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2. SUPER-HERÓIS: UM GÊNERO TRANSTEXTUAL

2.3. Fases, eras e ciclos

2.3.3. Ressaca nas páginas, aurora nas telas

A Era de Bronze dos super-heróis nos quadrinhos começou como consequência dos anos anteriores. Sendo essa a fase de refinamento do gênero, não há muitas novas criações nesse período, mas sim um aprofundamento dos conceitos já existentes (COOGAN, 2006, p. 212). É nesse período também que a cronologia se retarda e os anacronismos da temporalidade dos super-heróis se tornam mais evidentes, afinal o foco agora é explorar mais cuidadosamente o universo estabelecido nos anos anteriores. O avanço frenético da Era de Prata dá uma pausa para que as histórias reflitam sobre o que as convenções enfatizadas na fase clássica trazem de consequências para as tramas: o lado mais difícil de ser humano.

De acordo com Michael Uslan (2015), na Era de Bronze a inocência dos super- heróis se foi. O Superman consegue neutralizar seu ponto fraco, a kryptonita, mas em troca tem

seus poderes reduzidos à metade; o melhor amigo de Peter Parker, Harry Osborn, se torna viciado em drogas, bem como o sidekick do Arqueiro Verde, Roy Harper/Ricardito; o Homem de Ferro se afunda no alcoolismo e o Homem-Aranha é corresponsável pela morte de sua namorada, Gwen Stacy.

No final da década de 1970, porém, a luz no fim do túnel escuro que os super-heróis traçavam acendeu no cinema. Em meio aos avanços tecnológicos e ao apelo comercial da indústria hollywoodiana da época, a fase experimental dos filmes de super-heróis finalmente iria começar.

Em Superman: O Filme (Superman, Richard Donner, 1978), o ator Christopher Reeve encarnou pela primeira vez o filho de Krypton em uma superprodução repleta de efeitos especiais que se tornou o primeiro grande filme de super-heróis. O Superman do cinema pouco tinha a ver com o tom dramático de sua contraparte nos quadrinhos da época. A versão cinematográfica comemorava os 40 anos do personagem, apresentando-o para as novas gerações como uma revisão da sua origem na Era de Ouro. O otimismo e a fantasia conferiram aos filmes do Superman um tom onírico intensificado pelas inovadoras técnicas que permitiam a tradução dos superpoderes do personagem no cinema com realismo inédito. Com uma ampla campanha de marketing e exibições mundiais, Superman: O Filme arrecadou impressionantes US$ 55 milhões em bilheteria44 e garantiu três continuações lançadas em 1980, 1983 e 1987, fazendo parte da primeira onda de blockbusters (GORDON; JANCOVICH; MCALLISTER, 2010, p. 110).

Figura 18 – Christopher Reeve voa no cinema como o Superman.

Fonte: Superman (1978).

Aliando as convenções estabelecidas nos quadrinhos de super-heróis com a tecnologia do cinema comercial, a fase inaugurada pelos filmes do Superman pode ser considerada como o marco inicial de um gênero de filmes de super-heróis, influenciando várias outras produções nos anos seguintes. Certamente, uma das maiores influências recairia sobre a concorrência. Sean Howe (2013) reforça o quanto Stan Lee e a Marvel Comics insistiam desde a Era de Prata que os seus personagens teriam um futuro promissor no cinema, mas isso demorou para acontecer. Quando Superman: O Filme estreou, as produções em audiovisual da Marvel se restringiam a séries de TV em live-action de seus personagens. Entre elas, destacamos O Incrível Hulk (1977-82), O Espetacular Homem-Aranha (1977-79) e Capitão

América (1979).

Enveredar no cinema, sobretudo em meio às superproduções, demandaria investimentos mais altos. À essa altura, a DC Comics já era subsidiária da Warner Bros. Entertainment, que foi responsável pela era dos heróis DC no cinema. Já a Marvel estava às voltas com a incorporação à companhia Cadence Industries e posteriormente à New World Enternainment, ambas não muito atenciosas ao potencial dos super-heróis no cinema, o que levou a editora a anunciar nos jornais a venda dos direitos de seus personagens para que estúdios hollywoodianos produzissem filmes baseados neles, sem muito sucesso (HOWE, 2013, p. 230). Como os licenciamentos ou não aconteciam ou os projetos anunciados com entusiasmo simplesmente não iam para frente,45 a Marvel resolveu insistir em planos de criar a sua própria divisão cinematográfica para negociar diretamente com os estúdios, a Marvel Productions, liderada por Stan Lee, que disparou: "Se alguém vai destruir esses personagens, é melhor que sejamos nós mesmos" (LEE apud HOWE, 2013, p. 246).

Mas a fase experimental dos filmes de super-heróis definitivamente era da DC. Quando a quadrilogia do Superman foi concluída, a Warner emplacou Batman (Tim Burton, 1989), levando para o cinema uma versão mais sombria e gótica do personagem, bem diferente da comicidade presente nas produções televisivas dos anos 1960. Enquanto isso, a Marvel amargava resultados insatisfatórios com os filmes arranjados pela Marvel Productions, como

Howard, O Super-Herói (Howard, the Duck, George Lucas, 1986) – versão cinematográfica do

pato superpoderoso nonsense criado por Steve Gerber em 1973 – e O Justiceiro (The Punisher,

45 Em 1982, a Marvel Productions já havia negociado com estúdios de Hollywood e anunciado filmes do Capitão

América, Demolidor, Doutor Estranho, Luke Cage, Tocha Humana, Quarteto Fantástico e X-Men. Porém, todos os projetos foram engavetados por muito tempo, frustrando os objetivos cinematográficos de Stan Lee. (HOWE, 2013, p. 278)

Mark Goldblatt, 1989) – anti-herói violento que utiliza armas de fogo contra seus inimigos apresentado nos quadrinhos em 1974 por Gerry Conway, Ross Andy e John Romita.

O filme do Batman também ganhou continuações diante dos excelentes resultados de público e crítica. Tim Burton dirigiu a segunda parte da série, Batman: O Retorno (Batman

Returns, 1989), mas foi substituído por Joel Schumacher depois de acusações de que estaria

levando para o cinema uma versão violenta e sensual demais do personagem – revelando então o processo de estabelecimento de uma importante convenção dos filmes super-heróis: a sua adequação ao público infantil. Schumacher dirigiu Batman Eternamente (Batman Forever, 1995) e Batman e Robin (Batman and Robin, 1997), filme que encerra a quadrilogia do Homem- Morcego e também a fase experimental dos filmes de super-heróis, correspondendo ao que Schatz (1981) prevê como a confirmação do estabelecimento das convenções do gênero, a produção de paródias – Batman e Robin gerou controvérsia por satirizar o universo que começou a franquia sendo retratado com forte peso dramático, trazendo agora elementos caricaturais do herói de Gotham City, como o “bat-cartão de crédito” e outros.

Figura 19 – O “bat-cartão de crédito” utilizado em Batman e Robin, 1997.

Fonte: Batman & Robin (1997).