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2 SÍNDROME DE REALIMENTAÇÃO E DESNUTRIÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS

SÍNDROME DA REALIMENTAÇÃO: UM OLHAR INTERDISCIPLINAR SOBRE UM QUADRO NEGLIGENCIADO

2 SÍNDROME DE REALIMENTAÇÃO E DESNUTRIÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS

A Síndrome da Realimentação (SR) é, ainda hoje, pouco conhecida entre os profissionais de saúde. Tal síndrome foi, inicialmente, descrita após a II Guerra Mundial, quando os sobreviventes que, após longos períodos em jejum, ao serem realimentados, principalmente com carboidratos, apresentavam alterações clínicas e evoluíam ao óbito em poucos dias (CALDAS; ALVES, 2015). Ainda hoje, a SR é um quadro pode ocorrer em qualquer lugar, qualquer pessoa, de qualquer idade, com depleção nutricional, submetida a privação alimentar por qualquer motivo, seja por inapetência, greve de fome, refugiados, entre outas situações (CASTRO, 2012). Entretanto, devido ao pouco conhecimento do tema e, como consequência disso, os pacientes em risco não são identificados, monitorados e, quando desenvolvem a SR, não são tratados adequadamente (VIANA; BURGOS; SILVA, 2012).

A principal etiologia da SR é a desnutrição (CASTRO et al., 2018; CASTRO; MARTINEZ, 2018), que no mundo possui alta prevalência (LIRKLAND et al., 2013), assim como na América Latina, sendo predominante em idosos.

1Carvalho (2018). Disponível em:

A desnutrição hospitalar foi oficialmente reconhecida por Butterworth (1974) na

década de 1970 como um problema a ser valorizado pelos profissionais de saúde, porém estudos semelhantes comprovam o desconhecimento e pouca resolutividade (DO NASCIMENTO et al., 2017). Mesmo com toda evolução tecnológica no campo da saúde, observa-se que 36,8% de pacientes internados por mais de sete dias – principalmente os mais críticos – apresentam SR provavelmente por inadequada triagem e intervenção nutricional (CALDAS; ALVES, 2015).

Nas unidades de terapia intensiva (UTI) encontramos a maior prevalência de desnutrição com perda de massa muscular (PUTHUCHEARY et al., 2013). Portanto, local de maior instabilidade para um paciente desenvolver a SR em situações onde o risco não foi devidamente avaliado e existe fácil acesso às infusões endovenosas de glicose, que possui absorção mais rápida e mais potencializada em comparação a via oral (MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2012).

No Brasil, em 2001, foi realizado um importante estudo chamado IBRANUTRI com 4.000 adultos hospitalizados no qual foi identificado 48,1% dos pacientes em desnutrição (WAITZERG; CAIAFFA; CORREIA, 2001). Novos estudos surgiram apontando aumento nos índices de desnutrição hospitalar para 69,7%, porém o diagnóstico foi confirmado apenas em 13,9% dos pacientes internados no Brasil (CORREIA; PERMAN; WAITZBERG, 2017).

Na região da Baixada Santista, cidade de Santos, São Paulo, local onde foi realizada a pesquisa de origem do presente capítulo, até o momento, não estão disponíveis dados sobre desnutrição em adultos, o que torna ainda mais relevante a busca de informações sobre condições que levem ao risco do desenvolvimento da SR.

Nesse sentido, é fundamental que o profissional de saúde seja capaz de identificar risco de desnutrição, ou a desnutrição propriamente dita, que pode levar à SR, com uma abordagem cuidadosa dos conceitos e práticas envolvidas nessa temática. Deste modo torna-se importante abordar primeiramente sobre desnutrição, jejum e posteriormente, SR.

O termo “desnutrição” tem sido usado para definir um estado em que o indivíduo carece de uma quantidade adequada de calorias, proteínas ou outros nutrientes para o desenvolvimento, manutenção e recuperar funções do organismo. A desnutrição pode ser classificada pela perda de: peso, nutrientes, atrofia de órgão e alterações de valores bioquímicos.

E o seu reconhecimento, da desnutrição, pode ser feito através de sinais e sintomas como: cabelo sem brilho, seco, despigmentado e fácil de arrancar, seborreia nasolabial, edema de face; alterações psicomotoras, fraqueza, formigamento e edema de mão, pés entre outros (MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2012).

O índice de massa corporal (IMC) é outro fator importante para essa identificação, principalmente quando abaixo de 18,5 kg/m2, assim como a perda de peso involuntária maior

que 10% do peso habitual, num período de ter a seis meses e diminuição na circunferência da panturrilha são indicativos de depleção nutricional. No sangue do nível da proteína C reativa, também conhecida pela sigla PCR, assim como a interleucina-6, que são proteínas relacionadas ao processo inflamatório em curso, também ficam elevados na desnutrição. A hemoglobina abaixo de 12 g/dL e albumina menor que 3,2 g/d são encontrados nos exames laboratoriais (MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2012).

Em pessoas com desnutrição tipo khwaskiokor ou mista, observa-se clinicamente sinais de edema de extremidades e face, motivo, pelo qual, nem todo indivíduo com risco para desenvolver SR apresenta uma aparência emagrecida (MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2012), o que pode ser um fator que gera confusão nos processos de diagnóstico de risco para SR.

Uma questão fundamental a ser destacada neste trabalho é que durante o jejum prolongado ocorre uma adaptação do organismo. Mesmo em situações onde o sujeito afetado se apresenta gravemente debilitado é preciso que toda intervenção interdisciplinar leve em conta processos de ordem clínica e bioquímica para não agravar a situação clínica do paciente. Sendo assim, em uma pessoa em deficiência nutricional – principalmente por deficiência de proteínas, com baixos níveis no sangue de glicose, eletrólitos e vitaminas – quando recebem carboidratos (principalmente glicose em até 72 horas), ocorre um aumento da insulina (CARUSO; SOUSA, 2014), que inibe a degradação das proteínas (proteólise), impedindo sua utilização para produção de albumina, causando baixa dos níveis séricos.

A degradação de carboidratos, adicionado a produção de energia induzida pela insulina, implica em maiores exigências de fosfato (precursor do fósforo) e tiamina, causando declínio dos níveis séricos, que já estavam deficientes (OLTHOF et al., 2018).

Na SR, a mobilização energética resulta em perda de massa muscular e perda intracelular dos eletrólitos, que em pessoas desnutridas, pode estar esgotada (VIANA; BURGOS; SILVA, 2012). A hipofosfatemia (menor que um mmol/L) surge em média próximo ao segundo dia da realimentação (CARUSO; SOUSA, 2014), o que podemos considerar como um sinal de alerta precoce para SR. Os sintomas clínicos, da SR, dependem do eletrólito mais deficiente, mesmo tendo recebido correção (CALDAS; ALVES, 2015).

Os dados sobre prevalência da SR são incertos e escassos, especialmente em função da dificuldade de detecção dos casos de risco de SR, o que nos faz refletir que os atuais métodos diagnósticos não são suficientemente definidos e efetivos nos serviços de saúde.

Diante do exposto, a identificação de pacientes em risco de SR se faz necessária, como nos critérios apresentados do Quadro 1, a seguir.

Quadro 1 – Critérios para identificação de condições de risco para desenvolvimento da síndrome de realimentação

Alterações Condição A

(um ou mais critérios)

Condição B (dois ou mais critérios) IMC = peso (kg)/altura (m2) < 16 kg/m2 < 18 kg/m2

Perda de peso involuntária entre 3

a 6 meses anteriores > 15% >10%

Número de dias com restrição de

nutrientes (alimentação) > 10 > 5 Outros fatores Diminuição dos níveis sanguíneos

de potássio, fósforo, magnésio

Histórico de abuso de álcool e outras drogas

Legenda: Condição A – o indivíduo apresenta um ou mais critérios para identificação.

Condição B – o indivíduo apresenta duas ou mais critérios para identificação. Fonte: Rio et al. (2013).

O diagnóstico para SR também pode ser feito com apenas três parâmetros de risco, com as seguintes alterações:

− Potássio sérico abaixo de 2.5 mmol/L; − Fósforo sérico abaixo de 0,32 mmol/L; − Magnésio menor que 0,5 mmol/L;

− Edema periférico ou aumento de líquidos no corpo;

− Disfunção de órgãos e sistemas, principalmente respiratórios (CALDAS; ALVES, 2015).

Os sinais e sintomas da SR estão diretamente relacionados com as alterações dos eletrólitos no sangue, e consequentemente, das manifestações clínicas destas alterações, como: rebaixamento do nível de consciência, convulsões, dificuldade na respiração, edema, alteração da glicemia, diarreia ou obstipação, arritmia cardíaca, contrações musculares involuntárias, insuficiência respiratória, falência cardíaca e morte (SILVA, 2013).

O ideal é que após a identificação de risco de depleção nutricional, por qualquer profissional de saúde, a Equipe Multiprofissional de Terapia Nutricional (EMTN), deve ser comunicada. No local onde foi realizada a pesquisa que deu origem a este capítulo, a EMTN realiza a identificação e usa como ferramenta de triagem para risco nutricional o Nutritional Risk

Screening 2002 – NRS, 2002 em pacientes adultos e internados (MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2012; BRASIL, 2016; BRASPEN/SBNPE, 2018).

Sendo assim, o cuidado interdisciplinar se faz necessário na identificação, assim como o acompanhamento, de todos os pacientes em jejum por mais de 48 horas. A verificação e acompanhamento do peso corporal é imprescindível a fim classificar o IMC, assim como detectar precocemente a perda de peso, auxiliar os cálculos das necessidades nutricionais e realizar o planejamento do plano terapêutico (TOLEDO et al., 2018a). A administração de nutrientes, em especial os carboidratos, deve conter quantidades moderadas, e a restrição de gordura e proteína é desnecessária (NEALIS; BUCHMAN, 2013).

No geral os pacientes em quadrosde magreza extrema causam comoção nos profissionais de saúde que realizam o atendimento. O desconhecimento sobre a SR, acrescido a dificuldade em diagnosticar pessoas quadros de desnutrição. Opostamente, pessoas com peso normal ou edemaciados, acrescido com a dificuldade de reconhecer quadros de desnutrição e o desconhecimento sobre a SR, podem levar a condutas que trazem maior risco – como a adoção de

ingesta intensa de calorias em uma tentativa compensatória – que podem, inclusive, levar a óbito.

As UTI são, reconhecidamente, locais das unidades de saúde onde estão pacientes mais graves, no qual o cuidado e intervenções costumam ser mais agressivos e técnicos. Sabe-se que esse contexto costuma gerar grande tensão e angústia, tanto para pacientes, familiares e profissionais de saúde (VILA; ROSSI, 2002). Tais aspectos precisam ser identificados e trabalhados de forma interdisciplinar, contribuindo, não apenas para a humanização do trabalho nesses contextos, mas, também, para permitir a construção de conhecimentos para a tomada de condutas preventivas e intervenções adequadas a fim de minimizar ou evitar a SR (CARVALHO et al., 2010).

Diante disso, a Terapia Nutricional (TN) que é um procedimento terapêutico, de alta complexidade, visando a identificação, recuperação e acompanhamento dos pacientes em risco ou em desnutrição, realiza a programação nutricional e faz intervenção, quando o paciente não atinge 75% das suas necessidades nutricionais com a alimentação convencional (MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2012; BRASIL, 1999; BRASIL, 2000).

Cabe, também destacar que a EMTN deverá atuar na TN e, além disso, promover ações de educação permanente (EP), prestando assistência aos pacientes internados em conjunto com

demais profissionais de saúde (CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA – SP, 2000).