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Tratou-se até aqui das questões referentes à investigação e assistência, pois discussões de ordem bioética em geral e sobre o consentimento informado em particular foram desencadeadas, com maior ênfase, na área da pesquisa.

Também deve ser considerado que a pessoa pode ser, ao mesmo tempo, paciente e investigado na pesquisa sobre a doença ou de determinado medicamento56.

O interesse dessa tese, contudo, considerando seu objeto, diz respeito à pessoa enquanto paciente e a sua relação com os profissionais da área da saúde nessa condição. É a pessoa que, diante da doença, decide se sujeitar ou não a determinados tipos de tratamentos e até mesmo experimentos, mas com fins terapêuticos agregados.

Em matéria de cuidados da saúde o modelo paternalista está em questionamento, tendo a relação médico-paciente evoluído para uma relação baseada no respeito pela autonomia, evolução está que revelou-se célere e imparável 57.

characterizes as the «moral fact» that a person belongs to him or her self, not to anyone else and not to society. )ntimate and important decisions that profoundly affect one s personal identity and the course of one s life must be left to the individual if we are going to recognize and respect the authority of the self . Livre tradução: A visão moderna, que permeia a doutrina do consentimento informado, é que o conhecimento é poder, e, portanto, a divulgação direta de informações médicas pertinentes aos pacientes é capacitar. O princípio ético que rege é a do respeito à autonomia individual. A autonomia é um reconhecimento do que o filósofo Charles Fried caracteriza como o "fato moral" que uma pessoa pertence a ele ou ela própria, e a mais ninguém, nem a sociedade. Decisões íntimas e importantes que afetam profundamente a própria identidade pessoal e o curso da vida de alguém devem ser deixadas para o indivíduos se queremos reconhecer e respeitar a autoridade pessoal . R)C(, Ben A. Advance …, pp. -97. 55 A título de exemplificação, ver: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM). Resolução CFM nº 1.931,

de 17 de setembro de 2009....

ORDEM DOS MÉDICOS. Código de Deontologico (português – arts. 45 e 48). Disponível em:

<https://www.ordemdosmedicos.pt/?lop=conteudo&op=9c838d2e45b2ad1094d42f4ef36764f6&id=cc4 2acc8ce334185e0193753adb6cb77>. Acesso em: 20 out. 2015.

ORDRE NATIONAL DES MEDECINS. Code de Déontologie Médicale (art. 35 e 36). 2012. Disponível em: <http://www.conseil-national.medecin.fr/sites/defaul t/files/codedeont.pdf>. Acesso em: 20 out. 2015 ORGANIZACIÓN MÉDICA COLEGIAL ESPAÑOLA. Código de Etica y Deontología Médica (art. 10). 1999. Disponível em: <http://www.unav.es/cdb/ccdomccedm1999.html>. Acesso em: 20 out. 2015.

56 Sgreccia ao tratar a pesquisa quando aplicada ao doente distingue a experimentação com fins terapêuticos, ou seja, a que é feita com a intenção de curar o próprio paciente, da experimentação clínica pura, feita simplesmente com a finalidade de definir os dinamismos do fármaco (ou até de uma técnica cir’rgica . SGRECCIA, Elio. Manual..., p. 748.

Da análise de documentos internacionais e as devidas incorporações nas legislações pátrias verifica-se que o caminho trilhado é pela concessão, cada vez maior, de autonomia para o paciente.

Dentro da doutrina do consentimento informado, que pressupõe a decisão livre mediante prévio e devido esclarecimento, a decisão deve ser do paciente. O reconhecimento da autonomia do paciente confere maior respeito às decisões de quem está se sujeitando ao tratamento e/ou à experiência.

Não quer com isso dizer que o paciente deva ficar a sua própria sorte. O médico deve lembrar que não há como o paciente tomar sua decisão sem as suas orientações e aconselhamentos. Pretende-se que, nesta relação, o paciente indique os limites que acredita suportar e enfrentar.

Saliente-se que todo e qualquer tratamento, terapia e medicamento serão utilizados pelo paciente, de forma que ele é a própria medida do que tem ou não condições de suportar, observados seus valores pessoais e os desejos que projete para o futuro.

A informação prestada de forma correta e adequada, indicando as alternativas e respectivas consequências, capacita o paciente que passa a ter condições de tomar a decisão que reputar mais adequada na circunstância em que se encontra. Pode então decidir se submeter ou não aos tratamentos propostos, exercendo seu direito de autodeterminação, no que diz respeito a seu corpo e sua vida.

A decisão do paciente não retira a responsabilidade dos profissionais da saúde em prestarem os cuidados que se fizerem necessários. Igualmente, é importante que o médico tenha em mente que, ainda que um tratamento não seja aceito pelo paciente, este é merecedor de cuidados e de atenção até o momento final de sua existência. Nesse sentido, a prática dos cuidados paliativos, que será analisado detalhadamente no item 2.4, já com alguma evidência, deixa claro o ideal de humanização do processo de morrer.

O reconhecimento da autonomia do paciente e a necessidade de respeito as suas convicções pela equipe médica, nas mais diversas situações, são um avanço. Em situações de fim de vida, e diante da possibilidade de execução de tratamentos cada vez mais invasivos, dolorosos e de caráter extraordinário, ganham relevância as manifestações pessoais.

Sem dúvida que, em muitos casos, a opção por uma medida extraordinária, ou não, se apresenta sem possibilidade de prévio contato e esclarecimento ao paciente.

Nos casos de urgência não há dúvidas de que a decisão é do profissional médico que não pode aguardar. A orientação, de forma unânime, é que nessas circunstâncias devem prevalecer conceitos de beneficência.

E, quando a comunicação com o paciente já não é mais possível, e não há indicação segura da sua opção, impõe-se uma muito íntima colaboração entre a equipa

de saúde (já que a opinião profissional deve ser a resultante de uma reflexão do grupo e não de um de seus membros) e os familiares ou amigos que porventura se sintam mais próximos ao paciente 58.

Tal recomendação leva em consideração o fato de que parentes mais próximos, em tese, tem conhecimento dos valores do paciente e poderiam replicar a sua vontade. Contudo, isso nem sempre é uma verdade, pois não raro há divergências entre os próprios familiares, cada qual tomando para si a incumbência de dizer qual é essa vontade.

Nesta sequência surgem as diretivas antecipadas de vontade como um ato que permite a manifestação prévia dos tratamentos que a pessoa está disposta ou não a se submeter, assim como para traçar metas de cuidado que pretende, ou ainda, nomear uma pessoa para que sirva de interlocutor e possa tomar as decisões que lhe caberiam no momento em que estiver incapacitada. Se o paciente estiver com condições de comunicação e entendimento, contudo, a interação médico/paciente se impõe.

Quer se trate de uma simples consulta médica na qual há a recomendação de um determinado medicamento, acatado pelo paciente, ainda que tacitamente, comprovado pela adesão ao que foi proposto, quer na condução de um problema de saúde mais grave, que por vezes transcorre até a morte, a interação é possível e recomendável. O acompanhamento de uma doença, da sua detecção até o ponto de ser considerada como uma doença terminal, permite essa interação com discussão das alternativas de tratamento disponíveis e respectivas consequências, permitindo que o paciente opte por tratamentos que entenda benéfico ou rechace tratamentos que apenas agreguem sofrimento, sem benefício algum associado.

Ocorre, contudo, que por vezes a doença se instala e não há mais a possibilidade de interação, quer porque o assunto não foi tratado no momento em que o diálogo era possível, quer porque a situação de risco à vida do paciente ocorre de forma abrupta e inesperada.

58 Cfr. OSSWALD, Walter. Limites..., p. 155.

Os debates maiores se apresentaram em situações que não permitiram uma interação prévia e a decisão do tratamento a ser seguido é colocada inteiramente nas mãos da equipe médica, que diante do problema de saúde, opta por uma terapia que pode ser entendida como extraordinária. Deve ser considerada também a impossibilidade de se projetar com certeza o resultado que será obtido, de forma que, em algumas ocasiões, a decisão médica tomada, como de uma reanimação, pode deixar o paciente com graves sequelas.

As situações que geram maior debate são as mais extraordinárias, quais sejam as relativas à manutenção do suporte vital – mais especificamente hidratação e alimentação – em paciente em estado vegetativo persistente, sem possibilidade de reversão do quadro clínico apresentado.

Em muitos casos a discussão ultrapassa a esfera dos profissionais da área da saúde, chegando aos Tribunais. As decisões judiciais permitem verificar os argumentos que permeiam, em verdade, não só a esfera judicial, mas também as esferas pessoal e social, pois para além de fundamentos jurídicos que possam ser tratados há também debates de ordem ética.