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Terceirização ilícita e precarização da relação de trabalho

CONTEXTO DA CRISE ECONÔMICA

1. Terceirização ilícita e precarização da relação de trabalho

Diante do uso da terceirização pelas empresas em diversos seguimentos da economia e das suas repercussões para empregados e empregadores, é importante apresentar a hipóteses nas quais a terceirização é aplicável.

Embora no Brasil não exista uma legislação específica sobre a terceirização, ela é considerada legal quando realizada no trabalho temporário (Lei nº 6.019/74), empreitada (art. 455, CLT), nos serviços como vigilância (Lei nº 7.102/83), limpeza e conservação, de acordo com a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Na Administração Pública o decreto lei nº 200/67 e a lei nº 5.645/70 estabelecem as condições de sua aplicabilidade para as empresas e os empregados.

Inicialmente apresenta-se o seu conceito na perspectiva do Direito do Trabalho. Nesse sentido os ensinamentos de DELGADO (2015):

“[...] é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere- se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido” (DELGADO, 2015, posição 12390).

2479 No contexto da terceirização os conceitos de atividade-meio e atividade-fim são importantes, pois eles são utilizados para verificar se a terceirização é lícita ou não. O primeiro está relacionado à atividade-fim da empresa, está estritamente ligada a seus atos constitutivos e o segundo são os serviços considerados como de apoio para a sua atividade principal (MARTINEZ, 2015. p. 271).

A precarização das relações de trabalho devido à terceirização ilícita, ou seja, realizada em atividade-fim da empresa tomadora, viola a Constituição Federal no que tange aos princípios fundamentais previstos no artigo 1º, entre eles a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho.

A terceirização ilícita em decorrência de ser aplicada em atividade-fim pode ser verificada na seguinte jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região:

CONCESSONÁRIA DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. ATIVIDADE-FIM. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DIRETO COM A TOMADORA DE SERVIÇO. I - A contratação de trabalhador por empresa interposta para prestar serviço inerente à atividade-fim da empresa tomadora é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com esta última. Inteligência do item I da Súmula 331 do E. TST. II - Como consequência da terceirização ilícita e do reconhecimento do vínculo de emprego com a tomadora dos serviços, tem- se a responsabilidade solidária da prestadora dos serviços (artigo 9º da CLT c/c artigos 265 e 942 do CC) (TRT 17ª R., RO 0001263-53.2014.5.17.0010, Rel. Desembargador Carlos Henrique Bezerra Leite, DEJT 21/07/2015).

No que tange ao uso da terceirização como forma de precarização dos direitos trabalhistas destaca-se a jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 3º região:

EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. EMPRESA PÚBLICA. BANCÁRIOS. EQUIPARAÇÃO. Não há dúvidas de que a terceirização havida entre as reclamadas se efetivou para desenvolvimento de serviços vinculados à atividade-fim da tomadora, com redução dos direitos trabalhistas dos empregados envolvidos na execução do contrato de prestação de serviços, o que fere a ordem jurídica, já que utilizado o instituto como meio de precarização das relações de trabalho. Além disso, por se tratar a segunda reclamada (CEF), de empresa pública, a contratação de empregados, por intermédio de empresa interposta, para execução de serviços vinculados à sua atividade-fim, constitui meio de obstar a exigência constitucional de prévia aprovação em concurso público. Assim, tendo em vista a irregularidade da terceirização firmada entre as reclamadas, e em face da prevalência do princípio da isonomia preceituado nos artigos 5º, caput e 7º, XXX, da CR/88, devem ser assegurados à obreira todos os direitos e benefícios conferidos aos empregados da instituição bancária, relativos à categoria profissional dos bancários (Processo: 000023732.2013.5.03.0111

2480 RO, Data de Publicação: 28/02/2014). Órgão Julgador: Quinta Turma Relator: Milton V. Thibau de Almeida Revisor: Marcus Moura Ferreira.

A precarização dos direitos trabalhistas também pode ser verificada na seguinte decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região:

HIPÓTESE DE TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM BANCÁRIA. ILICITUDE. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO ENTRE RECLAMANTE, NA CONDIÇÃO DE BANCÁRIO, E O TOMADOR DOS SERVIÇOS (BANCO BRADESCO). O caso dos autos revela hipótese típica de terceirização ilícita, já que o reclamante exercia atividade-fim do banco reclamado, relacionada à captação de clientes e concessão de empréstimos, conforme evidenciam os depoimentos pessoais dos prepostos das rés. Ora, como a finalidade do banco é a obtenção de lucro com as transações mercantis que realiza na área financeira, de se entender que todas as pessoas que, direta ou indiretamente, oferecem seus produtos (em seu nome) a terceiros, estão lidando com sua atividade principal, notadamente quando fazem parte de um mesmo conglomerado econômico, como na hipótese. Em suma, diante do arcabouço fático-probatório, é forçoso reconhecer que o reclamante executava atividades tipicamente bancárias, intrinsecamente relacionadas à atividade-fim do segundo reclamado, sem as quais esta restaria inviabilizada. Trata-se, pois, de um perverso processo de intermediação ilícita de mão de obra, classicamente conhecido como “marchandage”1, com vistas única e exclusivamente à redução de custos com mão de obra e precarização dos direitos trabalhistas (“dumping” social), bem assim com indubitável intuito de desvirtuar, impedir e fraudar a aplicação dos preceitos referentes à atividade profissional de bancário (art. 9º da CLT), em franca ofensa não só a um dos princípios reitores da OIT, qual seja, “o trabalho não é uma mercadoria” (Declaração referente aos fins e objetivos da Organização Internacional do Trabalho – anexo da Constituição deste organismo internacional), mas também a todo o edifício constitucional voltado a proteger o trabalhador e o valor social do trabalho (arts. 1º, III e IV; 3º, I e III; 5º, XXIII; 7º, caput; 170, caput e incisos III, VII e VIII; e 193, todos da CRFB). Disso decorre que se tem por nulos de pleno direito os atos praticados pelas reclamadas, nos termos do art. 9º da CLT, consequentemente, reputa-se correta a conclusão a quo que reconheceu o liame empregatício entre reclamante e segundo reclamado, real empregador, à luz dos artigos 2º e 3º da CLT. Recurso empresarial improvido (TRT-2 - RO: 00003833520145020089 SP 00003833520145020089 A28, Relator: MARIA ISABEL CUEVA MORAES, Data de Julgamento: 17/03/2015, 4ª TURMA, Data de Publicação: 27/03/2015).

A redução de custos utilizada pelas empresas também é uma forma de terceirização ilícita que leva a precarização do trabalho. Nessa perspectiva a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª região:

1 Marchandage é uma palavra francesa que quer dizer “negociação”. O marchand é o “negociante” (Martinez, 2015, p. 271).

2481 CONTRATAÇÃO POR INTERPOSTA PESSOA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. FRAUDE CONFIGURADA (CLT, ART. 9.º). FORMAÇÃO DO VÍNCULO DIRETAMENTE COM O TOMADOR DOS SERVIÇOS (TST/SÚMULA N.º 331). O fenômeno da terceirização há de ser compreendido de maneira rigorosamente restritiva, na medida em que – tendo raiz na redução de custos – precariza as relações de trabalho. A contratação de operários por interposta pessoa para a execução de serviços afetos à atividade finalística e permanente do empreendimento encerra manifesta fraude, sobretudo quando verificado que o locador da mão-de-obra é arremedo de empresa, o que traduz autêntica hipótese de merchandising. O ato assim praticado se reveste de nulidade (CLT, art. 9.º), formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços (TST, Súmula n.º 331, I). (Acórdão 1ª Turma Processo 1422-2010-007-10-00-RO - Rel. Juiz Convocado João Luis Rocha Sampaio, Julgado em 14/9/2011 - Publicado em 23/9/2011). (TRT-10 - RO: 42201200110004 DF 00042-2012-001-10-00-4 RO, Relator: Desembargador Dorival Borges de Souza Neto, Data de Julgamento: 19/09/2012, 1ª Turma, Data de Publicação: 28/09/2012 no DEJT).

Assim, a terceirização ilícita contribui para a precarização dos direitos dos trabalhadores, das condições de desenvolvimento das atividades laborais, prejudicando-os com relação aos benefícios concedidos por meio de acordos coletivos, pois os terceirizados não têm os mesmos direitos dos demais empregados e ainda há entre eles diferenças salariais. Tais fatos podem ser comprovados com a notícia: CSN é condenada em R$ 1 milhão por terceirização ilegal publicada em 27/11/2013 no site do Ministério Público do Trabalho (MPT, 2013), a seguir será apresentada a tabela demonstrativa da precarização das relações de trabalho terceirizadas em diversos segmentos da economia.

2. Terceirização ilícita e precarização da relação de trabalho na prática