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A Política de Segurança e a Percepção de Ameaças na América Latina durante o governo Bush

Capítulo 3: A Política Exterior dos EUA para o Hemisfério Ocidental no período pós

3.2 Os EUA, a distribuição de poder global e a América do Sul durante o governo de George W Bush

3.2.1 A Política de Segurança e a Percepção de Ameaças na América Latina durante o governo Bush

Assim como no plano global, as ameaças transnacionais foram o foco principal de atenção na América Latina durante os governos de George W. Bush. A região era vista como uma área de paz, porém com riscos iminentes. O foco da estratégia de segurança estava no crime organizado, especialmente o tráfico de drogas e, a partir de 2002, no combate ao terrorismo, transladando a guerra global ao terror para a esfera regional. Na Revisão Quadrienal da Defesa Nacional de 2001, o Departamento de Defesa descrevia da seguinte forma o ambiente estratégico regional:

Embora o Hemisfério Ocidental permaneça em grande parte em paz, existe o perigo de que crises ou insurreições, particularmente dentro da região andina, se espalhem pelas fronteiras, desestabilizem os países vizinhos e coloquem em risco interesses econômicos e políticos dos EUA (DEPARTMENT OF DEFENSE, 2001, p. 5, tradução livre).

32Durante o segundo mandato de Bush, houve uma mudança no time de Política Exterior.

Condoleeza Rice deixou o NSC para assumir o Departamento de Estado, Robert Gates e Stephen Hadley assumiram, respectivamente o DoD e o NSC. Thomas Shannon narra que sua nomeação como Secretário de Estado Assistente foi decorrente da ida de Condoleeza Rice para o Departamento de Estado, que o convidou para a posição de Secretário Assistente (SHANNON, entrevista concedida à autora em 22/02/2019).

A estratégia de segurança nacional de 2002 afirmava que os EUA trabalhariam pelo avanço da democracia na região, destacando os fóruns multilaterais hemisféricos e a existência de “coalizões flexíveis” com o México, Brasil, Canadá, Chile e Colômbia. A aliança com a Colômbia era ressaltada e entendida como central para combater as conexões entre o tráfico de drogas e as organizações vistas como terroristas – ELN, FARC e AUC (THE WHITE HOUSE, 2002). A parceria com o Brasil também era destacada no âmbito do departamento de Estado, pelo peso do país na América do Sul. O Secretário Assistente Roger Noriega descreve a construção de laços políticos e econômicos estreitos com o Brasil como uma forma de promover objetivos mais amplos na região (NORIEGA; COMMITTEE ON FOREIGN RELATIONS OF THE U.S. SENATE, 2003).

Em 2006, a estratégia de segurança nacional voltava a ressaltar a importância da democracia e da cooperação em segurança, destacando o hemisfério como uma primeira linha de defesa dos EUA. A ascensão de governos que defendiam pautas econômicas heterodoxas era apesentada como um risco, afirmando-se que “não se deve permitir que o apelo enganoso do populismo anti-livre mercado corroa as liberdades políticas e aprisione os mais pobres do Hemisfério em ciclos de pobreza” (THE WHITE HOUSE, 2006, p. 37). Nesse sentido, percebe- se uma vinculação muito clara entre democracia e livre-mercado nas concepções dos formuladores de política estadunidenses. Por fim, o documento apontava quatro linhas de atuação estratégica dos EUA no Hemisfério: melhorar a segurança, reforçar as instituições democráticas, promover a prosperidade e investir nas pessoas.

Essas linhas foram articuladas pelo Secretário de Estado Assistente, Roger Noriega, em audiência ao Congresso. Com relação à segurança, a atuação dos EUA estava baseada no fortalecimento das forças locais para o combate às ameaças transnacionais, buscando também gerar capacidades para que atuassem em operações de contraterrorismo e missões de paz da ONU ao redor do globo (NORIEGA, 2005). Noriega também destacava as conexões entre as Américas, através do movimento de pessoas e mercadorias e apontava a vulnerabilidade do continente ao crime “de todos os tipos e dimensões” e ao terrorismo (NORIEGA, 2004).

Com relação à democracia, destacava a importância de aprimorar o império das leis, promover transparência, accountability e defender os direitos humanos. Nesse quesito, Venezuela, Haiti, Nicarágua e Bolívia eram apontados como casos preocupantes. Do ponto de vista da promoção de prosperidade econômica, argumentava-se sobre a necessidade de reformas de mercado, da abertura econômica e do livre-comércio. O liberalismo era apresentado como resposta para os problemas de desenvolvimento social que assolam a região. Por fim, no

que se refere ao pilar investir nas pessoas, aconselhava-se a promoção de políticas sociais específicas, especialmente nas áreas de saúde básica e educação (NORIEGA, 2005).

Os quatro eixos centrais da política regional dos EUA continuaram presentes durante a gestão de Thommas Shannon como Secretário Assistente para o Hemisfério Ocidental, com algumas adaptações. Durante sua gestão, os temas da pobreza e da desigualdade social eram mais ressaltados. Contudo, a democracia e o livre mercado eram apontados como formas de lidar com tais problemas e promover o desenvolvimento. De acordo com Shannon, a região estava passando pela emergência de uma visão alternativa e competidora sobre o desenvolvimento econômico e social, baseada em economia centralizada, em detrimento de liberdades e direitos individuais (SUBCOMITEE ON THE WESTERN HEMISPHERE, 2007). Em sua percepção, tal visão tenderia ao fracasso.

A ênfase no neoliberalismo era reforçada por uma crítica à forma como havia sido adotado na América Latina. Não se criticava o modelo como um todo, que era entendido como benéfico, mas a sua implementação. A crítica recaía sobre a não realização de reformas de segunda geração e na existência de níveis elevados de corrupção. De acordo com Noriega, “onde as políticas de livre mercado ficaram aquém das expectativas, é principalmente devido a distorções feitas pelo homem, reformas incompletas, corrupção, excesso de regulamentação ou discriminação” (NORIEGA, 2004). Assim, percebe-se no posicionamento dos Estados Unidos um instinto de exportar soluções universais – calcadas especialmente no livre-mercado – que seriam fontes de desenvolvimento à América Latina. A Política Exterior do país é movida por um instinto de incentivar políticas econômicas, com o objetivo de influir na organização nacional dos países latino-americanos, promover o livre-mercado e a diminuição do papel do Estado nas economias nacionais.

Nesse ponto, surgia uma clivagem entre a potência e os movimentos sociais e eleitores latino-americanos, os quais, ao logo da década de 2000, elegeram líderes de esquerda e centro- esquerda que prometiam alternativas33 ao referido modelo econômico, que era fortemente

associado à imagem dos Estados Unidos. A falta de prospostas estadunidenses para a questão da pobreza e desigualdade produziram diferenças de perspectivas em relação a líderes latino- americanos, que pregavam políticas exteriores mais autônomas e que rejeitavam – parcial ou totalmente – o modelo desenvolvido em Washington (VANDERBUSH, 2009). O desedenho dos EUA às alternativas ao neoliberalismo, considerado apenas como populismo e

33 Até que ponto um novo modelo foi implementado é uma discussão importante; no entanto, a mudança em

irresponsabilidade, e a oposição a governos que buscavam aumentar o peso do Estado na economia apenas agravou o cenário de tensões regionais. Na América do Sul, as grandes exceções a tais tendências foram a Colômbia e, em certa medida, o Chile e o Peru – que mantiveram governos de vertente liberal e forte parceria com os EUA durante a maior parte do período, com menor questionamento ao neoliberalismo e forte cooperação militar.

No campo da Defesa, os anuais discursos do Comandante do SOUTHCOM ao Senado dos EUA, no marco da aprovação do orçamento da agência, são um importante indicador da evolução da percepção estadunidense sobre ameaças presentes e provenientes da América Latina. Durante todos os anos do governo Bush (2001-2008) os responsáveis pelo Comando Sul identificaram o tráfico de drogas como uma ameaça à região e, a partir de 2002, o terrorismo (Tabela 1).

A ascensão de governos com orientações protecionistas no plano econômico foi crescentemente descrita como um desafio, sendo em 2004 citada como uma ameaça. Os representantes do SOUTHCOM apontavam essa tendência política como um risco para a democracia no Hemisfério Ocidental, ressaltando o potencial de degradação das instituições democráticas por governos eleitos democraticamente (U.S. SOUTHERN COMMAND, 2004). Também reconheciam que tal situação era conectada com as dificuldades econômicas e de desenvolvimento enfrentadas pela região, que levavam os eleitores a buscarem soluções mais radicais, possibilitando a adoção de “políticas econômicas não ortodoxas e não provadas” (U.S. SOUTHERN COMMAND, 2007, p. 6, tradução nossa).

A eleição de líderes que questionavam o livre mercado era vista com maiores preocupações por sua conexão com políticas exteriores de tendências antiamericanas. Esse fator impactava na implementação da missão do SOUTHCOM de ser “o parceiro preferencial” entre os países da região, através da promoção de iniciativas para gerar cooperação entre os militares, como conferências, treinamentos e exercícios conjuntos34.

34 Nesse momento, o desafio principal era visto como a ascensão de tais líderes. Embora a possibilidade de

incursões de outros poderes tenha sido destacada nos discursos de alguns anos (2005, 2006 e 2008), o foco principal estava nas dinâmicas internas da América Latina e no desgaste da cooperação militar interamericana. A crescente presença chinesa era vista como uma nova dinâmica, que deveria ser monitorada, e a presença do Irã era vista com maior desconfiança – uma vez que era percebida como conectada ao financiamento à grupos listados como terroristas, especialmente o Hezbollah (U.S. SOUTHERN COMMAND, 2007, 2008). No entanto, o foco principal estava nas lideranças latino-americanas.

Essa dinâmica tornou-se mais dramática a partir de 2005, quando o governo venezuelano começou a colocar maiores entraves à cooperação militar com os EUA (U.S. SOUTHERN COMMAND, 2006). Confrontados com esse cenário, a estratégia do

Tabela 1: Percepções de ameaças pelos Comandantes do SOUTHCOM (2001-2008)

Ano Comandante Ameaças percebidas Potências citadas

como desafios 2001 General Peter Pace Migração Ilegal

Tráfico de armas Crime e corrupção Tráfico de drogas ilegais

2002 General Garry D.,

Speer

Terrorismo

Tráfico de Drogas e amoras Migração ilegal

Crime organizado internacional

2003 General James T. Hill Terrorismo e narco-terrorismo Tráfico de drogas Tráfico de armas 2004 General James T. Hill Narco-terroristas

Gangues urbanas e outros grupos armados ilegais

Grupos islâmicos radicais na região Populismo radical 2005 General Bantz J. Craddock Terrorismo Transnacional Narco-terrorismo Tráfico ilegal

Falsificação e lavagem de dinheiro Sequestros Gangues urbanas Movimentos radicais Desastres naturais Migração massiva China 2006 General Bantz J. Craddock Tráficos ilícitos Gangues urbanas Sequestros Criminosos Narco-terroristas China 2007 Admiral James G. Stavridis Crime Gangues

Tráfico de drogas ilegais Terrorismo

2008 Admiral James G.

Stavridis Crime Gangues

Tráfico e uso de drogas

SOUTHCOM era buscar preservar os laços com os militares, continuando os convites para treinamentos e exercícios. Como apontado em 2007:

[...] temos a tarefa complicada de manter relações de trabalho com as forças de segurança de uma nação em face de liderança política antagônica e tentativas de espalhar pontos de vista e influência antiamericanos. Esta situação exacerba a já difícil missão de alcançar a cooperação regional para enfrentar os desafios transnacionais (U.S. SOUTHERN COMMAND, 2007, p. 6, tradução livre).

Além do populismo, o crime organizado e o terrorismo eram apresentados como fatores que impactavam no ambiente estratégico. Os comandantes do SOUTHCOM percebiam ligações entre o crime organizado transnacional – especialmente o tráfico de drogas – e o terrorismo, afirmando que os traficantes estariam promovendo financiamento e apoio logístico e financeiro aos terroristas (U.S. SOUTHERN COMMAND, 2002, 2004). Cabe destacar que os comandantes descreviam sua atividade como um suporte à guerra global ao terror (U.S. SOUTHERN COMMAND, 2002, 2005, 2007).

Havia dois focos de preocupação distintos: os Andes, especialmente a Colômbia, e a Tríplice Fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai. No primeiro caso, a ameaça era vista como proveniente de organizações locais listadas como terroristas – as FARC, o ELN, a AUC na Colômbia e o Sendero Luminoso, no Equador. O SOUTHCOM apontava que tais organizações eram financiadas pelo tráfico de drogas e munidas pelo tráfico de armas. Para descrevê-las, o termo narco-terrorismo foi cunhado e, para detê-las, a parceria com a Colômbia era central.

Outro foco refere-se à Tríplice Fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai, onde eram identificadas fontes de financiamento a organizações terroristas internacionais: o libanês Hezbollah, o palestino HAMAS, e o egípcio Islamic Gama’at35 (U.S. SOUTHERN

COMMAND, 2002, 2004, 2008). Nesse caso, também se identificavam conexões entre tais dinâmicas e o crime organizado internacional, uma vez que – conforme os depoimentos dos comandantes do SOUTHCOM36 – o financiamento dirigido a tais organizações era proveniente

de tráfico de drogas, armas, contrabando, falsificação de documentos e cópias ilegais de produtos com direitos autorais (U.S. SOUTHERN COMMAND, 2002). A possibilidade de que tal região – assim como outras na América Latina – fossem usadas como safe haves para os terroristas também foi destacada nos depoimentos (U.S. SOUTHERN COMMAND, 2005).

35 Cabe ressaltar as diferenças nas concepções sobre terrorismo. No que se refere ao Hezbollah e ao Hamas, por

exemplo, cabe ressaltar que os mesmos não são reconhecidos como organizações terroristas pelo governo brasileiro (FERREIRA, 2010).

36 A existência de financiamento ao terrorismo não era reconhecida pelo governo brasileiro, que admitia a

existência de crime organizado e lavagem de dinheiro na região, mas não o financiamento ao terrorismo (FERREIRA, 2010).

Para lidar com tal situação, os governos de Brasil, Argentina e Paraguai convidaram os EUA para participarem de um mecanismo de cooperação multilateral ad-hoc, conhecido como 3+1.

Cabe ressaltar que a existência de localidades com baixa governabilidade era vista como uma situação que possibilitava a emergência de lugares de refúgio [save havens] aos terroristas. O caminho principal para lidar com tais questões era, portanto, o fortalecimento da presença estatal – especialmente de sua face repressiva, por meio do das agências militares e de segurança. Destacava-se assim o papel do SOUTHCOM como uma agência que deveria contribuir para o desenvolvimento de capacidades locais na América do Sul. A colaboração dos países sul-americanos era vista como essencial para conter tais ameaças:

A continuidade da globalização e a difusão do conhecimento de alta tecnologia tornaram evidente que os Estados Unidos não podem garantir sozinhos a sua defesa. Trabalhando sozinhos, não podemos impedir que os traficantes de drogas penetrem em nossas fronteiras; nem podemos localizar e neutralizar ameaças terroristas no exterior sem parceiros capazes dispostos a cooperar conosco. O engajamento persistente possibilitará a construção de boa vontade, porém também precisamos identificar os déficits de capacidade destes parceiros e gastar recursos de maneira flexível para construir capacidade de segurança regional. Tão importante quanto isso, precisamos ser capazes de resolver rapidamente as deficiências dos principais parceiros para enfrentar as ameaças transnacionais emergentes (U.S. SOUTHERN COMMAND, 2008, p. 37 e 38, tradução nossa)

Combater o terrorismo era visto como articulado ao combate de seu financiamento e, portanto, medidas para impedir a lavagem de dinheiro e promover maior segurança bancária eram entendidas como essenciais:

Forjamos um esforço integrado com outras agências do governo dos Estados Unidos e nações parceiras para derrotar os terroristas e seus apoiadores; interditar seus meios, incluindo tráfico de drogas, tráfico de armas, lavagem de dinheiro e apoio financeiro; e eliminar sua liberdade de movimento prendendo e processando seus funcionários corruptos, interrompendo o comércio de documentos falsos e interditando a migração ilegal (U.S. SOUTHERN COMMAND, 2002, tradução nossa)

Havia também reconhecimento de que os problemas transnacionais intrínsecos à América Latina demandavam medidas amplas, integrais, que envolvessem diversas agências estatais. Reconhecia-se que tais problemas tinham origens na pobreza e desigualdade social e que medidas sociais deveriam ser implementadas, assim como políticas que gerassem crescimento econômico. Como ressaltado em 2006:

Nós, no Comando Sul dos EUA, reconhecemos que nem todos os problemas e soluções são de natureza militar. Os militares podem ajudar a produzir as condições necessárias para criar um ambiente seguro e protegido. A região precisa de outros agentes de reforma, inclusive aqueles com programas políticos, econômicos e sociais que melhorem a qualidade de vida de todos os cidadãos do hemisfério. Uma abordagem eficaz requer um esforço integrado a longo prazo (U.S. SOUTHERN COMMAND, 2006)

Por outro lado, ressaltava-se a necessidade de uma “abordagem interinstitucional que preenchesse a lacuna entre o papel militar de detecção e monitoramento e o papel de interdição

e apreensão da força policial” (U.S. SOUTHERN COMMAND, 2008). A estratégia proposta –

especialmente a partir da gestão de James Stadvids (2007-2009) no SOUTHCOM – enfatizava iniciativas interagências, unindo forças militares e policiais. Reconhecia-se que em alguns países os militares eram chamados para dar suporte às funções das agências policiais devido a falta treinamento policial adequado (U.S. SOUTHERN COMMAND, 2007). Portanto, os militares eram vistos como uma peça significativa – em alguns casos necessária – para o combate ao crime organizado.

Assim, durante esse período, os EUA atuaram no sentido de incentivar a presença de militares no combate ao tráfico de drogas e às insurgências, especialmente pelo aumento de verbas repassadas através do Departamento de Defesa, da identificação do narcotráfico e grupos violentos como questões de segurança nacional e da promoção de tais temas nas instituições multilaterais hemisféricas37 (ISACSON, 2015; SAINT-PIERRE, 2011; TOKATLIAN, 2015).

Nesse sentido, Isacson (2015) destaca que o combate ao narcotráfico foi uma forma de os militares dos EUA manterem-se próximos de seus homólogos latino-americanos após o fim da Guerra Fria, mantendo os programas de assistência e treinamento. O autor aponta também as diferenças nos papéis assumidos pelos militares estadunidenses, cujo envolvimento em questões internas é bastante restrito, e o encorajamento do envolvimento dos militares latino- americanos em papéis internos.

Essa abordagem de combate ao crime organizado, aceitando um papel para as Forças Armadas e indicando um caminho repressivo de combate ao tráfico de drogas gerava clivagens nos EUA e na América Latina. Acadêmicos e movimentos de direitos humanos tem ressaltado a falência do modelo, com suas consequências negativas nos campos de direitos humanos e a sua ineficiência em razão dos baixos impactos na quantidade ou preço das drogas que chegam aos EUA (BUXTON, 2011; EMERSON, 2010; ISACSON, 2016; RODRIGUES, 2012). Cabe ressaltar que a criminalização das drogas e o modelo repressivo de combate à elas – considerando-as como um problema de segurança e não como uma questão social ou de saúde – é uma visão fomentada pelos EUA, que atuou historicamente pela produção de um regime

37 O incentivo não significava, necessariamente, uma demanda de que os militares fossem responsáveis pelo

combate ao crime organizado. Fatores internos também serviam como pressão para que os militares se envolvessem em tais questões. Como será abordado no Capítulo 4, a cooperação com as forças policiais argentinas, por exemplo, manteve-se constante durante o governo de Néstor Kirchner, respeitando-se a decisão do país de não envolver os militares em questões internas.

internacional proibicionista no que se refere às drogas (ANDREAS; NADELMANN, 2006; PEREIRA, 2015; RODRIGUES, 2012; TOKATLIAN, 2015).

Por outro lado, o regime proibicionista de combate às drogas é apoiado pelas forças policiais e militares, tanto nos EUA como na América Latina. Na avaliação de Tokatlian (2015), apesar de a pressão e a chantagem dos EUA ser uma condição necessária, não é suficiente para explicar a adoção e manutenção do programa na América Latina. Segundo ele, os militares e policiais latino-americanos, enquanto corporação tronaram-se “viciados na guerra às drogas” (TOKATILIAN, 2015, p. 71). Na mesma direção, Rodrigues aponta que

a adesão por parte dos países latino-americanos [à guerra às drogas] não foi uma mera sujeição à agenda de segurança hemisférica estadunidense. Ao contrário, as intenções dos EUA encontraram pontos de conexão em cada país que aderiu ao proibicionismo (RODRIGUES, 2012, p. 23).

Assim, durante a primeira década do século XXI, grande parte dos países da América do Sul continuaram a receber assistência militar e/ou policial dos EUA referente ao combate às drogas e ao crime organizado – em um ponto de sinergia com a potência em meio a atritos no plano mais geral. A ênfase em tais questões era vista como benéfica pelas corporações policiais e – em alguns casos militares – do Hemisfério Ocidental. Tais atores, sendo centrais na formulação e implementação de políticas de segurança, criavam sinergias com os Estados Unidos e pontos de encontro. Assim, embora tenham avançado no plano diplomático, a busca de políticas alternativas para a questão das drogas teve poucos avanços no plano efetivo das políticas públicas. De forma geral, os militares passaram a ter maiores atribuições internas na América Latina durante os anos 2000 e as recomendações dos EUA no campo da segurança foram seguidas.

3.2.2 A estratégia dos EUA frente à presença de poderes externos na região durante o