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Os elementos do contexto de produção

CAPÍTULO 4 – O QUADRO DE ANÁLISE DE TEXTOS DO ISD

4.2. Os elementos do contexto de produção

Nesta seção, apresentaremos os elementos do contexto de produção que nós, do grupo ALTER, temos levado em conta em nossas análises. Primeiramente, é importante mencionar que há diferentes definições sobre contexto de acordo com a abordagem teórica assumida. No nosso caso, concebemos contexto como tudo que cerca o texto, tanto o contexto imediato quanto o contexto ampliado (MAIGUENEAU; CHARAUDEAU, 2008).

24 Em outra abordagem, para a análise do discurso francesa (MAINGUENEAU, 2001), essa distinção entre implicado e autônomo é concebido em termos de plano embreado e não embreado, respectivamente.

Machado e Bronckart (2009), a partir dos resultados de diversas pesquisas, propõem cinco aspectos para serem levados em conta na identificação do contexto de produção de um texto que são:

 O contexto sócio-histórico mais amplo em que o texto é produzido, em que circula e em que é usado.

 Em relação ao levantamento dos elementos desse aspecto, tratando de estudos sobre o trabalho do professor, é relevante buscar as características do contexto sócio-histórico de produção dos textos em disciplinas das Ciências Humanas, como, por exemplo, a História da Educação e a Sociologia do Trabalho. Ressaltamos a pesquisa de Bronckart e Machado (2005) que analisaram textos oriundos de instâncias governamentais para prescreverem o trabalho do professor. Suas análises ganham todo sentido já que foram compreendidas considerando o contexto mais amplo em que os textos foram produzidos: quadro das reformas neoliberais empreendidas nos anos 1990 no Brasil, nelas incluídas as reformas do sistema educacional.

 O suporte em que o texto é veiculado e o contexto linguageiro imediato, ou seja, o(s) texto (s) que acompanham, em um mesmo suporte, o texto a ser analisado.  Em relação à importância de observação das características desses elementos para

uma melhor interpretação dos textos, podemos exemplificar com a pesquisa de Barbosa (2009), que analisa crônicas na mídia impressa em dois suportes diferentes. No primeiro, escritores escrevem crônicas para uma revista semanal voltada para o público em geral e, no segundo, também são crônicas, mas extraídas do seu contexto original para uma revista dirigida especialmente para professores e que são acompanhadas de “exercícios de reflexão” a serem feitos pelos professores. Nas crônicas da revista semanal, foram identificados modelos para o agir docente que se aproximam do cotidiano dos professores, apresentando formas de agir plausíveis para os dias atuais. No caso das crônicas da revista para os professores, Barbosa (2009) identifica modelos de agir idealizados, às vezes, referentes a épocas passadas, em situações muito diferentes das atuais. A interpretação da função dessa idealização só é possível ser adequadamente feita levando-se em conta o suporte em que essas crônicas são veiculadas.

 O intertexto, isto é, o(s) texto (s) com o(s) qual (is) o texto mantém relações facilmente identificáveis, mesmo antes das análises.

 Em relação à importância do levantamento e da observação do intertexto, citamos a pesquisa de Bueno (2007), que analisa projetos de alunos em formação (graduação em Letras), em que suas características formais e semânticas foram encontradas por meio da análise do intertexto, ou seja, das instruções dadas pelo professor aos alunos para a produção desses projetos e dos textos teóricos discutidos nas aulas do curso.

 A situação ou condição de produção dos textos, que se refere às representações do produtor que exercem influência sobre a forma de organização do texto, distribuídas em um conjunto de parâmetros.

Fourcade e Bronckart (2007), com base na definição de situação de enunciação definido por Benveniste (1989, 2005) e Culioli (1976, 1990), consideram que o primeiro conjunto de parâmetros diz respeito às representações oriundas do mundo físico, discutidas no capítulo anterior, referentes ao lugar de produção de texto, que é o local físico em que o texto é produzido (numa escola, por exemplo); ao momento de produção (no dia 04 de janeiro de 2011); ao locutor,25 que é um ser no mundo, uma pessoa, que produz uma ação linguageira em uma situação de comunicação, oral ou escrita (por exemplo, Maria escreve um e-mail); o interlocutor, que consideramos aqui a pessoa que dialoga, discute, conversa com um outro, numa situação de comunicação oral ou escrita (por exemplo, João recebe o e-mail de Maria). O interlocutor representa ao mesmo tempo o destinatário do locutor e aquele que tem o direito de tomar a palavra, responder, replicar ao locutor que o precedeu (João responde ao e-mail de Maria). Assim, cada locutor que toma a palavra é interlocutor do precedente, instituindo-se como interlocutores (BRONCKART, 1999; CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 287-288).

O segundo conjunto de parâmetros é referente ao fato de que todo texto se inscreve no quadro das atividades de uma formação sociodiscursiva, implicando as representações sobre o mundo social (normas, valores, regras etc.) e sobre o mundo subjetivo (imagem que o agente dá de si ao agir). Esse contexto da interação social, composto por uma série de parâmetros de

25 Bronckart (2008) e Machado e Bronckart (2009) utilizam os termos emissor/co-emissor, enunciador/destinatário e emissor/receptor, enunciador/papel social do receptor, respectivamente. Esses termos

emissor, receptor e destinatário têm significados diferentes de acordo com a abordagem teórica seguida, sendo bastante disseminado na comunidade linguística o sentido dado por Jakobson, numa concepção de comunicação na qual o emissor codifica uma mensagem endereçada a um receptor ou a um destinatário que, passivamente, a decodifica. Embora em algumas vertentes, como a semiótica, a pragmática e a análise do discurso – sendo incluído por nós o ISD – esses termos não sejam empregados com esse sentido, preferimos usar os termos locutor/interlocutor e enunciador/co-enunciador, evitando, assim, interpretações errôneas de leitores por desconhecimento dos variados sentidos atribuídos a esses termos (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 154, 184, 417).

natureza social, em que se leva em conta o quadro da formação social, da instituição em que o texto é produzido (escola, família, mídia etc.), acaba definindo a posição social do locutor e do interlocutor (professor/aluno). Assim, o primeiro parâmetro a ser levado em conta é o lugar social em que a interação é produzida, lugar esse que define o papel social do locutor, relacionado, portanto, às diferentes posições de enunciação que um locutor pode assumir, tanto na oralidade quanto na escrita (professor, pai, cliente). Esse papel institui o locutor como enunciador, que significa que se leva em conta tanto o quadro da formação social em que a interação é estabelecida, quanto a posição social do locutor nesse quadro. Podemos entender também que o enunciador é “uma instância ligada à situação construída pelo discurso”, não uma instância de produção verbal “de carne e osso‟, como no caso do locutor (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 201). Seguindo esse raciocínio, ao interlocutor também é atribuído o estatuto de co-enunciador (papel de aluno, filho, leitor do jornal). Considerando que o texto é originário de uma ação de linguagem, como já vimos, o enunciador busca atingir objetivos, a partir das representações dos efeitos prováveis que o texto pode produzir no co-enunciador, estando coerente com a definição de ação de linguagem, como discutido no Capítulo 3.

Além desses elementos, Machado e Bronckart (2009) consideram as dimensões afetivo-emocionais na situação do agente produtor do texto, explicando que essas dimensões não eram levadas em conta no modelo de análise de textos proposto por Bronckart em 1999, pois a ação de linguagem era concebida de modo estático, partindo de uma visão cognitiva. Atualmente, a partir de estudos que possibilitaram uma reformulação em relação à concepção de situação de produção, o contexto passou a ser visto de modo dinâmico, em concordância com a definição de agir dinâmico e plurideterminado, discutida quando conceituamos o termo

trabalho, no Capítulo 1.

Nesse sentido, no processo de produção textual, o enunciador pode assumir diferentes papéis ao mesmo tempo, que não se confundem com seu papel social. Por exemplo, em uma entrevista que enfoca o trabalho do piloto de avião, o enunciador pode assumir o papel social de entrevistado na interação com o pesquisador, mas nem por isso perderá de vista o seu papel de piloto, sendo que esses dois papéis irão interferir na forma que o texto assumirá.

Outro aspecto a ser levado em conta é que muitas situações de produção de linguagem envolvem mais de um co-enunciador, presentes ou ausentes, que podem ter diferentes papéis. Nessas circunstâncias, a produção de texto pode se destinar a um ou outro co-enunciador, de modo mais ou menos direto ou indireto. Além disso, o enunciador pode ter representações de

mais de um objetivo a ser alcançado, principalmente pelos diferentes papéis que assume. Em relação a esses aspectos, Machado e Bronckart (2009) citam a pesquisa de Abreu-Tardelli (2006), que mostra a complexidade da situação de produção de texto em um chat educacional. Nessa situação, a professora-formadora tem a tarefa de gerir um chat educacional, estando fisicamente em sua casa, em um sábado, mas em interação síncrona com co- enunciadores que se encontram em diferentes lugares físicos. Para isso, ela tem que co- produzir um texto em um espaço virtual comum aos vários participantes do chat educacional, sobre quem a professora tem informações muito vagas. Seus enunciadores diretos, instituídos socialmente como tais, ocupam o lugar social de professores em formação. Porém, além desses co-enunciadores, há ainda outros, embora com funções diferentes na própria situação. No espaço virtual, há a tutora do curso e, no espaço físico, há uma pesquisadora, observando e filmando o trabalho desenvolvido. Todos esses elementos são fatores que interferem diretamente na forma dos textos produzidos (MACHADO; BRONCKART, 2009).

Finalizada a apresentação das relações estabelecidas entre texto e contexto e dos elementos do contexto de produção, na próxima seção, faremos a exposição dos elementos dos três níveis de análise, o organizacional, o enunciativo e o semântico que, embora sejam desenvolvidos separadamente, seus elementos encontram intrinsecamente correlacionados, sendo que a análise de cada um dos níveis esclarece a análise do outro. Os resultados do nível organizacional e do enunciativo, por exemplo, são fundamentais para a interpretação do nível semântico.