró- prios indivíduos.

Todas as ciências sociais se ocupam necessariamente, em algum mo- mento, ou mesmo de forma central, de comportamentos individuais e sociais. A Sociologia também. Felizmente houve o bom senso de nunca se deixar afirmar um homo sociologicus, até pelas boas razões epistemoló- gicas de ser ilusório dar realidade ontológica a «fatias» da realidade social como a economia ou a política, por exemplo, quando tais compartimen- tações são apenas construções analíticas das respectivas disciplinas.

Mas se houvesse uma teoria do homo sociologicus, ela serviria sobretudo para sublinhar que os valores – entendidos como sistemas de preferências duradouras funcionando como referências para a acção – são reproduzi- dos e interiorizados pela socialização. Que as socializações têm a hetero- geneidade e a diversidade correspondentes aos meios sociais em que ocor- rem, contribuindo a esse nível, não apenas para as diversidades entre os actores sociais, mas até para «desarmonias» nos próprios comportamentos das pessoas. Que, finalmente, emoções, afectos, memórias, normativida- des, em suma, tudo aquilo sem o qualificativo de razão, entra por inteiro nos determinantes do comportamento. Não sendo questionável que exis- tem constrangimentos múltiplos aos comportamentos individuais, alguns deles cristalizados por exemplo em instituições, ou na necessidade de adaptação a certos papéis sociais, ou ainda na reprodução de identidades com alguma duração temporal, a verdade é que tais constrangimentos não são nem monolíticos nem imutáveis e, sobretudo, eles não são nunca passivamente sofridos. Ou seja, os constrangimentos coexistem com as margens de manobra individuais a que chamamos liberdade.

Conceitos como o de habitus, de sistemas de disposições, de Pierre Bourdieu, procuram dar conta do enraizamento social das práticas indi- viduais e colectivas mas também, e simultaneamente, mostrar que a re- produção social nunca é uma clonagem do passado, que dela faz parte a irrupção do novo.

A análise dos valores vai ganhando importância crescente na pesquisa sociológica, com prevalência na de natureza comparativa, em particular porque se entendeu que essas dimensões simbólicas são em si mesmas reveladoras de diferenças sociais de grande relevância. Os valores reme- tem, a montante, para as dinâmicas, os procedimentos e os contextos da 02 Bem Comum Cap. 2.qxp_Layout 1 06/12/13 11:17 Page 61

sua própria inculcação e a jusante para os comportamentos que eles aju- dam a explicar e até certo ponto a prever.

Que os valores e as razões ou motivações dos comportamentos nem sempre são sempre egoístas, sob o comando estrito da vantagem indivi- dual, e também não são sempre «morais», como defende uma certa filo- sofia política é algo que não carece de demonstração.

As teorias da acção têm por isso de ser construídas sem apriorismos e reforçar-se na robustez da empiria. Talvez valha a pena dar uma ilustra- ção rápida da variedade de valores coexistentes nas nossas sociedades re- ferindo a aplicação, de dois em dois anos, a mais de vinte países europeus e a mais de 40 000 cidadãos, do European Social Survey. Trata-se de um inquérito que justamente reserva boa parte das suas questões à identifi- cação de valores e de que já estão disponíveis os resultados de diversas aplicações, a partir de 2002.

A proposta teórico-empírica que presidiu à recolha de informação sobre o sistema mais abstracto e abrangente de valores sociais foi feita por Shalom Schwartz, sob a forma de uma teoria das orientações básicas ou transituacionais dos indivíduos. E a operacionalização desses valores exigiu, naturalmente, um amplo conjunto de indicadores (Schwartz 1992; Schwarts 1999).

O modelo teórico retém dez tipos motivacionais de valores, em es- trutura circular, para representar proximidades, distâncias e oposições entre eles, mas sumariza-se em duas dimensões ortogonais. A primeira envolve a autopromoção versus a autotranscendência, remetendo para a oposição entre poder e realização, de um lado, e universalismo e bene- volência do outro. A segunda dimensão opõe a abertura à mudança ao conservadorismo. Se o segundo eixo é de compreensão imediata, em re- lação ao primeiro pode dizer-se que expressa o contraste entre autocen- tramento de interesses e formas de sociocentramento.

A aplicação de 2002 a cerca de 40 000 europeus confirmou a respectiva distribuição diferencial pelos eixos retidos. Aludindo apenas a resultados dessa distribuição, verificou-se, por exemplo, que são genericamente os países escandinavos que mais se situam do lado da autotranscendência. Em termos de classes sociais, são os empresários, os dirigentes e os profis- sionais liberais que mais escolhem o pólo da autopromoção.

O que importa uma vez mais sublinhar, no entanto, é que os valores e as orientações dos indivíduos estão longe de se reduzir à busca siste- mática de vantagens estritamente pessoais. Os indivíduos são seres refle- xivos e as suas orientações genéricas têm também de ser cruzadas com

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