• Nenhum resultado encontrado

Tecendo a noção de docência: pressupostos etimológicos e epistemológicos

compartilho, “o professor é passeur do sentido” Para saber mais sobre as ideias

2.6 A DOCÊNCIA ENTRE MIRÍADES DE ENTENDIMENTOS Muitos são os desafios que se apresentam aos professores e

2.6.1 Tecendo a noção de docência: pressupostos etimológicos e epistemológicos

A docência, como destaca Coelho (1996, p. 38), é um processo complexo. E como tal “supõe uma compreensão da realidade concreta da sociedade, da educação, da escola, do estudante, do ensino- aprendizagem, do saber, bem como um competente repensar e recriar do fazer na área da educação, em suas complexas relações com a sociedade.” Estudos como os de André (1997, 2000) e Nóvoa (1992, 1995) reiteram o fato de que a docência é constituída por múltiplas dimensões que implicam em sua organização e complexidade. Dimensões essas que se colocam cada vez mais presentes e frequentes nas pesquisas educacionais contemporâneas; se for atentar, por exemplo, para o cenário educacional brasileiro, é possível ver nos estudos de André (2000) que o período no qual se encontra a ampliação e profusão de trabalhos e pesquisas que envolvem a temática é a década de 1990. Esses estudos sobre a docência ampliam e problematizam os conhecimentos sobre as particularidades que revestem suas relações históricas, teórico-metodológicas, socioculturais, políticas e subjetivas. Esse alargamento investigativo destaca a ampliação da discussão que traz em seu cerne os paradoxos vivenciados no exercício da docência. As múltiplas relações que existencializam a constituição da docência implicam em muitas feições que ela vem assumir no processo educativo.

Em seu sentido etimológico, a palavra docência, de acordo com a enciclopédia Larousse Cultural (1998) e com Cunha (2007), significa ato de ensinar; ensino, magistério, professorado. É uma expressão derivada do latim docere, que quer dizer ensinar, ministrar ensinamentos; está vinculado a docente, do latim docens, docentis, particípio presente do termo docere. Docente também se refere a dócil e a douto. Para Cunha (2007) a expressão é um adjetivo comum de dois gêneros; significa submisso, obediente, flexível. Do latim dócilis, ‘que aprende facilmente, que se maneja facilmente; relacionado com docere ‘ensinar’; docilidade. Douto, por sua vez, também adjetivo, quer dizer ‘aquele que aprendeu muito, erudito, muito instruído, docto; do latim doctus, particípio passado de docere ‘ensinar’. Do latim doctor-oris ‘mestre’, professor, preceptor.

Os termos docência e docente são circunscritos e definidos atualmente por meio de outras expressões: Freire (1997) adota a expressão educador progressista; Giroux (1997) nomeia o professor como intelectual transformador; Kincheloe (1997) nomeia de profissional pós-formal (KINCHELOE, 1997); Levy (2000) diz que o

professor é o animador da inteligência coletiva dos grupos que estão ao seu encargo; para Schön (2000), professor prático reflexivo; para Peter Mayo (2005), professores são atravessadores de fronteiras; Barbier (1997) nomeia como passeur de sentido; e há outras definições.

Para Grillo (2004, p.78), “a docência envolve o professor em sua totalidade; sua prática é resultado do saber, do fazer e principalmente do ser, significando um compromisso consigo mesmo, com o aluno, com o conhecimento e com a sociedade e sua transformação.”

Analisando o cenário da última reforma educacional empreendida no Brasil, como também em grande parte dos países sul-americanos, constatam-se profundas transformações sobre a compreensão acerca das instituições escolares, assim como no próprio sentido da docência. César (2004), ao investigar os documentos oficiais produzidos no decorrer do processo da reforma, em especial os Parâmetros Curriculares Nacionais, destaca que é possível perceber transformações profundas, sobretudo naquilo que diz respeito aos novos significados da docência e à noção de qualidade, como alerta Rios (2003).

Transitando por alguns desses significados é possível ver, por exemplo, que para o Conselho Nacional de Educação (2006), a docência é compreendida como processo intencional que acontece por meio da ação educativa.

Compreende-se a docência como ação educativa e processo pedagógico metódico intencional, construído em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a processos de aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento, no âmbito do diálogo entre diferentes visões de mundo. (Idem, p. 01). Calderano (2008, p. 132) por sua vez, ao analisar a docência a partir das diretrizes acima citadas, destaca que ela transpõe os espaços da sala de aula e da escola. Ao relacioná-la à pedagogia, diz que “conceber a docência como algo que vá além da sala de aula, [...], e compreender a Pedagogia como uma ação educacional que vai além da escola, é um passo fundamental para superar a idéia de um conteúdo compartimentalizado cujo significado fica circunscrito a um local [...].” Outros autores, como Cunha (1992), entendem que a docência é um

processo que se constrói a partir do aliamento entre o espaço da prática e o da reflexão teorizada.

A docência exige, além de formação ética, estética, técnica e política, a sensibilidade, a afetividade, a criatividade, a imaginação, a interatividade e a autonomia; todos esses componentes ligados à vida do professor e da professora e a sua subjetividade.

O discurso hegemônico, por sua vez, representa o contrário da produção de uma subjetividade minimamente autônoma por parte dos educadores e das educadoras, pois desestabiliza aquilo que pode ser chamado de professoralidade, que constitui uma forma de compreensão da formação autônoma do profissional da educação (PEREIRA, 2000, p. 39). De acordo com Oliveira e André (2003, p. 5), a professoralidade é compreendida “como processo de construção do sujeito professor ao longo de sua trajetória pessoal e profissional, envolvendo espaços e tempos em que ele reconstrói sua prática educativa.”

Uma característica fundamental da professoralidade é a ideia da (trans) formação permanente, como também é permanente a atividade de reinventar-se através da contínua instauração de perguntas sobre o mundo e as coisas do mundo, em uma tarefa de (des)reconhecer o conhecido como forma de produção do conhecimento sobre si e sobre o mundo. Essa atitude teórica é condição sine qua non quando se possui como “objeto” de trabalho o conhecimento e a sua produção. Essa abordagem remete diretamente ao conceito de devir ou vir a ser. Segundo o dicionário de filosofia Abbagnano (2007, p. 313), o termo é originário do grego e do latim fieri. “O mesmo que movimento. Uma forma particular de mudança, a mudança absoluta ou substancial que vai do nada ao ser ou do ser ao nada. Esse é o conceito de Aristóteles e Hegel.” O mesmo autor prossegue afirmando que quando “entendido em seu sentido lato como sinônimo de mudança e transformação incessante das coisas, o devir representa um dos conceitos-chave do pensamento do século XIX que se propôs ilustrar sua dinâmica com as noções de dialética e evolução.” Mas foi Nietzsche que deu ao devir uma de suas máximas expressões. Ele propôs “sua aceitação jubilosa e incondicionada, exemplificada pela teoria do Eterno retorno do Igual, - imprimir no Devir o caráter do ser – é essa a suprema vontade de poder”. (Idem, p. 314). É na perspectiva do devir-professor/a como transformação incessante e de sua relação com a potência engendrada na prática da docência que se percebem as intensidades e possibilidades dessa profissão.

Uma análise que opere na desconstrução é fundamental, pois, em se tratando da formação de professores e professoras, ela permite

reconhecer as características sobre as quais se organizam a produção e a distribuição do conhecimento escolarizado, além dos novos significados atribuídos ao conhecimento no mundo contemporâneo.

A docência se efetiva em uma rede relacional e multidimensional na qual professores e professoras mobilizam cognição, criatividade, imaginação, afetividade e sensibilidade. Nesse movimento constroem e delineiam modos de ser professor e professora. É importante que se diga que o professor a professora não é apenas um ser racional e, portanto, ao agir, mobiliza também a criatividade, a emoção, a imaginação, a sensibilidade. Assim como, em muitas situações de ensino, age também com frustração, raiva, irritação, impaciência. Do mesmo modo, se o estudante for concebido nessa mesma condição humana, tem-se aí os dois sujeitos que conduzem o processo de ensino e aprendizagem, projetando a docência para além da racionalidade técnica. Identidade e docência são conceitos que se cruzam, ambos por sua dinamicidade e complexidade.

A profissão do professor e da professora tem relação com as estruturas sociais, com a comunidade, entre muitas outras. Essa reflexão aponta para a importância dos saberes que envolvem a docência. Selma Garrido Pimenta97 (1999, 2002) divide tais saberes em três grandes

97 Selma Garrido Pimenta é graduada em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1965), e mestre em Educação: Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1979). É doutora em Educação: Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1985). Atualmente é Professor Titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FE - USP. Coordena (em parceria) o GEPEFE - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação do Educador desde 1989, junto ao programa de Pós Graduação em Educação - FEUSP. Foi coordenadora do Programa de Pós Graduação em Educação na FE-USP (1997/99) e Diretora da FE-USP (2002 - 2005). Foi Pró Reitora de Graduação da USP (2006 - 2009). Atuou como Membro do Comitê de Avaliação da área de Educação junto à CAPES (2001-2003). É Membro do GT Didática da ANPEd - Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação, do qual foi coordenadora (1996 - 1999). Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: formação de professores, didática, pedagogia e pesquisa educacional. As pesquisas mais recentes são no campo da Pedagogia Universitária e Docência no Ensino Superior. É Pesquisador 1 A CNPq. (Texto elaborado com base no currículo lattes) Cf.: http://lattes.cnpq.br/4782583303619681. Dentre seus livros e artigos pesquisados e citados nesta tese, destaco: “Professores, Pesquisa e Didática” (2002) e “Estágio e Docência” (2004).

grupos: a experiência (vivências pessoais, relacionais)98, o conhecimento (da formação específica) e os saberes pedagógicos (aqueles que viabilizam a ação do ‘ensinar’). Há tempos a pesquisadora vem enfatizando a importância dos saberes da experiência serem trabalhados junto aos demais saberes na formação de professores.

Ao tratar dos saberes da experiência, Pimenta (2002) destaca inicialmente a experiência de aluno e aluna, que todo futuro professor e professora já teve e constitui-se, deste modo, em um primeiro estágio dos saberes da experiência. Posteriormente, com mais tempo no exercício do magistério, essa experiência amplia-se no cotidiano docente, de modo que esse conhecimento empírico deve ser submetido a um processo permanente de reflexão da própria prática “que os coloque em condições de gerir novas práticas.” (Idem, p. 11). Entretanto, reduzir o exercício da docência a “reproduzir aquele modo de fazer que aprendeu com seu mestre é [...] dispensar a dimensão da criação.” (Idem, p. 16).

Do mesmo modo, a autora dá destaque à sensibilidade como forma de conhecimento. Pimenta (2002, p. 18) chama a atenção para a importância da sensibilidade. “Muitas vezes é pela sensibilidade que o educador se dá conta da situação complexa do ensinar. A sensibilidade é uma forma de conhecimento: Sensibilidade da experiência é indagação teórica permanente.”

Para Pimenta e Lima (2004), a sala de aula é um espaço de conhecimento compartilhado. Por isso:

[...] juntamente com seu saber, sua cultura individual e coletiva, o professor leva consigo para a sala de aula sua história de vida e sua visão de mundo. A forma de conduzir os conhecimentos específicos de sua área de estudo, a relação com os alunos e a avaliação que utiliza passam pela visão de ciência que possui, pela concepção de aluno, de escola e de educação que acumulou no decorrer das experiências vivenciadas. (Idem, p. 157).

98 Embora o foco central do conceito de experiência neste estudo advém de Larrosa (2002), entendo que ao discutir os saberes da docência, Pimenta (2002) amplia o campo de sentido da experiência no cotidiano de professores e professoras. Penso que ambas as abordagens se complementam e potencializam o saber da experiência docente e das próprias dimensões da docência.

É possível constatar com os estudos de Pimenta, e dela com Lima, uma grande ênfase em expandir a compreensão do quanto é complexo o exercício da docência; dessa forma, não pode ser simplificado na transferência mecânica de teorias científicas.

Pimenta (2002, p. 13) destaca que “a docência constitui um campo específico de intervenção na prática social.” Como tal, é composto por conteúdos que estão organizados em quatro conjuntos:

1) conteúdos das diversas áreas do saber e do ensino, ou seja, das ciências humanas e naturais, da cultura e das artes; 2) conteúdos didático- pedagógicos, diretamente relacionados ao campo da prática profissional; 3) conteúdos ligados a saberes pedagógicos mais amplos do campo teórico da prática educacional; 4) conteúdos ligados à explicitação do sentido da existência humana individual, com sensibilidade pessoal e social. E essa formação identitária é também profissional, ou seja, a docência. (Idem).

Diante dessa complexidade que envolve a docência, é de se perguntar se a técnica seria uma dimensão suficiente para qualificar um bom professor, uma boa professora; o que estou querendo dizer quando me refiro a essa dimensão? Rios (2003) contribui com a resposta, quando argumenta que a dimensão técnica na docência se refere ao domínio dos conteúdos de sua área específica de conhecimento e de recursos para socializar esse conhecimento.

A assertiva quanto aos limites como critério para qualificar um bom professor, uma boa professora é apontada por diversos autores, como é o caso de Tardif (2002, p. 120), quando diz que “conhecer bem a matéria que se deve ensinar é apenas uma condição necessária, e não uma condição suficiente, do trabalho pedagógico”; há outros estudiosos que abordam essa questão. Adoto a compreensão de Rios (2003), que ao analisar as três dimensões essenciais à docência, destaca a articulação existente entre elas: a dimensão técnica, a dimensão estética e as dimensões ética e política. Ao desenvolver a ideia da dimensão estética na prática docente e, nesse caso, na formação para a docência, explica que se trata de trazer luz à subjetividade do professor e da professora que é “constituída na vivência concreta do processo de formação e de prática profissional” (Idem, p. 98). Para melhor compreensão da subjetividade do professor e da professora, convém explicitar mais uma vez o que se entende por ser humano neste estudo. Segundo Rios (2003, p. 98), “[...] é um animal simbólico. Isto significa que a racionalidade

não é algo isolado, mas estreitamente articulado a outras capacidades, outros instrumentos que tem o homem para interferir na realidade e transformá-la. Nesse sentido, a imaginação, a sensibilidade são elementos constituintes da humanidade do homem.” A estética se refere à presença da sensibilidade no trabalho, afirma a autora (2007). Dessa forma, ser professor e ser professora é perceber-se nesta complexidade e pensar a partir dessa cosmovisão; fazer uso da complexidade como ferramenta indispensável para o seu próprio trabalho.

Pensando a partir de uma lógica de complexidade, Fleuri e Freitas (2006) destacam que para se considerar uma relação como sendo educativa, sua concepção necessita embasar-se em “uma interação de reciprocidade dialógica entre sujeitos, num e com um determinado ambiente. Numa lógica de complexidade e de pensamento complexo, a ideia de educação ‘dialógica’ (que Paulo Freire contrapõe à educação bancária) ganha nova dimensão”. (Idem, p. 21). Nessa perspectiva, a educação é entendida como um processo mental (cultural) e como tal não se reduz a um gesto mecânico. Não é um movimento de mão única, unidirecional, tampouco feito no isolamento; pelo contrário: é interativo, mediante o qual as pessoas se educam em relação com outras pessoas e com o ambiente. Fleuri e Freitas (2006) destacam que:

Um sujeito (educador) pode elaborar e emitir uma mensagem, mas, para que esta constitua significado, depende de outro sujeito (educando) que a reelabora a partir e em função de seu processo de cognição e dos contextos pessoais e comunitários de vida (o que inclui o próprio ambiente natural e cultural em que a sua vida se materializa). Entretanto, para que se constitua um processo mental (educativo), a relação precisa adquirir reciprocidade: o sujeito (educador) precisa acolher e reelaborar as mensagens do outro sujeito (educando) e, com isso, os papéis epistemológicos se invertem e se compõem ambivalentemente: o educador-educando interage como o educando - educador e ambos com o ambiente educativo em que se encontram mergulhados. (Idem, s/p.).

Assim, ter consciência da dimensão estética na docência, no sentido atribuído por Rios (2003), é tão importante quanto as demais dimensões que em geral são mais diretamente percebidas e talvez até praticadas. Para percebê-la é fundamental o exercício do olhar, como

ensina Davini (2003), “um sensível olhar-pensante”. Cardoso (1988, p. 348) diz que o olhar “[...] prescruta e investiga, indaga a partir e para além do visto, e parece originar-se sempre da necessidade de ver de novo (ou ver o novo), como intento de ‘olhar bem’.”

Essa é uma maneira de perceber que pede um olhar atento e observador, muito bem definido por Ormezzano (2009, p. 61), quando diz que “o papel do olhar não é passivo, mas de percepção ativa. [...] O olhar é significação. Ver é compreensão. [...] Ver visa conhecer.” Nessa perspectiva, entendo que o olhar não se dirige apenas às imagens; seu alcance pode atingir fatos, acontecimentos e processos, sendo, portanto, excelente mediador no exercício de análise, síntese e estabelecimento de relações.

É desse olhar que o pesquisador e a pesquisadora necessita quando se lança na árdua tarefa de investigação.

Gauthier (1999), baseado em Gilles Deleuze, diz que pesquisar é criar devires, exprimir o virtual incluído em uma situação, lançar multiplicidades [...] Criar um devir, por exemplo, na linguagem, é criar um estilo próprio, singular. Para Deleuze e Guatarri (1997), essa produção acontece por uma máquina de guerra nômade que é responsável por criar uma nova circulação de afetos; é geradora de saberes inesperados. A dificuldade reside no fato de que esses saberes passam como fluxos não identificáveis segundo os hábitos de pensamento acadêmicos. Não produzem uma nova identidade, mas sim novas intensidades. A máquina de guerra nômade procede por duplas capturas e, na área da educação, sem a captura recíproca dos procedimentos acadêmicos de pesquisa e de práticas e conhecimentos de pais, crianças, professores e professoras, e de comunidades nenhum conhecimento novo pode acontecer.

Por isso é tão relevante dar visibilidade aos professores e professoras e as suas produções, especialmente quando resultam de ações efetuadas em contextos de ensino e aprendizagem, como é o caso de muitas das pesquisas feitas em educação; entre elas esta tese, como um exercício de captura. A captura é intempestiva, conflitante; ela é a criação de outra coisa, onde se conectam corpos, ideias. É a criação de novas intensidades, que por sua vez são geradoras de novos conceitos. Também se pode chamar esse processo de desterritorialização. Deleuze e Guatari (1997) dizem que isso é fazer rizoma, ou seja, há linhas que não se resumem em trajetórias de um ponto; elas fogem da estrutura. São linhas de fuga, devires, fissuras, rupturas; é como uma incursão feita pelos campos e avenidas, povoados e descampados, ruas e vielas por onde transitam pessoas no vasto mundo da educação e da formação

para a docência - o mundo da(s) escola(s) - singular e plural, onde a diversidade se dá a ver diariamente, mas pouco é visibilizada. E ainda que as transformações nas concepções de escola e nas formas de conceber o conhecimento e a aprendizagem venham alterando significativamente a atividade docente e que como decorrência se constate a necessidade de repensar a intervenção pedagógico-didática na prática escolar, se não houver pesquisa sólida e consistente vinculada às práticas de professoras e professores e os resultados de suas ações educativas, pouco se avançará em direção às mudanças necessárias e urgentes requeridas à educação.

Debruçar-se sobre essas questões implica considerar, entre outros fatores, a finalidade da educação, a função social da escola e o espaço do professor e da professora na atualidade e, por conseguinte, e de modo substancial, a sua formação. O conceito de espaço neste estudo é referendado em Certeau (1995, p. 101, 110), quando diz que “existe espaço sempre que se tomam em conta vetores de direção, quantidade de velocidade e a variável tempo. O espaço é o cruzamento de móveis. É de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que aí se desbobram [...] O espaço é um lugar praticado”; por conseguinte, lugar móvel, em movimento e em mudança.

Todo processo de mudança, especialmente dessa natureza e proporção, mostra-se conflituoso, paradoxal e contraditório, desencadeando nos profissionais da educação, e fundamentalmente nos professores e nas professoras, um volume significativo de incertezas, dúvidas, receios, insegurança e medo; uma sensação de desorientação. Gera sentimentos de ausência, como se a educação fosse um rio caudaloso e suas margens duas linhas paralelas equidistantes – de um lado a teoria e de outro a prática – respectivamente. Para muitos, à boa docência caberia a tarefa de interligar as duas margens, edificando pontes adequadas à travessia; para outros caberia buscar os espaços intervalares, os desvãos. Ora, não é fácil, tampouco simples executar tal obra. Exige saberes da arquitetura e da engenharia humana e pedagógica; saberes que ajudem a divisar a existência de uma terceira margem nesse rio; algo não previsto; saberes que se mostram multifacetados, polifônicos, policrômicos e polissêmicos a anunciar uma pedagogia da potência; saberes que constituem uma docência da melhor qualidade, como define Terezinha Azerêdo Rios99 (2003). “Qualidade,

99 Terezinha Azeredo Rios é graduada em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1965), mestre em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1988) e doutora em Educação pela