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2 CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS PROFESSORES

2.1 Partindo dos conceitos

Para uma melhor compreensão acerca das discussões que foram realizadas nesta tese sobre aspectos específicos da condição de trabalho dos professores, é necessário inicialmente uma explanação sobre o próprio conceito de trabalho. Para isso utilizamos o conceito baseado numa ótica ancorada no marxismo, que entende o trabalho como um elemento intrínseco ao próprio ser humano. Isto porque, para Marx (1996):

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio. Não se trata aqui das primeiras formas instintivas, animais, de trabalho. O estado em que o trabalhador se apresenta no mercado como vendedor de sua própria força de trabalho deixou para o fundo dos tempos primitivos o estado em que o trabalho humano não se desfez ainda de sua primeira forma instintiva. Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem (MARX, 1996, p. 297-298).

Marx compreendia o trabalho do ser humano como um elemento intimamente ligado à sua própria sobrevivência, de forma que lutar por melhores condições de trabalho está diretamente relacionado a uma luta por melhores condições de vida do trabalhador. Utilizando essa compreensão marxista, Gollac e Volkoff (2000) explicam que as circunstâncias que contribuem para a criação de condições de um determinado trabalho não é algo natural ou dado de forma espontânea, pois essas circunstâncias sofrem a influência direta do contexto histórico e social ao qual estão imersos, e desta forma podem ser ofertadas ou simplesmente retiradas a depender do tensionamento entre a organização dos trabalhadores e os governantes.

Assim, Oliveira e Assunção (2010) entendem as condições de trabalho como um conjunto de recursos que possibilitam a prática satisfatória de um determinado trabalho profissional. Esses recursos dizem respeito tanto as instalações físicas onde

o trabalho é executado, quanto dos materiais, matéria prima, equipamentos e todo o processo de realização, a depender do tipo de atividade.

De acordo com Pereira (2010) existem registro da preocupação entre as condições de trabalho e seus riscos para a saúde desde a Grécia antiga, quando Hipócrates, considerado o “pai da medicina”, já pesquisava sobre as doenças que acometiam os mineradores, por conta do contato deles com o chumbo. Porém somente na metade do século XX, os estudos sobre carga de trabalho e doenças ocupacionais foram inseridos nas agendas políticas mundiais e assim ganham cada vez mais magnitude.

Um outro termo também muito utilizado e que dá um caráter mais ampliado ao tema são as condições psicossociais do trabalho. Foi elaborado em meados dos anos 80 do século XX pela Organização Internacional do Trabalho (OIT ou a sigla em inglês ILO)1, juntamente com a Organização Mundial da Saúde e dá uma maior dimensão

ao entender as condições psicossociais do trabalho como todas as interações que ocorrem entre o ambiente, a organização e a satisfação no exercício do trabalho juntamente com as necessidades, capacidades, cultura e a situação particular do trabalhador (OIT, 1986).

Segundo Gollac e Volkoff (2000), os riscos causados por fatores psicossociais derivam da influência das diversas situações de ordem social, como a gestão, o status. as condições econômicas, entre outros aspectos, que podem impactar diretamente na saúde mental do trabalhador.

Assim, as condições e a carga de trabalho, incluindo ai a falta de estabilidade do trabalhor no emprego, podem levar funcionários a esconder doenças relacionadas a saúde mental, por medo de serem substituidos, potencializando assim os riscos que eles enfrentam.

Morin (2008) explica que se o trabalhador se vê numa condição favorável de produtividade em sua atividade laboral, com boas relações com os colegas, com os superiores e com os clientes, provavelmente ele vai se sentir bem física e mentalmente. Entretanto, se a percepção que tiver do seu ambiente de trabalho for negativa, fatalmente tenderá a desenvolver sintomas de stress.

No que diz respeito a discussão sobre o trabalho docente, Pérez (2009) define as condições de trabalho docente tendo como base a subjetividade do professor,

como um elemento principal que vai além dos aspectos objetivos (instalações físicas da escola; material didático; organização e gestão escolar; a carga horária; temperatura da sala; relação com pais e colegas, indisciplina dos alunos e outros elementos de desvalorização do trabalho do professor).

Desta forma, para o autor o elemento de subjetividade é algo crucial, pois somente através dele é que é possivel conhecer os efeitos de tais condições sobre os docentes, tais como cansaço, o quanto danoso é seu trabalho, entre outros aspectos. Somente o professor tem possibilidade de fazer uma avaliação mais abrangente acerca da sua situação de condições de trabalho (PEREZ, 2009).

De acordo com Tardif e Lessard (2013) as condições de trabalho docente podem ser compreendidas como uma série de variáveis que possibilitam categorizar algumas dimensões quantitativas do trabalho pedagógico, tais como a carga horária de trabalho, tanto diária, quanto semanal e anual; quantidade de alunos na mesma sala; salário docente, entre outros aspectos. Os mesmos autores compreendem que para uma análise mais holística, uma série de elementos sobre a carga de trabalho dos professores devem ser levados em consideração:

● Fatores materiais e ambientais, como a natureza dos lugares de trabalho e os recursos materiais disponíveis. Por exemplo, a insuficiência de material adequado, a falta de equipamento informático, a pobreza das bibliotecas [...].

● Fatores sociais, como a localização da escola (em meio rural ou urbano, num quarteirão rico ou pobre etc.) [...].

● Fatores ligados ao “objeto de trabalho”, tais como o tamanho das turmas, a diversidade das clientelas, a presença de alunos com necessidades especiais e com dificuldades de adaptação e de aprendizagem (grifo nosso), a idade dos alunos, o sexo, o nível de maturidade, etc.

● Fenômenos resultantes da organização do trabalho: o tempo de trabalho, o número de matérias a dar [...] as atividades paradidáticas, as atividades à noite, nos fins de semana, nas férias, etc.

● Exigências formais ou burocráticas a cumprir: observância dos horários, avaliação dos alunos, atendimento aos pais, reuniões obrigatórias, tarefas administrativas, etc. (grifo nosso) (TARDIF; LESSARD, 2013, p. 113-114).

É importante esclarecer que essa citação de Tardiff e Lessard (2013) não coloca a presença de alunos com deficiência como uma causa da má condição de trabalho, mas sim que ela gera mais responsabilidade, obrigando consequentemente os docentes a terem uma melhor formação e uma estrutura física e material

satisfatória para o bom desenvolvimento da sua intervenção no AEE. Sem essas garantias o trabalho do professor pode ficar comprometido e o aprendizado dos alunos prejudicado.

Ainda segundo os autores “essas variáveis servem habitualmente para definir o quadro legal no qual o ensino é desenvolvido; elas são utilizadas pelos estados nacionais para contabilizar o trabalho docente, avaliá-lo e remunerá-lo”. (TARDIF e LESSARD, 2013, p.111).

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), através da Conferência Intergovernamental Especial sobre a Condição Docente, realizada no ano de 1966 em Paris, ratificou o direito fundamental à educação como uma responsabilidade dos países, que precisam, reconhecer também a importância dos professores no desenvolvimento educacional, social e psicológico dos jovens (UNESCO, 1998).

Além disso, levando em conta os diversos problemas comuns a várias nações, no que tange as condições de trabalho docente, o documento solicita dos governos nacionais que assegurem aos professores as condições dignas para o exercício do seu trabalho, levando sempre em consideração as diferenças existentes entre as legislações, no que diz respeito a práticas e a organização própria de cada nação (UNESCO, 1998).

Porém, mais de 50 anos depois que essa Conferência foi realizada, as políticas públicas de muitos países não parecem ter seguido as recomendações da UNESCO, principalmente por conta do modelo neoliberal adotado por muitos deles, que se balizam na compreensão de educação como uma mercadoria, aluno como cliente e busca pela eficiência, com uma lógica próxima a uma linha de montagem industrial.