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Capítulo 2: Penhkár

2.2. b Do que vivem: economia e alimentação

A agricultura mostra-se como uma das atividades econômicas de maior importância desenvolvidas pelos kaingang de Penhkár. Milho [ ] e feijão [regró] são os principais produtos cultivados nas roças, mas contam-se também com pequenas plantações de abóbora, mandioca, amendoim, pepino, chuchu, banana e com algumas hortas de alface e demais hortaliças ao redor das casas59. O tamanho das roças varia de 1 a 10 ha, sendo que as maiores áreas de cultivo são destinadas

58 Cf., por exemplo, Tommasino (1995); Veiga (1994, 2000) e Fernandes (1998, 2003). 59 Grande parte das sementes - principalmente de milho e feijão- é fornecida pela FUNAI, assim como os insumos agrícolas. O arado é feito tanto manualmente, quanto pela tração de animais, ou ainda (raras vezes) pelo trator manejado pelo funcionário contratado pela FUNAI.

àqueles que vivem a mais tempo na área; note-se que cabe também à liderança decidir sobre a distribuição das terras cultiváveis no interior da TI entre os grupos familiares.

O trabalho agrícola geralmente organiza-se por grupos domésticos, liderados por um casal, geralmente o mais velho. A essa forma de organização soma-se a prática do ‘puxirão’, também conhecida como ‘ajutório’, que consiste na reunião de diversos homens de diferentes grupos domésticos para colheita ou preparo da terra. Nota-se também que não são raros os casos em que apenas as mulheres são responsáveis pelo manejo da terra: isso ocorre quando, por exemplo, o marido possui algum emprego (dentro ou fora da TI), ou ocupa algum cargo na liderança local.

Parte dos produtos cultivados pelos indígenas é vendida em mercados de Rodeio Bonito. No entanto, além de uma atividade econômica, trata-se a agricultura primeiramente de uma atividade de subsistência: muitos indígenas cultivam apenas para consumo próprio (ou, como costumam dizer, ‘para o gasto’) ou para o sustento de seus animais de criação. No período de colheita, é também bastante comum a prática de doação dos produtos cultivados como presente, principalmente aos ‘parentes’, ou a pessoas próximas. Enquanto estive lá, diversas vezes ganhei milhos verdes, chuchus, abóboras, alface, frutas. Em alguns casos, apenas por ter realizado uma visita residencial; em outros, por ter levado fotografias, também de presente60.

Os kaingang de Penhkár consomem feijão e arroz, acompanhado de alguma carne e salada, cotidianamente. Tais alimentos são também adquiridos através de cestas básicas e de compras em supermercados. Com o milho, constata-se uma ampla variedade de receitas e formas de consumo: com o pilão faz-se canjica e o pisé, com o bagaço de milho verde ralado, faz-se uma espécie de pão fermentado conhecido como rygrár; com a farinha cozinha-se o emỹ61

. Consomem também, com bastante freqüência, pipoca, conhecida como . Tradicionalmente, fazia-se uma bebida fermentada com o milho, uma garapa à qual dão o nome de kafé. O milho é também servido cozido, no acompanhamento

60 A troca de presentes durante minha estadia foi bastante significativa: as pessoas que presenteei davam-me em troca cestos, colares, pulseiras e anéis, geralmente feitos por elas mesmas.

61 As paçocas, as canjicas e alimentos feitos com farinhas de milho confeccionadas pelos próprios indígenas são chamadas de ‘comida grossa’. Em contrapartida, o arroz branco, a farinha de trigo, e demais alimentos comprados ou recebidos ‘dos brancos’ são chamados de ‘comida fina’.

de carnes; um dos modos preferidos de seu consumo, no entanto, é assando-o na brasa.

A criação de animais aparece como uma atividade bastante ligada ao cultivo do milho, uma vez que grande parte do que é coletado é destinado à alimentação dos mesmos. Geralmente, quem planta milho em Rio da Várzea também cria galinhas e porcos, sendo também encontrados, com menor freqüência, criações de bois, gansos, patos e quatis. Voltarei a tratar das relações com esses animais no próximo capítulo, quando traço paralelos entre esse tipo de ‘criação’ com as relações de filiação.

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O artesanato, que é também das atividades econômicas de maior importância ali, é feito principalmente com a taquara [v n] -espécie de bambu amplamente encontrada na região-, e representa uma significativa fonte de renda para a maioria dos grupos familiares. Geralmente feito por mulheres, o trabalho artesanal encontra maior expressividade na cestaria. Divide-se em etapas: após a colheita da taquara, encontrada em regiões específicas ‘do mato’62, as mulheres dedicam-se a ‘estalar’, processo esse de afilamento das fibras da taquara – a qual dizem ser a parte mais árdua do trabalho. Posteriormente, tingem os filamentos com anilina, para finalmente trançá-los. Os cestos são vendidos geralmente em cidades grandes, como Santa Maria e Porto Alegre, principalmente em períodos festivos, como a Páscoa e o Natal. São também amplamente vendidos nas ‘colônias’- pequenos municípios de potencial agrícola- onde os indígenas alojam-se em acampamentos para exporem seus produtos. Além da taquara, são utilizados o cipó-são- João, o cipó guaimbé e diversos tipos de semente, para a feitura de colares, pulseiras, chapéus, arcos e flechas e adornos em geral.

Se durante os meses de dezembro e janeiro a área indígena fica bastante vazia devido às saídas para venda de artesanato em grandes centros urbanos, colônias e em cidades litorâneas, no período subseqüente grande contingente de indígenas (homens) desloca-se da TI para trabalhar na colheita de grandes plantações -principalmente de alho, maçã e uva- nas regiões próximas a Caxias e Vacaria (RS). Essas atividades representam importante fonte de renda anual para grande parte dos indígenas.

62 Deve-se destacar a abundância de matéria-prima no ‘mato’ de Rio da Várzea; dessa forma, não é raro encontrar indígenas de outras áreas indo até ali para coletar taquara e cipós, nos períodos de intensa atividade artesanal.

Deve-se acrescentar que também vem crescendo o número de empregados em grandes indústrias da cidade de Chapecó (SC), maior centro urbano próximo à TIRV. No momento de minha pesquisa, cerca de 40 indígenas trabalhavam na Sadia e na Bondio, ambas indústrias frigoríficas, com salários que variavam de 600 a 800 reais63. Existem também os empregos fornecidos na própria área indígena, sendo, por isso, os preferenciais: tais seriam os de professor bilíngüe, faxineira, fiscal, servente, auxiliar de merenda, entre outros ligados à escola e ao posto de saúde.

2.2.c. Presença do Estado: escola, posto de saúde e demais agências