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1 PALAVRAS INICIAIS DE TRILHAS EM CONSTRUÇÃO

De propósito, escolhi um tema sobre o qual tenho apenas algumas, mal contidas, ignorâncias. Todos os dias somos confrontados com o apelo exaltante de combater a pobreza. E todos nós, de modo generoso e patriótico, queremos participar nessa batalha. Existem, no entanto, várias formas de pobreza. E há, entre todas, uma que escapa às estatísticas e aos indicadores numéricos. [...] Falo da dificuldade de nós pensarmos como sujeitos históricos, como lugar de partida e como destino de um sonho. [...] Não podemos entrar na modernidade com o actual fardo de preconceitos. À porta da modernidade precisamos de nos descalçar. Eu contei sete sapatos sujos que necessitamos deixar na soleira da porta dos tempos novos. Haverá muitos. [...] Primeiro sapato: a ideia que os culpados são sempre os outros e nós somos sempre vítimas. [...] Segundo sapato: a ideia de que o sucesso não nasce do trabalho. [...] Terceiro sapato: o preconceito de que quem critica, é um inimigo. [...] Quarto sapato: a ideia que mudar as palavras muda a realidade. [...] Quinto Sapato: a vergonha de ser pobre e o culto das aparências. [...] Sexto sapato: a passividade perante a injustiça. Sétimo sapato: a ideia de que para sermos modernos temos que imitar os outros.

Mia Couto3

Descalçar os sapatos que Mia Couto descreve nesta epígrafe, entre outros tantos, parece ser o primeiro dos diversos movimentos que necessitam ser realizados por quem deseja se lançar nesta aventura intelectual que é realizar um doutorado. Desenvolver uma pesquisa neste nível de formação, que parta de um projeto bem estruturado, que contemple os elementos constituidores e constituintes da investigação pretendida, estabelecendo conexões mediatizadas por discussões de conceitos de autores e autoras é, antes de tudo, uma tarefa hercúlea, desafiadora e substancialmente importante; talvez melhor compreendida

3 Oração de Sapiência na abertura do ano lectivo no ISCTEM. Extraído do Vertical N° 781, 782 e 783 de Março 2005.

por aqueles e aquelas que já fizeram essa travessia. Para se lançar em tal empreitada é necessário que sejam tratados todos os componentes envolvidos, entendidos como matéria-prima, ou seja, a pesquisa, o pesquisador e o objeto a ser pesquisado para então construir a obra, neste caso, um bom texto, essencial a toda tese.

É com base nessa premissa que buscarei, mediante trilhas, construir um percurso materializado em um texto, cuja edificação se orienta no sentido de estabelecer relações entre três temáticas fundantes para este estudo: docência, educação intercultural e o desenvolvimento da sensibilidade na educação, tendo como material de análise os saberes da docência, referidos por Pimenta (1999), expressos em registros de professoras4 e elaborados em um curso de formação continuada, na tentativa de demonstrar possibilidades de inter-relações entre esses saberes vinculados às temáticas citadas e a possíveis mudanças qualitativas nas práticas educativas.

Sendo assim, o objetivo geral deste estudo consiste em analisar e discutir a partir dos diários de bordo e dos ensaios pedagógicos elaborados por professoras, durante um curso de formação continuada, a possibilidade da relação entre educação intercultural e o desenvolvimento da sensibilidade na prática pedagógica.

Para alcançar esse intento, os objetivos específicos traçados organizam-se nas ações de pesquisar as contribuições da educação intercultural e da sensibilidade para a prática pedagógica; localizar temas subjacentes aos textos das professoras que remetam à educação intercultural e à sensibilidade; identificar indícios de possíveis relações entre as perspectivas de educação intercultural assumidas pelos sujeitos da pesquisa e o desenvolvimento da sensibilidade na educação; buscar as possibilidades de relações entre os principais temas que constituem a abordagem intercultural e os que possibilitam o desenvolvimento da sensibilidade; explicitar as contradições existentes entre as concepções assumidas pelas professoras e o que mostra a sua prática pedagógica.

4 Considerando que todos os sujeitos da pesquisa são professoras mulheres, utilizarei como designação a expressão professoras concomitante à forma sujeitos da pesquisa. Entretanto, distingo a função docente que tem características específicas. Trabalho com as demandas da docência independente de gênero. Contudo, a consideração sobre gênero é importante por seu aspecto político, razão pela qual no decorrer da tese emprego os dois gêneros – professor e professora – quando a referência não for feita exclusivamente aos sujeitos da pesquisa.

Esta tese filia-se à linha de pesquisa Ensino e Formação de Educadores. Três pressupostos a compõem: o primeiro pressuposto é que nos relatos dos diários de bordo e nos ensaios pedagógicos o(s) entendimento(s) dos sujeitos da pesquisa se restringem predominantemente a exemplos de formas de atuação, a um respeito à diversidade; manifestam formas ambivalentes, ambíguas e contraditórias que, problematizadas, podem potencializar a ressignificação da própria prática; o segundo pressuposto é que na descrição da prática pedagógica dos sujeitos da pesquisa será possível encontrar a relação entre um fazer voltado ao compartilhamento e a criação de contextos pedagógicos sensíveis; e o terceiro e último pressuposto é que os sujeitos da pesquisa demonstram entendimento(s) diversificados acerca da Educação Intercultural.

O tecido textual que constitui esta tese é composto de múltiplos fios5, de tons policrômicos, de olhares e vozes polifônicas e polissêmicas, tendo em vista possíveis traços, nervuras e costuras que envolvem as três temáticas citadas, ou seja, docência, educação intercultural e o desenvolvimento da sensibilidade na educação, tendo em vista a formação de professores e professoras para a docência nos anos iniciais do ensino fundamental, especialmente por meio da formação continuada. Fazer isso é um desafio complexo, difícil, uma vez que ao expor os fios e a rede entrelaçada, elabora-se uma espécie de bordado que, muitas vezes, deixa à vista falhas, nós, lacunas, entremeios que podem comprometer o tecido tramado. Dito de outro modo, a problemática que envolve esta tese é complexa, densa e profunda, por envolver distintos sujeitos e seus saberes, diferentes contextos e variados processos em torno de temáticas inteiramente voltadas à formação humana.

No campo da pesquisa acadêmica, lidar com esse tipo de demanda, entre tantas outras, implica considerar as dificuldades em lidar com os conflitos, contradições, equívocos e impasses; assim como a

5 Em vários momentos do texto utilizo metáforas para expressar conceituações e entendimentos. Embora reconheça as implicações desse recurso literário quando empregado em um texto acadêmico, entendo que um estilo de escrita dessa natureza contribui para potencializar significações e sentidos nem sempre possíveis quando expressos por conceitos que muitas vezes são intangíveis. Por serem simultaneamente simbólicas e conectoras, as metáforas produzem camadas no texto o que do meu ponto de vista tornam a leitura desafiadora e instigante; ao mesmo tempo revelam diferentes estilos de escrita. E este é o meu!

necessidade de superar conceitos simplificadores derivados do paradigma cartesiano, tais como os conceitos de ensinar e aprender, ainda mais quando se tem em vista a formação de professores e professoras e, por conseguinte, o seu contexto de oferta, neste caso, a universidade. A escolha se deu por ser deste/neste lugar que venho atuando como professora, pesquisadora e extensionista nas áreas de Currículo, Didática e Prática de Ensino nos últimos dez anos, somados aos outros quinze anos de exercício na/da docência; é no chão da escola e da academia que venho (des)calçando meus sapatos e vivendo intensamente o cotidiano. Nesse processo tenho tentado praticar o que diz Hardt (2006, p. 03) acerca das condições fundamentais no cotidiano acadêmico. A autora cita duas condições: “humildade intelectual e reconhecimento da incompletude de qualquer abordagem teórica. Isso significa dizer que o que aqui é afirmado é uma possibilidade em termos de análise da questão, nem a melhor e nem a pior, mas aquela que nesse momento histórico mobiliza esse sujeito que escreve a pensar o cotidiano pedagógico”.

Nesta trajetória venho me apropriando de um saber da experiência (LARROSA, 2004), ou seja, um saber que resulta da mediação entre o conhecimento e a vida humana; presenciei e presencio esse processo entre colegas de profissão. No percurso venho aprendendo que a educação é, entre outros, “[...] um ato carregado de características lúdicas e [...] sensíveis. Nela procura-se que o educando construa sua existência ordenadamente, isto é, harmonizando experiências e significações.” (DUARTE JUNIOR, 2008, p. 61). Nesse sentido, a educação precisa falar da realidade concreta, pois quando isso não acontece, “[...] quando não se refere aos conceitos transmitidos ao mundo em volta dos educandos ela não produz aprendizagem.” (Idem, p. 63). Em outras palavras, posso dizer que “todo conhecimento reporta- se à experiência; não podemos conceber coisa alguma que não tenha relação com a nossa experiência. Só que essa relação pode ser mais complexa do que o supõe a teoria da expressão pessoal direta”. (LANGER, 1980, p. 145). A experiência6 nos afeta quando somos tocados pelas coisas do mundo, de onde saímos transformados.

6 Abordarei o conceito de experiência no capítulo II. Mas antecipo, com base em Larrosa (2002), que experiência não é o mesmo que informação e informação não é o mesmo que conhecimento. O conhecimento é dinâmico e se constitui a partir de um complexo processo que envolve, entre outros fatores, a ressignificação das informações, sendo constantemente reelaborado pelas pessoas no decorrer do tempo.

O conceito aproxima-se substancialmente da abordagem intercultural de educação e da sensibilidade, e encontra-se diretamente relacionado à docência, no sentido atribuído neste estudo. A educação intercultural é “estar com, viver com, conviver”; e é definida como uma “pedagogia do ouvir” (FALTERI, 1998). A docência, por sua vez, se compreendida como prática sócio-política mediatizadora de sentido, pressupõe aprender com.

Nessa perspectiva, educação, docência e sensibilidade são temas que se entrelaçam e se entretecem dando-se a ver em múltiplos e variados espaços. A escola é um deles. E ela também é, por excelência, o lugar da docência e da possibilidade de fazer acontecer uma educação de abordagem intercultural. O horizonte dessa abordagem é constituído a partir da criação de contextos educativos que oportunizem a integração e a interação criativa, crítica e cooperativa tanto entre os diferentes sujeitos, quanto seus contextos sociais, econômico-políticos e culturais (FLEURI, 1998).

A escola, por sua vez, principalmente a de educação básica e pública, assume uma importância singular como tempo e como lugar adequado à educação intercultural, uma vez que é para ela que em geral se dirigem crianças, adolescentes, jovens oriundos de contextos economicamente menos favorecidos e sócio-culturalmente mais variados.

Remeter-se às pessoas que frequentam a escola implica considerar também os professores e professoras que nela transitam e a profissão que exercem. A docência envolve distintas dimensões que se inter-relacionam: a epistemológica, a política e a estética (FREIRE, 1997). Essas dimensões que aprendi no fazer docente diário, porém especialmente na formação inicial e continuada na área, e nas práticas pedagógicas (re)significadas, têm desencadeado em mim reflexões profundas, geradoras de certezas e dúvidas, inquietações e processos diretamente relacionados aos diversos aspectos que a constituem, fundamentalmente no que diz respeito à técnica, à estética, à política e à ética (RIOS, 2003).

Dentre esses aspectos, desde sempre presentes e fundamentais à docência, o que se mantém em evidência nos processos formativos é a questão da técnica, e em alguma medida a política e a ética, porém a estética permanece pouco visibilizada. No entanto, ela é uma das principais dimensões (senão a prioritária) responsável por promover o trânsito de ida e volta entre o discurso e a prática, revelando como se constituem o imaginário e a percepção dos homens nas suas visões de mundo (EAGLETON, 1993). Por sua magnitude, densidade e extensão

não tratarei da estética neste estudo7, mas sim de um de seus atributos, que é a sensibilidade. Não me parece possível tratar da segunda (sensibilidade) sem fazer alguma referência à primeira (estética).

Quero evidenciar que este estudo não busca apenas optar por uma dimensão considerada prioritária e ainda pouco discutida nos processos de formação de professores e professoras; mas sim de perguntar por que a sensibilidade se constitui como problema na formação desses sujeitos? Desde logo duas ponderações centrais merecem destaque para o aprofundamento da questão. A primeira porque “o sensível é a condição de possibilidade da vida e do conhecimento.” (MAFFESOLI, 1996, p. 76). A sensibilidade é integrante do conhecimento humano; e é muitas vezes por meio dela que professores e professoras percebem a complexidade que envolve o ensinar (PIMENTA, 2002). O problema é que na maioria das vezes a sensibilidade é vista como algo dado, pronto e, sendo assim, não passível de desenvolvimento; esta é a segunda ponderação. A “sensibilidade, nessa perspectiva, é compreendida do mesmo modo que hoje se compreende a natureza: um instrumento à mão para usufruto [...] sensibilidade se aprende.” (GALEFFI, 2007a, p. 101 e 110).

A sensibilidade contribui na caracterização da nossa humanidade. É a capacidade capital do ser humano de sentir a si e ao mundo de maneira integrada. Por representar uma abertura ao mundo, liga-nos de modo imediato ao que acontece em nosso entorno. (OSTROWER, 1996). Essa se mostra uma questão-chave na docência e nesse sentido é de se perguntar que lugar ocupa a sensibilidade na docência? E mais, por que na escola a sensibilidade não é considerada um fator importante para a aprendizagem? Dentre os vários argumentos que podem ser utilizados para problematizar essas questões, três deles merecem destaque: o primeiro se refere ao racionalismo da cultura moderna eurocêntrica. Pela prioridade dada à razão, esta desqualifica o corpo, sua potência e intensidade, por não reconhecê-lo como uma totalidade constituída de uma complexa estrutura que se mobiliza no operar da

7 Agradeço as orientações que me foram dadas pelos professores e professoras, na qualificação de minha tese, especialmente à profª. Drª. Lucia S. Hardt e ao prof. Dr. Wladimir Garcia, membros da banca, sobre a importância dessa delimitação, uma vez que até aquele momento meu foco situava-se em investigar a dimensão estética da docência. As ponderações e mediações feitas principalmente por esses dois professores foram fundamentais em meu processo de aprendizagem, o que possibilitou o redimensionamento da pesquisa. Agradeço à profª. Lúcia por me sugerir abordar a temática da sensibilidade.

vida e no existir concretamente nesse mundo. Essa mesma negação atravessa a tradição judaico-cristã que, mediante a maneira como entende o surgimento e a continuidade da vida, e como estabelece as relações com o sagrado, compreende o corpo de tal forma que a sensibilidade adquire um caráter negativo. A ascese elucida esse entendimento. E por fim o modo de produção da sociedade capitalista regido pelas lógicas disciplinares, faz com que a sensibilidade seja totalmente anulada. Essas lógicas organizam a cadeia produtiva responsável pelo disciplinamento do sujeito. Desde logo, não me parece possível pensar a sensibilidade na educação e na docência sem considerar enfaticamente esses aspectos, na medida em que também podem nos ajudar a compreender para então podermos problematizar por que professores e professoras trabalham de maneira homogeneizadora as relações pedagógicas que são intrinsecamente plurais? Estaria lhes faltando sensibilidade? Ao homogeneizar, negam a alteridade e a sensibilidade? Ao fazer isso, deseducam?

Para educar precisamos de ferramentas complexas. Faço essa afirmação por entender que a prática se constitui como ponto de partida, o meio e o fim do processo educativo. Daí a necessidade de conceitos que nos ajudem a formular com mais precisão alternativas para enfrentar e superar as dicotomias, as contradições e os impasses.

Destarte, foi com o olhar focado na docência, na educação intercultural e no desenvolvimento da sensibilidade que busquei afinar meu projeto de doutorado8. Na medida em que frequentava as disciplinas e seminários especiais, assim como participava dos estudos e

8 As dificuldades encontradas no campo que havia selecionado para a pesquisa, assim como a aridez do tema escolhido (O título atribuído ao primeiro projeto de tese aprovado (2008) foi: O desenvolvimento da resiliência em sujeitos que

vivem em contextos economicamente menos favorecidos), aliados à escassa bibliografia constatada quando efetivamente me debrucei nos estudos do tema, levaram-me, por orientação e tomada de decisão, a mudá-lo integralmente. A mudança de objeto levou à mudança de sujeitos e de referenciais teóricos, fatos esses que demandaram a elaboração de um novo projeto e muito mais dedicação e empenho para continuar cursando as disciplinas com igual rigor científico. Gostaria de deixar registrado que, embora não tenha seguido com o projeto inicial, com ele é que fui selecionada e tenho certeza que a qualidade nele contida também é mérito de duas educadoras e colegas de trabalho que prezo, admiro e que merecem todo o meu reconhecimento e gratidão; neste caso, especialmente porque se dispuseram a ler aquele projeto oferecendo-me valiosas contribuições. Agradeço às professoras Dra. Maria Teresa Santos

discussões do grupo de pesquisa fui percebendo aproximações possíveis entre a educação intercultural, que é um dos focos centrais do referido grupo e tema de meu interesse e o desenvolvimento da sensibilidade na educação, o que remete, a meu ver, necessariamente, à docência. Cabe destacar que a relação entre essas duas temáticas não foi estudada no grupo, tampouco tive contato com textos que tratassem explicitamente dessas relações nas quais a sensibilidade fosse nominada teoricamente. Quando me refiro que fui percebendo tais aproximações, faço menção aos meus próprios processos de reflexão e investigação. Nesse percurso, surgiu a oportunidade de participar da equipe de elaboração e coordenação de um curso de formação continuada de professores, chamado Educação para a Diversidade e Cidadania9.

Foram meses de intenso trabalho entre a elaboração de todo o material (tanto na versão impressa, quanto na plataforma virtual) e a realização do curso. O fato é que após toda a sistematização teórico- metodológica do trabalho, quando professores e professoras cursistas já estavam realizando as atividades práticas em sala de aula e fazendo seus registros na ferramenta diário de bordo10, a qual como coordenadora de tutoria eu tinha acesso e necessitava acompanhar para orientar os tutores e tutoras, assim como para analisar a aplicabilidade da ferramenta e da metodologia do curso, algo começou a me chamar a atenção. Fui percebendo o envolvimento daquelas pessoas em busca de formação continuada; ávidas por fazer, ansiosas para aprender, desejosas em bem realizar as propostas sugeridas dentro do curso; relatavam suas dificuldades e necessidades, os reveses, resistências e desejos, mas também expressavam sua criatividade e originalidade na adequação e na realização das propostas; o afeto, o cuidado com o outro e consigo, sinalizavam para mim vestígios de práticas sensíveis e enunciavam algo mais; havia naqueles textos indícios que remetiam à sensibilidade como importante capacidade dos seres humanos para sentir a si mesmos, e aos outros estabelecendo relações forjadas na convivência.

9 O curso foi oferecido pelo Ministério da Educação (MEC) por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD). Havia a oferta para todo o Brasil e a demanda mostrou-se significativa. O processo de realização do curso, desde a produção dos materiais até a execução e finalização do mesmo encontra-se explicitado no Capítulo IV.

10 Para saber mais sobre esta ferrramenta e a metodologia de realização do curso, conferir o Capítulo IV. E para saber sobre o uso dela como instrumento de pesquisa, conferir o Capítulo V.

Constatei esse fato em vários trechos e meu processo de sedução, de encantamento e inquietação foi se intensificando na medida em que aumentava meu contato com aquelas produções. Percebia pinceladas que indicavam possíveis relações de interdependência entre docência, educação intercultural e sensibilidade na educação, como sugerem os excertos a seguir: [...] além da consciência humana das pessoas em cuidar do que é seu e o que é do outro. [...] provocando emoção em toda a turma sobre esse tema.11 [...] Conviver com a diversidade é possível, desde que estejamos abertos ao novo. Sempre acreditei que a flexibilidade, o acolhimento, nos tornam melhores, [...] porém, sinceramente, me surpreendi com a riqueza de informações que as crianças me trouxeram. Não tive dificuldades, tive surpresas, envolvimento!12

Contudo, percebia também contradições e impasses que emergiam dos relatos, revelando dificuldades em lidar com as relações vivenciadas nos contextos de sala de aula, como é possível identificar nos seguintes excertos: [...] cada um queria fazer de seu jeito sem dar chance para o outro manifestar-se.13 Veem o preconceito como algo que não é legal, [...] no cotidiano escolar apresentam atitudes de preconceito. [...] têm consciência da diversidade [...] as atitudes dos alunos geralmente são de desrespeito àquelas pessoas que julgam diferentes.14 [...] criança que se nega a pegar na mão do colega, [...] menos limpinho ou um pouco mais escurinho. [...] vem de uma classe sócio-econômica muito baixa. [...] dependendo da forma de como o professor procede em seus questionamentos, poderá inibir e bloquear a expressão da criança.15 Infelizmente, muitas escolas reproduzem a

11 Para preservar a identidade das professoras, sujeitos da pesquisa, utilizo um nome fictício para identificá-las. Optei por nomes de flores que muito aprecio. Apenas o polo UAB e a respectiva cidade onde a professora participante da pesquisa atua são mantidos nas identificações. Todos os excertos citados neste estudo foram transcritos literalmente das fontes, salvas algumas alterações