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Pensando o Habitus Workaholic

SUBJETIVIDADE DOS INDIVÍDUOS NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

5. Pensando o Habitus Workaholic

A tarefa de pensar o fenômeno workaholic como objeto sociológico culmina na desafiadora tentativa, dada a envergadura da obra de Pierre Bourdieu, de fazê-lo tendo como instrumental teórico o conceito de Habitus.

Cuch (1997) nos lembra que embora Bourdieu não tenha sido o criador do conceito de Habitus – e isso o próprio Bourdieu o faz em seu capítulo A gênese dos conceitos de habitus e de campo (1989) – foi o pesquisador que o utilizou de forma mais sistematizada, apresentando o conceito como:

Sistemas de disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, funcionar como princípios geradores e organizadores de práticas e de representações que podem ser objetivamente adaptadas a seu objetivo sem supor que se tenham em mira conscientemente estes fins e o controle das operações necessárias para obtê-los [...] (BORDIEU Apud CUCH, 1997, p. 171).

A noção de habitus nos “auxilia a pensar as características de uma identidade social, de uma experiência biográfica [...] que habilita pensar o processo de constituição de identidades

2437 sociais no mundo contemporâneo” (SETTON, 2002, p. 61), e por que não considerar que os indivíduos viciados em trabalho não o são devido ao processo dialético de interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade? Como já foi problematizado antes, os estudos sobre vício em trabalho são crescentes e, de maneira única e exclusiva, tangenciados por áreas do conhecimento preocupadas com a definição de um conceito e identificação das consequências. Sem desmerecer o esforço empenhado por todos os pesquisadores que ajudaram a compor a literatura sobre o fenômeno Workaholic, acreditamos ainda serem muitas as limitações de entendimento sobre o mesmo dado o pouco que foi pensado e produzido pela sociologia sobre o fenômeno em si e as causas sociais que o compõem.

É fácil encontrarmos profissionais que por ocuparem cargos de destaque em organizações se sentem diretamente pressionados por um discurso empreendedor que vem sendo fortemente disseminado na forma de um novo “referencial ético-político e ideológico que permeia as diferentes modalidades de trabalho e de ação social, dentro e fora do universo produtivo, na vida privada e na vida pública” (COLBARI, 2007, p. 76). Esses profissionais são os mesmos que após cumprirem sua jornada de no mínimo oito horas diárias e quarenta horas semanais (conforme previsto pela legislação trabalhista brasileira), se vêm incumbidos de cumprir uma agenda de compromissos sociais em nome da empresa, como jantares com clientes e participação em feiras e eventos, ou em eventos organizados pela própria empresa como são muito comuns os churrascos organizados pelo diretor da empresa, os amigos x de final de ano, as noites de premiação ou de lançamento de um novo produto, enfim, uma verdadeira agenda de lazer corporativo para o profissional.

Somam-se aos valores e práticas corporativas um discurso de uma ética do trabalho voltada para a satisfação do desejo de consumo de bens e serviços e pronto: temos um sistema de esquemas individuais socialmente constituídos de disposições estruturadas e estruturantes, adquirido nas e pelas experiências práticas, constantemente orientado para funções e ações do agir cotidiano, que tem como resultante uma subjetividade socializada (SETTON, 2002, p. 63).

Não pretendemos a desqualificação dos apontamentos que consideram a existências de traços de personalidade fatores relevantes para o desenvolvimento de uma relação de vício laboral, pois reconhecemos o fenômeno como resultado de uma realidade composta por causas sociais, econômicas e políticas complexas. Nosso trabalho almeja fomentar o debate sobre a construção de um habitus workaholic, enquanto um processo de combinação causal

2438 composto por variáveis internas e externas ao indivíduo, que, por sua vez, contribuem para o processo de socialização com o mundo do trabalho.

Por fim, acreditamos que variáveis relativas ao meio, como as práticas de gestão e o discurso normativo disseminados no campo social das organizações atuem enquanto estruturas estruturadas que, uma vez somadas a variáveis internas como trajetória de vida e traços de personalidade do ator, criam estruturas estruturantes de um habitus workaholic, fomentado de forma cíclica pelo realinhamento de fronteiras espaciais e subjetivas que dão origens a novos modos de vida.

Conclusão

Este trabalho constitui-se como um primeiro esforço teórico de análise do fenômeno Workaholism, a partir das lentes das ciências sociais, pretendendo evitar que a compreensão do fenômeno ficasse limitada a sua definição enquanto uma síndrome oriunda de predisposições de caráter psicológico do indivíduo. Para isso, a noção de Habitus, de Pierre Bourdieu, orientou nossa reflexão sobre o fenômeno de modo que o mesmo fosse compreendido em sua multicausalidade, dando origem ao cíclico processo de formação de um habitus workaholic, estruturado a partir de variáveis internas e externas ao indivíduo workaholic.

Embora até aqui tenhamos apresentado algumas das definições e conceitos recorrentes na literatura que integra o arcabouço teórico desenvolvido sobre o fenômeno, consideramos que são muitas as arestas a serem aparadas no que tange a tarefa de definir, identificar e diferenciar o vício de outros tipos de experiências em relação ao trabalho.

Acreditamos que à medida que avancemos no exercício de repensar este fenômeno a partir de um aporte sociológico com ênfase em suas causas sociais, econômicas e culturais estaremos mais próximos um entendimento mais denso e refinado sobre o mesmo. Logo, concluímos ser necessária a elaboração de uma agenda de pesquisa que oriente aqueles interessados em explorar o fenômeno em profundidade.

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