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c Presença do Estado: escola, posto de saúde e demais agências

Capítulo 2: Penhkár

2.2. c Presença do Estado: escola, posto de saúde e demais agências

A TI Rio da Várzea conta com uma “escola indígena intercultural”, a Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Francisco Kajeró. O ensino nessa escola é considerado diferenciado, principalmente devido às aulas bilíngües (kaingang-português) e pelo conteúdo curricular cujo conteúdo abrange, além das disciplinas obrigatórias presentes nas escolas não-indígenas, aulas específicas de “cultura indígena”, como a disciplina de “artes kaingang”.

Com aproximadamente 170 alunos matriculados, a escola Francisco Kajeró possui ensino fundamental completo, mas vem passando por ampliações: além da educação infantil, recém implantada, conta-se com um projeto para implantação do ensino médio64. Por enquanto, os alunos kaingang que terminam o ensino fundamental continuam o ensino médio na escolas públicas estaduais de Liberato Salzano. Nota-se também que nos últimos anos vêm crescendo o número de indígenas que procuram formação superior em cidades vizinhas.

A escola mostrou-se progressivamente um lócus profícuo para reflexões: sendo a ponte de contato direto com políticas públicas estaduais, municipais e federais, os acionamentos ali realizados

63 O trabalho é considerado pelos indígenas bastante penoso, principalmente por passarem pouco tempo em casa. Uma vez que trabalham 10 horas diárias, somando 3 horas de viagem de ida e de volta, restam-lhes 8 horas livres ao dia. Percebo que os indígenas, no geral, trabalham nestes locais por períodos curtos; enquanto estive entre eles, notei um número expressivo de demissões, havendo por outro lado muitas novas admissões.

64 Em junho deste mesmo ano (2011), foi inaugurado o novo prédio da escola. Essa nova instalação conta com 4 salas, biblioteca, sala de informática, sala dos professores, cozinha e um amplo espaço recreativo. No entanto, ainda não conta com acesso à internet, uma vez que a distância da área indígena dos centros urbanos e seu difícil acesso inviabilizam sua instalação.

afetavam diretamente a oferta e a distribuição de empregos entre os indígenas. Além disso, questões ligadas ao calendário escolar, ao conteúdo das aulas e à forma de ministrá-las apontavam para algumas divergências de interesses (principalmente entre fóg e indígenas), o que acaba explicitando posicionamentos, percepções e diversas formas de conflitos e ‘parcerias’ entre os atores envolvidos.

Na TI Rio da Várzea, como na maioria das terras indígenas oficialmente reconhecidas no Brasil, conta-se também com atendimento diferenciado à saúde. O posto de saúde em Rio da Várzea, construído em 2002, é mantido atualmente pela SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena do Rio Grande do Sul, que substituiu a FUNASA nas recentes reformulações no sistema de saúde indígena). Conta com uma equipe formada por um médico, uma dentista, uma enfermeira, uma técnica de enfermagem, duas agentes indígenas de saúde indígena e um agente indígena de saneamento - de acordo com o padrão do Programa de Saúde à Família (PSF). De forma semelhante à escola, o posto de saúde trouxe questões muito importantes a respeito das intersecções entre o sistema público de saúde e a população indígena de Rio da Várzea. Conflitos ligados aos horários de atendimento, à distribuição de remédios (queixas, de ambas as partes, de escassez da provisão de remédios pela FUNASA), ao uso irregular dos remédios pelos indígenas, à troca de funcionários, entre outros, faziam parte do cotidiano.

Os Kaingang de Rio da Várzea elegem algumas pessoas- que geralmente já participam da liderança, ou que são parentes próximos de algum indígena que dela faz parte- para formarem o Conselho de Saúde Indígena e o Conselho de Educação Indígena. Esses conselhos foram criados para que, principalmente nas reuniões realizadas com os funcionários locais e com os demais agentes públicos de saúde e de educação (secretários do Conselho Regional de Educação65, fiscais da FUNASA/ SESAI, vereadores, prefeitos e demais políticos, entre outros), seus representantes apresentem as demandas, defendam os direitos e exponham os interesses da ‘comunidade indígena’. No caso, o presidente do Conselho Escolar é o próprio cacique Antônio Moreira, sendo a vice-presidente do Conselho de Saúde sua irmã, Sandra Moreira. O ‘coronel’ José Pinto (cf. adiante) ocupa o cargo de presidente do Conselho de Saúde, e é também o presidente do CPM (Círculo de Pais e Mestres, criado para discutir assuntos escolares entre os pais dos alunos e os professores). Em todas as reuniões realizadas na

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escola e no posto de saúde esses conselheiros estão presentes. Por conseguinte, todas as decisões devem passar pelo conhecimento prévio da liderança, assim como pela autorização do cacique.

Dentre essas formas de organização paralelas à liderança local, destaca-se também a recentemente fundada Associação Indígena Rio da Várzea. Por estabelecer-se como pessoa jurídica, a criação dessa associação teve como objetivo - segundo o cacique e outros membros da liderança - facilitar os trâmites jurídicos e a acessibilidade aos projetos sócio-culturais, às políticas públicas, ao recebimento de recursos financeiros de ONGs e demais instituições ligadas ao indigenismo66. A associação não possui sede e vem aos poucos se estruturando dentro da área indígena. Deve-se notar que a atual presidente é Adriana Pinto, filha do ‘coronel’ José Pinto.

À parte do sistema educacional e de saúde, o acesso às políticas públicas, comum a todos os indígenas, é representado principalmente pela Bolsa Família e pela distribuição de cestas básicas fornecidas pela FUNAI. Um número expressivo de grupos familiares têm nesses incentivos governamentais sua principal forma de sustento. Segundo diversos indígenas a distribuição de cestas básicas é feita de forma bastante irregular, havendo constantes reclamações a respeito da periodicidade das entregas e da qualidade dos produtos distribuídos. A retirada de algumas bolsas família fica no controle de moradores de Rodeio Bonito, geralmente taxistas ou donos de mercado. O valor retirado é repassado aos indígenas, mas geralmente já é todo gasto com os serviços dos próprios mediadores (os principais gastos dos indígenas são com serviços de taxi e com compras nos mercados).

Minha pesquisa de campo foi realizada durante o período pré- eletivo para a presidência: mais especificamente, quando disputavam, para o segundo turno, Serra (PSDB) e Dilma (PT). A preferência por Dilma era unânime entre os indígenas de Rio da Várzea, os motivos para essas preferências sendo ligados principalmente à oferta de cestas básicas e bolsas família: ‘se a Dilma não ganhar, eles vão cortar nossas cestas e nossas bolsas. O PT tem sido bom pros índios, e tem arranjado recurso. Se a Dilma conseguir ser que nem o Lula, vai ser bom pra nós’- disse-me um professor indígena. Em muitas casas dos kaingang que entrava, via pôsteres da presidenta Dilma; e não era raro presenciar os indígenas assistindo à propaganda eleitoral. Deve-se notar que, por outro lado, a maioria dos moradores de Rodeio Bonito com quem pude

66 Como o CIMI (Conselho Indigenista Missionário); o COMIN (Conselho de Missão entre Índios) e o INKA (Instituto Kaingang).

conversar – dentre os quais alguns funcionários que trabalham na TIRV- era a favor de Serra.