• Nenhum resultado encontrado

Resignação e resistência a ordem internacional: Carlos Escudé e Robert Co

Capítulo 1 Assimetria, Subordinação e Autonomia nas Relações Internacionais

1.2 Resignação e resistência a ordem internacional: Carlos Escudé e Robert Co

Em “El realismo de los Estados débiles: la Políica Exterior del Gobierno Menem frente a la teoria de las Relaciones Internacionales”, Carlos Escudé (1995) busca entender porque alguns Estados da periferia perseguem políticas que vão ao contrário dos incentivos sistêmicos. O autor parte do pressuposto de que a confrontação da ordem por países débeis gera custos que são impostos por meio de sanções, explícitas ou encobertas, que podem ocorrer no campo econômico mesmo que o desafio seja no campo da segurança internacional.

Tais sanções geram custos para os países débeis em termos de desenvolvimento e de bem- estar e, no largo prazo, são prejudiciais em termos de poder relativo. Por essa razão, a maioria dos Estados da periferia não desafia o centro. Contudo, na visão de Escudé (1995), os regimes ditatoriais têm menores restrições internas para seguir determinadas políticas de desafio, mesmo que causem sofrimento à população. Através da mobilização de sentimentos nacionalistas, tais governos conseguem garantir o apoio de certas elites às políticas de confrontação.

Escudé (1995, p. 81) argumenta que o sistema internacional é melhor caracterizado pela noção de hierarquia, incipiente e imperfeita, especialmente do ponto de vista da segurança internacional e das relações entre Estados fortes e débeis. A anarquia estaria limitada às grandes potências e aos Estados rebeldes, que desafiam a ordem. Assim, o autor divide o sistema internacional em três categorias de Estados: 1) os que mandam, as grandes potências, 2) os que obedecem, aqueles que se adequam à ordem e 3) os rebeldes, que fazem um jogo de poder curto e arriscado. Em suas palavras,

ainda que uma estrutura de anarquia prevaleça entre elas, as grandes potências tendem a governar sobre os Estados relativamente débeis em matéria de paz e segurança, ao mesmo tempo em que alguns Estados débeis cujos governos não são sensíveis ao sofrimento potencial de sua população e que não baseiam suas estratégias de cálculo no largo prazo [...] se rebelam contra este comando e tendem a jogar um papel desestabilizador em assuntos mundiais, compartindo de tal forma a anarquia. Estes últimos Estados são equivalentes de máfias ou delinquentes em sociedades particulares (ESCUDÉ, 1995, p.105, tradução livre).

O autor aponta que, mesmo no plano estritamente jurídico, a igualdade não está presente nas relações internacionais, pois existem normas que criam categorias de Estados. O Direito Internacional reconhece Estados com responsabilidades e possibilidades maiores, como aqueles que fazem parte do Conselho de Segurança da ONU e aqueles que têm permissão para possuir armas nucleares a partir de tratados internacionais. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, houve o reconhecimento da “desigualdade jurídica” por meio do oligopólio exercido pelo Conselho de Segurança da ONU e pelos países detentores de armas nucleares.

Escudé (1995) defende que há também hierarquia entre as instituições internacionais. Em sua concepção, as Organizações Internacionais relevantes são aquelas que condizem com os interesses dos Estados poderosos, que refletem as realidades de poder. As instituições que não refletem a distribuição de poder perdem efetividade. Em sua concepção, o Conselho de Segurança da ONU importa, mas a Assembleia Geral, onde os débeis conseguem impor sua visão, carece de efetividade. O fato de que os Estados débeis consigam ganhos nas organizações internacionais não afeta a realidade de poder e tampouco coloca custos à agência das grandes potências (ESCUDÉ, 1995, p.200-202).

Normativamente, o autor propõe uma Política Exterior de resignação à ordem internacional, pois as resistências trariam custos. Os conflitos com as potências deveriam limitar-se a questões econômicas, nas quais estivessem em jogo perdas materiais tangíveis. Nos âmbitos da segurança e da política internacional, os desafios de países débeis tenderiam a ser inócuos, sem resultados benéficos e com custos importantes. O único caminho para os países periféricos seria o crescimento econômico, pois apenas assim haveria incremento de poder relativo. Na visão do autor, a resignação e o apoio à potência seriam funcionais e levariam ao aumento dos investimentos externos, o que contribuiria para a prosperidade econômica.

Contudo, esse raciocínio esbarra em uma questão principal: as regras internacionais foram criadas pelas grandes potências de acordo com seus interesses e servem a elas, não incorporando as necessidades dos países periféricos. Portanto, são os grandes poderes que se beneficiam da ordem internacional, enquanto as necessidades de crescimento econômico dos países periféricos não são consideradas pelas normas, podendo inclusive ser prejudicada por elas (COX, 1981; GILPIN, 1981; LAKE, 2009, CHANG, 2004).

As normas têm como objetivo a manutenção do status quo e, consequentemente, a contenção do crescimento de novas potências, promovendo um “congelamento do poder internacional” (ARAÚJO CASTRO, 1972). As grandes potências, apesar das rivalidades entre elas, coincidem em sua resistência às demandas dos países em desenvolvimento, tanto em termos militares quanto econômicos (CRUZ, 2007). Tal congelamento de poder não diz respeito apenas às posições políticas das grandes potências, mas decorre das estruturas produtivas e da divisão internacional do trabalho, que estabelece uma estrutura produtiva pouco adequada para a defesa nacional dos países periféricos. Escudé (1995) propõe aos países periféricos, portanto, resignação a uma ordem internacional que lhes é desfavorável e entende que não há possibilidade de resistência ou modificação do contexto a partir de uma posição de debilidade. Ao contrário de Escudé (1995), Cox (1981) entende ser possível e necessário aos países mais fracos resistirem à ordem, tendo em vista que a mesma contém intrinsecamente relações

de domínio e exploração material. Para Cox (1981), é possível resistir às pressões da configuração de forças no plano internacional e buscar modificá-la, o que se bem-sucedido incorreria em uma estrutura rival, emergente e alternativa. Para Cox, a coordenação entre forças políticas de países periféricos poderia gerar o poder necessário a uma contra hegemonia, ou seja, “uma visão coerente de uma ordem mundial alternativa, apoiada por uma concentração de poder suficiente para manter o desafio aos países centrais” (COX, 1981, p. 237, tradução livre).

Cox (1981) argumenta que para entender a estrutura histórica é necessário integrar à análise capacidades materiais, ideias e instituições.Além de capacidade material, é necessária uma ideologia que apresente uma noção de interesse geral para dominar sem criar maiores resistências. As instituições servem ao exercício da hegemonia e certas concessões são feitas para que a liderança seja aceita e para a promoção de uma a concepção de bem geral, conforme definido pelos mais poderosos. Contudo, as instituições tendem a tomar vida própria e podem tornar-se um campo de disputas entre tendências opostas.

Por outro lado, podem também tornar-se um estímulo à criação de instituições rivais que, quando sustentadas por poder material, tornam-se contra hegemônicas. Nesse sentido, não é surpreendente constatar que, contemporaneamente, os países emergentes tendam a criar instituições e articulações próprias, como é o caso da Organização para a Cooperação de Xangai (OCX), que reúne China, Rússia e países da Ásia Central, e o Fórum BRICS, que articula Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Para Cox (1981, p. 141, tradução livre), a ordem internacional é constituída por “um padrão de interação entre forças sociais, no qual os Estados possuem um papel intermediário, mas não autônomo” entre forças sociais internacionais e locais. Assim, o Estado é influenciado tanto pelas relações de força internas quanto pelas relações de forças externas. A Política Exterior é determinada pela configuração da ordem internacional e também pelo complexo Estado-sociedade. As forças sociais se estruturam e são resultantes dos modos de produção, sendo que as modificações na organização produtiva levam a mudanças na estrutura dos Estados. Nesse sentido, os interesses não são “estatais”, mas são determinados pela sociedade civil, interpenetrada no Estado. O poder é visto como um produto de relações sociais, ao invés de apresentado como um dado.

Nessa concepção, o exercício do imperialismo pode ocorrer de diferentes formas, parcialmente hegemônicas e consensuais, mas refere-se em última instância a relações de poder e subordinação. Para o autor, a Pax Ammericanna era hegemônica durante a Guerra Fria, tendo sido sustentada pela capacidade material dos Estados Unidos, por instituições e pela ideologia liberal e gerava consenso entre os países que não eram parte da zona de influência soviética.

Contudo, o consenso era mais precário na periferia, onde o uso da força era relativamente aberto e as intervenções mais constantes. Consequentemente, a contestação à hegemonia apareceu primeiro nas regiões periféricas (COX, 1981, p. 230). Cox (1981) entende que a correlação de forças não determina as ações, mas impõe pressões e constrangimentos. Assim, existe possibilidades de atuação para os países periféricos, que podem resistir a ordem e buscar sua transformação; embora, como ressaltado por Escudé (1995), estejam sujeitos a custos e sanções. No próximo tópico, discutiremos as possibilidades de política exterior dos países débeis.