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Os contos: um auxílio para o crescimento das crianças

I. 1.1 1.Literatura Tradicional de Transmissão Oral

I.2. A criança e o conto

I.2.1. Os contos: um auxílio para o crescimento das crianças

Para que possamos viver em plenitude e equilíbrio, torna-se necessário que encontremos um sentido para as nossas vidas, desde a mais tenra idade (Santos

2002: 116).

Desde muito cedo que as crianças começam, no seu íntimo, a procura de um sentido para a vida. Porém, esta aquisição surge de uma forma lenta, “numa construção sempre elaborada a partir de aprendizagens efectuadas” (Santos 2002:116)

Como toda a literatura, os contos transportam valores e crenças intemporais que auxiliam no processo de crescimento/descoberta da criança de uma forma positiva, pois, ao mesmo tempo que a distrai e lhe desperta curiosidade, “carregam baterias de auto-estima do ego” (Traça 1992:33). Desta forma, este tipo de textos age sobre as suas emoções, mas com o intuito de os instruir.

Não podemos esquecer que a imaginação é um bem essencial a todo o ser humano e é durante a infância que ela é mais activa. É preciso fomentá-la, na medida em que, como explica Veloso, “para que a imaginação não cristalize é necessário estimulá-la; as histórias que se contam às crianças (…) vão ser a energia necessária para alimentar a imaginação, já que não se imagina a partir do nada” (Veloso 2001:24). Ainda a este respeito, Bettelheim defende que uma história para enriquecer a vida de uma criança

tem de estimular a sua imaginação; tem de ajudá-la a desenvolver o seu intelecto e esclarecer as suas emoções; tem de estar sintonizada com as suas angústias e as suas aspirações; tem de reconhecer plenamente as suas dificuldades e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a perturbam. Em suma, precisa de estar simultaneamente relacionada com todos os aspectos da sua personalidade (Bettelheim 1998:11).

Assim, dependendo da forma como o seu imaginário é ou não “alimentado”, cada criança possuirá as respostas que procura, mas também um conhecimento mais alargado de aspectos sociais e afectivos que a ajudarão a encontrar a razão de viver.

Os contos oferecem um importante contributo para o desenvolvimento da imaginação, nomeadamente, os contos de fadas, tão ricos em características do maravilhoso, que descrevem

de forma imaginária e simbólica as etapas essenciais do crescimento e do acesso a uma vida independente, estimulam os seus leitores a fruir a liberdade concedida pelo registo ficcional e pelas múltiplas veredas que o simbólico e o emotivo, quando intimamente associados possibilitam (Azevedo 2009:22).

Segundo Bettelheim, os contos de fadas “ orientam a criança no sentido de descobrir a sua identidade e vocação, e sugerem também quais as necessárias experiências para melhor

desenvolver o seu carácter” (Bettelheim 1998:34), contribuindo assim para o seu processo de maturação e desenvolvimento intelectual.

Para além desta preciosa capacidade de proporcionar à infância um enriquecimento do seu potencial imagético, os contos permitem encontrar caminhos para mais facilmente resolver conflitos e angústias interiores próprias do crescimento. Não é estranho verificar, então, a identificação projectiva do pequeno leitor com o herói ou outra personagem importante da história (Soares 2003:16-17), vendo-a como espelho em que os seus problemas interiores são reflectidos, servindo-lhe como guia para encontrar soluções e resolver problemas que a atormentam. Como afirma Armindo Mesquita, “pela identificação com certas personagens, o conto comunica uma experiência à criança” (Mesquita 1999:84). Ao identificar-se com as personagens, “o leitor entra em sintonia com os valores, ideais e formas de comunidade em que a personagem se situa” (Amarilha 2003:85).

Os contos maravilhosos encarnam os problemas internos das crianças, podendo estes servir de auxílio para “superar conflitos, que são inerentes ao seu processo de desenvolvimento” (Mesquita 2006:166), ajudando-as “de maneira discreta, como levar as coisas pelo lado positivo” (Mesquita 2006:170). Desta forma, revelam-se realmente importantes, pois permitem às crianças compreenderem melhor o mundo que as rodeia e aprenderem a aceitar as limitações impostas pela vida:

o imaginário, o sonho, o desejo, a audácia, o Outro, a desmesura, a ambiguidade, a gratuitidade, as interrogações e outras demandas constituem elementos igualmente importantes na definição dos ser humano, e os contos possibilitam ao sujeito, de uma forma natural, o seu acesso a elas (Azevedo 2009:22).

Contudo, assiste-se por vezes a uma renitência por parte dos pais em contar às crianças histórias que incluem agressividade por terem medo de traumatizar os filhos (Marques 2007:12). Para Bruno Bettelheim, autor que mais se destacou no estudo do conto de fadas sob o ponto de vista da sua importância no desenvolvimento psicológico da criança, esta ideia de transmitir à criança que o mal não existe na natureza humana, e de que todos os seres são bons, é um erro cujas consequências se podem revelar no desenvolvimento da criança (Bettelheim 1998:14-15). É então necessário que a criança encontre meios para se organizar internamente. Neste contexto, os contos são fundamentais para a preparar para uma realidade que, é afinal, a dela, mostrando-lhe que não há problemas sem solução e que todos os

conflitos que irá sentir têm uma forma de ser vencidos. A este respeito, Armindo Mesquita refere que todos os contos de fadas

transmitem à criança, a mesma mensagem simples e estimulante: a luta contra sérias dificuldades da vida é inevitável, mas se, em vez de fugirmos, enfrentarmos as provas inesperadas e, muitas vezes, injustas com que nos deparamos, acabamos por superar os obstáculos e alcançarmos vitória, isto é, a auto-realização existencial, a maturidade (Mesquita 2006:170).

De facto, destaca-se o papel dos contos no processo de desenvolvimento e maturação. A criança precisa de imaginação, de fantasia, e magia para formar o seu carácter, e como ela ainda está muito direccionada para o inconsciente, nada melhor do que o contacto com os textos onde a realidade surge de forma simbólica, “interrogando incessantemente os seus leitores e fornecendo-lhes, a cada nova leitura, chaves para a interpretação do estado de coisas dos mundos possíveis” (Azevedo 2009:21). O leitor/ouvinte passa a viver uma história que não é a sua, mas com a qual se vai identificando, acabando por perceber que conseguirão vencer os obstáculos. Segundo Fanny Abramovich, no conto de fadas, as respostas são apenas sugestivas. Embora possa insinuar soluções, nunca as menciona, permitindo que a criança use a sua fantasia e decida por ela própria. Falam da dificuldade de ser criança, falam de amor, de medos, de carências, de autodescobertas, de perdas e buscas, enfim, falam da criança para a criança. Daí o agrado por estas histórias, acima de tudo, porque se identificam com elas, e de tal modo que conseguem magicamente colocar-se nesse mundo fantástico sem nunca perderem a sua própria identidade, o seu próprio “eu” (Abramovich 1997:120-138).

Contudo, não podemos ver somente o lado positivo dos contos de fadas. Se estes possibilitam a orientação da criança, também lhe poderão dar a ilusão de que todos os problemas acabam bem, o que nem sempre sucede na vida real. Por isso, é necessário dar à criança a dimensão da realidade.

À priori, todas as crianças percebem que as histórias não são verdadeiras, mas com elas, e todos os seres míticos que delas fazem parte, é-lhes permitido compreenderem as suas emoções, muitas vezes contraditórias. Ajudam-nas a enfrentar o real e facilitam a compreensão de certos valores básicos de conduta humana ou de convívio social, como fica

claro com as palavras do mestre da psicanálise: “a criança compreende intuitivamente que,

apesar de estas histórias serem irreais, elas não são falsas (...) descrevem por forma imaginária e simbólica os passos essenciais do crescimento e da obtenção de uma existência

independente” (Bettelheim 1998:97). Assim, e com a ajuda dos contos, as crianças encaram o mundo de forma mais clara, estabelecendo a fronteira entre o bem e o mal (o real e o imaginário). Como afirma Adolfo Simões Müler, “uma criança que lê pode encontrar a varinha mágica que lhe permita entrar no mundo do sonho e da realidade” (Müller apud Pires s/d: 14).

Fica assim patente a estreita relação entre o conto e a criança, conseguida pela linguagem simples, directa ou alegórica, bem como pelo trajecto de crescimento do herói e da criança que têm de passar por várias provas, que os tornam mais ricos e capazes de enfrentar uma vida que se quer feliz e equilibrada. Conclui-se desta forma que esta tipologia textual é muito importante para compreender o mundo interior dos mais jovens e ensinar-lhes a inserirem-se na vida adulta de uma forma mais equilibrada e completa, pois “só a compreensão dos nossos próprios problemas, à medida que vamos crescendo e evoluindo, nos dá a capacidade de resolução dos mesmos” (Santos 2002:121). Fica assim evidente que os contos são “percursos de aprendizagem e crescimento” (Bastos 1999:136). Como tal, podemos deduzir a sua importância pedagógica, assunto que analisaremos na terceira parte deste trabalho. Antes, porém deixamos o pensamento de Georges Jean, que sintetiza a importância do conto na vida do ser humano:

Os contos, enquanto fonte de maravilhamento e de reflexão pessoal, desbloqueiam e fertilizam o imaginário pessoal do ouvinte/leitor, contribuem para a formação de crianças (que serão adultos) mais criativas e mais livres. O poder dos contos reside na capacidade de incitar grandes e pequenos a viver um tempo fabuloso. O mundo tem necessidade do poder dos contos e da sua subversão poética para sobreviver (Jean apud Traça 1992:166).