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Os estudos territoriais e as relações de trabalho: multiterritorialidades em debate

CONTEXTO DA CRISE ECONÔMICA

3. Os estudos territoriais e as relações de trabalho: multiterritorialidades em debate

A abordagem das territorialidades humanas neste trabalho será apresentada através das contribuições das autoras Rosa Maria Quadros Nehmy e Elizabeth Costa e Dias em seus estudos sobre as mudanças no mundo do trabalho e a reorganização do Sistema Único de Saúde publicado em 2010 e nos trabalhos de Rógério Haesbaert através de seus estudos que abarcam o território e as multiterritorialidades.

O território analisado através da geografia do trabalho para Nehmy e Dias possui interpretações que o vinculam a ideia de se tratar do “[...] único lugar a atribuir sentido de pertencimento, um lugar de referência no mundo da vida aos trabalhadores desterritorializados e, em decorrência, reterritorializados na e pela precariedade, na atualidade...” (NEHMY E DIAS, 2010, p. 21). As autoras complementam seus estudos através da análise do local de trabalho onde destacam que “a globalização e a informatização criaram as condições de existência da empresa aberta em relação aos ambientes social e geográfico, extrapolando os limites físicos da fábrica” (NEHMY E DIAS, 2010, p. 18), em seguida fazem uma reflexão sobre os impactos advindo da flexibilização quando aplicada ao trabalho, para as autoras “[...]

2483 a flexibilidade insere-se também na jornada de trabalho, manifestando-se sob as formas de autonomia e terceirização do emprego, estimulando o uso, pelo capital, do trabalho precário e ampliando o desemprego estrutural...” (NEHMY E DIAS, 2010, p. 18). A terceirização ilícita pode causar a precarização do trabalho e tal fato acarreta riscos à saúde do trabalhador “[...] é nesse território mutante, fluido e flexível da acumulação do capital que se configura o “novo” mundo do trabalho onde se desenha o perfil dos trabalhadores urbanos – e crescentemente dos rurais nos agronegócios – com reflexos sobre sua vida e sua saúde” (NEHMY E DIAS, 2010, p. 18). Ao analisarem as potencialidades e os limites das relações de trabalho as autoras discutem o que intitulam de categoria analítica: o território (NEHMY E DIAS, 2010, p. 13). Em reflexão quanto à relação trabalhador X capital elas apresentam a desterritorialização através da concepção de DELEUZE E GUATARRI (1996):

[...] no Capital, Marx mostra o encontro de dois elementos ‘principais’: dum lado, o trabalhador desterritorializado, transformado em trabalhador livre e nu, tendo para vender a sua força de trabalho; do outro, o dinheiro descodificado, transformado em capital e capaz de a comprar. Estes dois fluxos, de produtores e de dinheiro, implicam vários processos de descodificação e de desterritorialização com origens muito diferentes. Para o trabalhador livre: desterritorialização do solo por privatização; descodificação dos instrumentos de produção por apropriação; privação dos meios de consumo por dissolução da família e da corporação; por fim, descodificação do trabalhador em proveito do próprio trabalho ou da máquina. Para o capital: desterritorialização da riqueza por abstração monetária; descodificação dos fluxos de produção pelo capital mercantil; descodificação dos Estados pelo capital financeiro e pelas dívidas públicas; descodificação dos meios de produção pela formação do capital industrial, etc (NEHMY E DIAS apud DELEUZE E GUATARRI, 2010, p. 21).

O processo de territorizalização e de desterrritorialização também pode ser verificado em relação ao capital consoante o seguinte fragmento:

Segundo a proposta de Deleuze e Guattari, a desterritorialização e a territorialização são processos concomitantes. Na sociedade contemporânea, o capital se desterritorializa e ao mesmo tempo se reterritorializa em um novo formato, em “um território onde vigora o controle da mobilidade, dos fluxos (redes) e, conseqüentemente, das conexões – um território-rede ou de controle de redes. Aí, o movimento ou a mobilidade passa a ser um elemento fundamental na construção do território (NEHMY E DIAS apud DELEUZE E GUATARRI (2010, p. 20).

2484 Dando sequência as análises das obras dos autores privilegiados nesta pesquisa, cabe- nos aprofundar a compreensão dos trabalhos de Rogério Haesbaert que discorrem sobre multiterritorialidade “[...] conjunto superposto de vários territórios (ou territorialidades) cuja abrangência pode ir bem além dos seus limites”(HAESBAERT, 2004, p. 10), assim o trabalhador terceirizado atua sob multiterritorialidades que abarcam desde a existência de múltiplos territórios destinados a atuação destes trabalhadores assim como naqueles em que há precariedade nas relações de trabalho que por vezes é exercida em condições degradantes. Visando ampliar esta compreensão, apresentamos de maneira apenas ilustrativa a multiterritorialidade nas relações de trabalho em uma empresa terceirizada distribuidora de energia elétrica. Os trabalhadores terceirizados dessa área podem trabalhar no ambiente da empresa tomadora, no da prestadora ou em local diverso e ainda essa relação pode ser precária no que tange aos seus direitos trabalhistas. Com base em noticia, “Distribuidora de energia é condenada em R$ 3 milhões, veiculada no site Ministério Público do Trabalho (MPT), em 17/06/2013, verifica-se no caso concreto, a terceirização de sua atividade de forma ilícita e ainda violação a legislação vigente no que tange a saúde, a segurança do trabalho, sem fornecer equipamentos de proteção individual, sem realizar os exames admissionais e desse modo precariza os direitos dos trabalhadores, se comparado aos empregados próprios de empresas do mesmo seguimento econômico (MPT, 2013).

Os estudos de HAESBAERT (2004b, p. 19) afirmam que “pensar multiterritorialmente é a única perspectiva para construir uma nova sociedade, ao mesmo tempo mais universalmente igualitária e mais multiculturalmente reconhecedora das diferenças humanas”. Assim quando tratamos a terceirização e a precarização nas relações de trabalho, tais conceitos podem ser empregados com a finalidade de não haver as ilicitudes jurídicas, inclusive a não discriminação. Na terceirização em alguns casos ocorre um estigma social quanto ao trabalho terceirizado: o trabalhador se sente em situação de “menos valia” em relação a outros que trabalham na mesma atividade, porém não está vinculado diretamente a empresa tomadora do serviço. Trabalhadores do setor elétrico entrevistados na matéria Terceirização sem Limites na Revista on-line Proteção (2015) narram os desafios de atuar de maneira precária em uma atividade de alto risco. O eletricitário Robson Pereira trabalhador terceirizado vítima de acidente de trabalho afirma “ao perder os braços, mudou completamente a minha vida”, Robson não possuía vínculo empregatício formal nem mesmo capacitação para executar a atividade, o que configura a precarização da relação de trabalho.

2485 Para HAESBAERT (2004, p. 19) o território enquanto espaço dominado e ou apropriado, manifesta hoje um sentido multiescalar e multidimensional tanto no sentido da convivência de “múltiplos” (tipos) de território quanto da construção efetiva da multiterritorialidade. Este fato é percebido quando na terceirização, a empresa detentora do know-how contrata outra, para que esta exerça uma atividade a qual ela domina, relacionada à sua atividade meio, assim a contratada deverá fazê-lo nos mesmos moldes da contratante. As análises das relações de poder que ocorrem no território material bem como as relações de apropriação e organização no espaço simbólico, relacionando-as com a terceirização ilícita convergem para a precarização do trabalho. Nesse sentido as relações espaciais humanas resultam da influência e do poder.

Se territorializar-se envolve sempre uma relação de poder, ao mesmo tempo concreto e simbólico, e uma relação de poder mediada pelo espaço, ou seja, um controlar o espaço e, através deste controle, um controlar de processos sociais, é evidente que, como toda relação de poder, a territorialização é desigualmente distribuída entre seus sujeitos e/ou classes sociais e, como tal, haverá sempre, lado a lado, ganhadores e perdedores, controladores e controlados, territorializados que desterritorializam por uma reterritorialização sob seu comando e desterritorializados em busca de uma outra reterritorialização, de resistência e, portanto, distinta daquela imposta por seus desterritorializadores (HAESBAERT, 2004b. p. 259).

A análise sugere, portanto, a complexidade do ponto de vista dos estudos territoriais sobre a terceirização de atividades laborais, pois estas configuram em múltiplas apropriações de um mesmo território (multiterritorialização).