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É difícil falar de uma situação, um momento, quando estamos vivendo-o. Isto pode ser atribuído à complexidade e ambivalência, expostas por Morin (2007) e Bauman (1999), respectivamente. Reconhecer, compreender, “digerir” o momento presente é tarefa um tanto complexa, porém essencialmente necessária. Seja para a tomada de decisões, seja para a saúde mental e autocuidado, seja para a tão necessária reflexão e posicionamento do ser professor.

Em 2020 vivemos, no Brasil e no mundo, a pandemia causada pelo vírus Coronavírus, que causa uma infecção respiratória que pode levar a morte. A principal medida de contenção da pandemia é

o distanciamento social, medida adotada por inúmeros países e em dife- rentes graus, chegando, por exemplo, ao distanciamento total – lockdown – obrigatório em diversos países. A medida de distanciamento social pegou de surpresa diversos setores, sobretudo a educação. Em pleno século XXI, passado o advento da internet no fim do século passado, e com sua popularização nas últimas décadas, a última classe que deveria ter sido abalada seria a docente. Isto é, tendo em vista a natureza do ser professor, a partir da formação continuada e aperfeiçoamento contínuo, seria correto pressupor que os professores estariam preparados para lidar com uma medida como esta, de distanciamento social. Contudo, sabe-se que o Brasil é um país de proporções continentais e diferentes cenários, então não se responsabiliza aqui a classe docente, mas a ausência de políticas públicas eficientes de formação continuada em eaD e metodologias de ensino remoto, as quais deixam os professores à deriva em situações como esta.

em pesquisa realizada pelo Instituto Península isto fica mais evidente: a “Pesquisa de sentimento e percepção dos professores bra- sileiros nos diferentes estágios do Coronavírus no Brasil” mostrou que há uma tendência dos professores brasileiros em reconhecer seu papel neste momento como em “se manter em casa cuidado de si e seus familiares”, seguido de “ajudar a disseminar informações seguras”, ambas a frente de “interagir remotamente com seus alunos”. ou seja, a preocupação com os estudantes e processos educativos em si, fica em terceiro plano. Na pesquisa também foi constatada que há uma facilidade maior por parte dos professores das redes privadas em lidar com as interações remotas, quando comparado aos professores das redes públicas (GLAZ, et al., 2020).

Tais resultados vão ao encontro do posto por Aragão (2005), quando pontua que uma mudança de mentalidade é necessária entre os professores, de forma que valorize a visão de ser humano e o meio em que vive, de forma coerente com o tempo presente. Destaca-se aqui uma “faca de dois gumes”, embora exista o problema estrutural do estado em oferecer um conjunto de ações de formação continuada sólidas e consistentes com as realidades que vivemos, também predomina em parte da classe docente certa relutância no que se refere a repensar suas práticas pedagógicas, mais ainda quando da inserção de novas metodologias e uso de instrumentos e ferramentas pedagógicas, como ambientes virtuais de aprendizagem, uso de diário digital, aplicativos de apoio a aprendizagem, entre outros.

Embora reconheçamos, como já foi apontando, a pluralidade de cenários no país e a desigualdade social quase que imensurável, não

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vamos aqui entrar no mérito sobre acesso às tecnologias e instru- mentos, quer seja por parte dos estudantes ou professores. Sabemos que há uma discrepância sobre o tema e, certamente, isto deve ser fruto de estudo, discussões e lutas, bem como carece de investimento e atenção por parte do estado. o foco em provocar tais discussões é outro, é o campo docente, o fazer docente. Há perguntas que precisam ser respondidas pela classe, assim como as apontadas na pesquisa do Instituto Península.

• Afinal, como desenvolver a EaD na ausência de acesso a uma internet de qualidade?

• Como lidar com as ferramentas de ensino remoto em um curto espaço de tempo e pouca instrução?

• Como avaliar a aprendizagem, as atividades, a participação dos estudantes?

• Como gerir o tempo dedicado as atividades?

• Como garantir o direito a uma educação pública e de qualidade em tempos de distanciamento social?

estas e muitas outras perguntas que, com toda certeza, pairam sobre os professores, acerca do aumento das desigualdades educa- cionais, os efeitos do distanciamento para as crianças, questões de alfabetização e primeira infância, devem ser respondidas, mas não só por gestores e governantes, são perguntas que precisam do coletivo. De professores-formadores a professores, é preciso criar meios para que se possa refletir e buscar respostas para estas e tantas outras perguntas.

PErsPEctiVas na Ead E ForMação continuada

A perspectiva de ressignificação da educação, de repensar o for- mato tradicional de ensino, oportuniza, por meio da EaD, a criação de “novos espaços para a aprendizagem”. Tais espaços extrapolam o espaço físico da sala de aula, contudo, não menosprezam o professor, tampouco tornam a vivência e presença na escola desnecessárias. Pelo contrário, gera uma nova narrativa sobre o papel do professor no con- texto da Educação do Futuro - não cabe mais a mera transferência de conteúdo. Repensar as práticas pedagógicas e processos avaliativos, como está ocorrendo durante o período de pandemia, é só uma das etapas. Novos desafios estão por vir, pensar a educação socioemo- cional de estudantes e professores, repensar a importância da (auto)

disciplina e de ambientes diversos para estudos, replanejamentos de conteúdo, currículos e avaliação, promover a busca ativa de professores e estudantes, e, não menos importante, ter a formação continuada na docência como campo vital e que deve ter relação intrínseca com as realidades locais e globais.

Num caminho geral, as mudanças socioculturais causadas pela globalização já vinham estabelecendo novas reflexões no campo da educação. Com a pandemia, isto tem se acentuado e, tão breve, tais reflexões devem alcançar a formação docente. Deste modo, ressalta- -se de antemão a necessidade do desenvolvimento de novas propostas formativas docentes, que venham a apresentar características como: a promoção de ambientes profissionais que ofereçam autonomia, incentivo às discussões e estímulo a novas ideias; a promoção de dis- cussões sobre o bem-estar docente, a aprendizagem e cultura escolar, potencialidades e dificuldades do ensino; e oportunizar momentos de formações específicas – como vem ocorrendo, mas priorizar também formações inter e multidisciplinares, de forma que permitam aos docentes a adaptação de suas visões de mundo e suas complexidades. Tais características, em nossa concepção, podem dar sentido ao desen- volvimento profissional docente, de modo que os professores tenham condições de construir práticas pautadas no compartilhamento e no diálogo sobre a profissão. Isto também reduzirá o estresse e a noção de estar perdido diante de um mundo novo, repleto de informações, tecnologias e oportunidades (NÓVOA, 2009).

Cabe destacar que é essencial que os cursos de formação continu- ada possam garantir a aprendizagem das Tecnologias da Informação e Comunicação (TDIC), isto é, não só das novas tecnologias, mas também das que outrora eram os únicos meios disponíveis, como o próprio uso dos materiais didáticos disponíveis para professores e estudantes. Como posto por Kenski (2003) é por meio dessas formações que os professores devem ter a possibilidade de se constituírem como agentes, produtores e críticos sobre o uso das TDIC para cada contexto e situação desejada, como a vivida atualmente.

Contudo, cabe ressaltar que o uso ou não das novas tecnologias não é o ponto maior da era digital. A EaD é uma modalidade da Edu- cação que surgiu muito antes da própria internet, e discute-se aqui a necessidade da formação continuada para que os professores saibam fazer uso desta modalidade de ensino. Portanto, nosso foco é expressar a compreensão necessária por parte do professor acerca das possibi- lidades de uso da EaD, incluindo metodologias de ensino remoto e as novas tecnologias digitais disponíveis, as quais levarão os docentes

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para além das práticas de atividades de linguagem falada e escrita e a consequente atuação eficiente na promoção da aprendizagem integral dos estudantes.

coNSidErAÇÕES

As discussões apresentadas neste capítulo são um recorte de re- sultados de pesquisa em andamento, por meio do grupo de pesquisa Movimentos Docentes, e fruto de um trabalho de conclusão de curso de pós-graduação. Deste modo, reconhecendo a perspectiva da formação continuada enquanto toda ação docente que é instrumentalizada pela reflexão, investigação e construção de novos saberes, e que (re)orien- tam o trabalho docente, buscou-se aqui provocar e levantar reflexões acerca da necessidade de um novo perfil profissional que o professor deve assumir, onde refletir sobre sua prática é processo vital ao tentar desmistificar as estratégias de ensino em eaD.

Como apontado, há dois grandes desafios para a formação conti- nuada no país, o primeiro é relacionado às políticas públicas – portanto, função do estado; já o segundo parte dos docentes em manifestar não só disposição, mas engajamento nas muitas ações oferecidas pelas centenas de instituições no país. Quanto a eaD, também há vários desafios pela frente, entre eles se destaca a facilidade de baixos inves- timentos e retornos elevados por parte da rede privada, o que afeta a qualidade da educação oferecida, neste caso cabe destacar a função do estado enquanto órgão regulador para assegurar a qualidade da edu- cação. outro grande desafio, e este ficou mais evidente neste período de pandemia, é adequar a proposta pedagógica das instituições e dos cursos às necessidades e condições reais dos estudantes.

Sobre este último, ressalta-se que a natureza dos processos for- mativos das instituições não se restringem a conceber o conhecimento como algo acabado. No que se refere a modalidade eaD é preciso consi- derar que o professor desempenha um papel fundamental na interme- diação, facilitação e avaliação dos resultados e desempenhos obtidos pelos estudantes; isto sem adentrar no campo do desenvolvimento de conteúdo, material instrucional, design educacional, etc. Portanto, observamos na EaD um caminho para uma educação ampla e ativa, repleta de possibilidades e igualmente de desafios, focada de um lado, no conhecimento científico e no mundo do trabalho, na profissionali- zação e, de outro, no desenvolvimento da reflexão crítica, da autonomia e proatividade e na liberdade, conforme preconiza Freire (1987).

o aspecto geral que observamos na eaD é um contraponto à educação tradicional, embora se reconheça aqui que atualmente há grande oferta de oportunidades que fazem uso da modalidade, mas que não fazem jus a qualidade necessária à formação. Nos tempos atuais, o capitalismo tende a reforçar uma educação baseada em conteúdo, tecnicista, mas os próprios efeitos da globalização pedem uma nova educação, uma educação transformadora.

E neste conjunto de processos o professor não se constitui como mero telespectador. ele é figura principal na conexão dos estudantes com o mundo em que vivem. e daí a importância do desenvolvimento pessoal e profissional por meio da formação continuada, como posto por Libâneo (2004), na formação inicial os professores iniciam sua trajetória e construção dos conhecimentos e habilidades necessárias ao exercício da docência, mas a consolidação dessas habilidades e a construção desses conhecimentos seguirão na formação continuada, de forma inacabada por toda a carreira docente, e deverá seguir se aperfeiçoando, construindo e reconstruindo-se na medida em que o professor constrói sua identidade profissional.

rEfErêNciAS

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MEdiação PEdaGÓGica E sociEdadE