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A Teoria de Redes Complexas (ALBERT, BARABÁSI, 2002; BOCCALETTI et al., 2006) – subárea da física-estatística, pesquisa operacional e matemática que modela as redes complexas – tem crescido constantemente como uma importante ferramenta através de uma ampla gama de disciplinas acadêmicas, com aplicações que vão da física às ciências sociais. Nas ciências sociais, a estrutura das relações existentes entre pessoas ou grupo de pessoas pode ser modelada por redes, e a caracterização das estruturas das redes sociais permite o entendimento das relações estabelecidas entre as pessoas.

A teoria das redes complexas oferece suporte para caracterização, análise e modelagem dos mais variados sistemas complexos. Um sistema é dito complexo, quando é formado por um conjunto de elementos interconectados e quando suas propriedades possuem características de: (1) emergência: a complexidade do todo é maior do que a complexidade da soma das partes; (2) auto- organização: o sistema se organiza sem um comando externo; e (3) universalidade: sistemas pertencentes à mesma classe possuem propriedades semelhantes (BAR- YAM, 1992). Exemplos de sistemas complexos incluem sistemas sociais, econômicos, biológicos e físicos.

Valendo-se da abordagem de redes complexas, uma vasta gama de sistemas presentes na natureza e na sociedade tem sido analisada, tais como: World Wide Web (que em português significa, "rede de alcance mundial"), redes de computadores conectados internet, redes de colaboração de atores, redes de colaboração científica, redes de contatos sexuais entre humanos, redes celulares, redes de citação, redes semânticas, redes de chamada de telefone, redes neurais, redes elétricas e tantas outras que apresentem uma estrutura topológica não trivial. (ALBERT, BARABÁSI, 2002)

Tradicionalmente, o estudo das redes complexas tem sido ancorado pela teoria dos grafos (ALBERT; BARABÁSI, 2002). Utiliza-se de métodos e medidas desenvolvidas pela teoria dos grafos, de conceitos provenientes da mecânica estatística, física não-linear, sistemas complexos (ALBERT, BARABÁSI, 1999; WATTS, STROGATZ, 1998) e simulação computacional para estudar diversos aspectos de redes, por exemplo as características topológicas.

A Teoria dos Grafos é um ramo de estudo que analisa as relações entre objetos de um determinado conjunto, através do emprego de estruturas chamadas

de grafos. “Um grafo G=(V, E) é uma estrutura matemática que consiste em dois conjuntos V (finito e não vazio) e E (relação binária sobre V). Os elementos de V são chamados vértices (ou nós) e os elementos de E são chamados arestas. Cada aresta tem um conjunto de um ou dois vértices associados a ela”. (GROSS e YELLEN, 1999, p. 2).

Historicamente, a Teoria dos Grafos teve sua origem através nos estudos de Leonhard Euler para resolver o problema das Pontes de Königsberg em 1736 (HOROWITZ, SAHNI, 1986). Königsberg, cidade da Prússia, no século XVIII, atual Kaliningrado, Rússia, dividia-se pelo rio Pregal em quatro porções de terra, ligadas através de sete pontes. O problema consistia em determinar se era possível realizar um único percurso que: (1) passasse por todas as sete pontes; (2) passasse apenas uma vez em cada uma das pontes; e (3) o percurso terminasse no mesmo lugar que começou. Para solucionar o problema Euler modelou o problema como um grafo, transformando pontes em arestas e suas intersecções em vértices. Através desse procedimento provou que não era possível fazer um caminho com essas características.

A resolução do problema das pontes de Königsberg é considerada como ponto de partida da Teoria dos Grafos, cujas medidas foram inicialmente empregadas para analisar a estrutura e as propriedades de redes pequenas e com alto grau de regularidade. “Teoria dos grafos tornou-se posteriormente uma atividade predominante na matemática pura e a noção de grafos tem uma longa história de aplicações em áreas tais como a química, física, as ciências sociais e ciência da computação”. (ESTRADA et al., 2010, p. 4).

No início da década de 20 do século XX, as ideias e técnicas desenvolvidas para o estudo dos grafos foram aplicadas à sociologia. Percebendo que um grupo de indivíduos pode ser representado enumerando os atores do grupo e suas relações mútuas, sociólogos começaram empregar a teoria dos grafos para descrever e analisar os padrões de relacionamentos (SCOTT, BAGGIO, COOPER, 2008, p. 2). Jacob Moreno, em meados de 1930, desenvolveu a sociometria para identificar a estrutura das relações em torno de uma pessoa, grupo ou organizações. Foi a partir das contribuições de Moreno (1934) que a Teoria de Redes Complexas vai se configurando.

No entanto, só a partir da evolução das ciências da complexidade9 em física, em meados do século XX, que se verificou uma expansão da Teoria de Redes Complexas. As redes, sociais ou não, passaram a ser examinadas usando técnicas e modelos que permitem classificá-las topologicamente. Entre tais modelos se destacam: o modelo de redes aleatórias; o modelo de Small World (i.e mundo pequeno) e o modelo Scale Free (i.e livre de escala).

O modelo de redes aleatórias proposto por Erdös e Rényi (1959, 1960) se constitui como uma base para teoria moderna das redes complexas. Esses autores idealizaram a forma de grafos aleatórios. “Um grafo aleatório é, como o próprio nome sugere, uma rede de nós conectados por laços de forma puramente aleatórias” (WATTS, 2009, p. 23). Ou seja, arestas não-direcionadas são adicionadas aleatoriamente, com uma probabilidade entre o número fixo de vértices.

Erdös e Rényi definem o grafo aleatório como um grafo com nós e com conexões escolhidas entre as ( ) conexões possíveis, de maneira aleatória (ALBERT, BARABÁSI, 2002, p.54). Como resultado, quando   e a conectividade média é mantida constante a distribuição de graus dessa rede tende a uma curva de Poisson. Além disso, o caminho médio nessas redes é pequeno, caindo com o logaritmo do tamanho da rede, , sendo ( ) o número médio de conexões na rede e o número de arestas.

Newman, Watts e Strogatz (2002, p. 2567) explicam que um vértice de um grafo aleatório encontra-se ligado com probabilidade ( ) igual com cada um dos outros vértices do grafo e consequentemente a probabilidade ( ) de que ele tenha um grau exatamente é dada pela distribuição binomial: ( ) ( ) ( ) .

Considerando que um grau médio de um vértice na rede é de ( ) . A probabilidade ( ) também pode ser dada por: ( ) ( ) * + * + , onde a última igualdade aproximada torna-se exatamente o limite de . Reconhecendo assim essa distribuição como Distribuição de Poisson. (NEWMAN, WATTS, STROGATZ, 2002, p. 2567).

9 Para uma discussão sobre conceitos de “ciência da complexidade”, ver os estudos de Phelan (2001) e de Luhman e Boje (2001).

Para Newman, Watts e Strogatz (2002) este modelo de rede é um dos mais simples que existe e é certamente o mais estudado. Desde sua concepção, os grafos aleatórios têm sido utilizados profundamente, apresentando-se como idealizações úteis para a compreensão das estruturas de redes genéticas, ecossistemas, propagação de doenças infecciosas e vírus de computador. (STROGATZ, 2001, p. 272). Na matemática discreta centenas de trabalhos têm discutido suas propriedades (NEWMAN, WATTS, STROGATZ, 2002).

No entanto, embora as redes aleatórias sejam úteis, muitas redes reais encontram-se entre os extremos de ordem e aleatoriedade. (STROGATZ, 2001, p. 272). Em outras palavras, não são completamente regulares e nem mesmo aleatórias, situam-se entre esses dois extremos. Isso faz com que o grafo aleatório, mesmo possuindo características desejáveis, seja uma aproximação limitada para as redes do mundo real. (NEWMAN, WATTS, STROGATZ, 2002).

Percebendo que o modelo Erdös-Rényi (ER) não satisfaz à descrição de redes reais e inspirado pelos experimentos de Milgram (1967), Travers e Milgram (1969) e outros, Watts (1999) mediu uma série de redes reais e comprovou que elas exibiam efeitos do fenômeno Small World.

O experimento de Milgram realizado em 1967 verificou através do envio de cartas10, que embora as pessoas não estejam conectadas entre si, elas são indiretamente ligadas por meio de poucos intermediários; e que no mundo, duas pessoas quaisquer estavam separadas por no máximo seis graus. Posteriormente, Travers e Milgram (1969) comprovando experimentalmente essa interligação demonstraram a viabilidade da técnica do mundo pequeno, dando um passo em direção a demonstração e medição de conexões em uma grande sociedade.

Portanto, o fenômeno Small World descreve o fato de que, apesar de possuírem tamanhos grandes, na maioria das redes existe uma distância geodésica relativamente curta entre dois vértices. A distância entre dois vértices é definida como o número de arestas existentes ao longo do caminho mínimo para conectá-los.

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Para medir a distância de separação entre um agente de Bolsa de Valores que residia na cidade de Boston, em Massachusetts de outras pessoas residentes no estado de Nebraska, Milgram selecionou arbitrariamente 296 indivíduos em Nebraska. Para cada um desses indivíduos Milgram entregou uma carta e os solicitou que a fizessem chegar ao agente da Bolsa. A condição era que as pessoas deveriam passar as cartas em mãos para outras pessoas conhecidas que fossem capazes de alcançar o destinatário. As cartas que chegaram ao destino (64 cartas) passaram por aproximadamente seis pessoas.

(ALBERT, BARABÁSI, 2002, p. 48). A expressão Small World sugere ainda que as redes sociais sejam, em certo sentido, fortemente entrelaçadas e cheias de vínculos inesperados que ligam indivíduos aparentemente distantes um do outro no espaço físico ou social. (TRAVERS, MILGRAM, 1969).

Após alguns experimentos, Watts e Strogatz (1998) quase trinta anos depois formalizaram matematicamente o efeito Small World que Milgram apresentou em 1967 e propusseram o Modelo Small World de Watts-Strogatz (em analogia ao fenômeno descoberto por Stanley Milgram). Trata-se de um modelo – alternativo aos grafos aleatórios – uniparametral que intercala entre uma estrutura finita dimensional ordenada e um grafo aleatório.

Esse modelo foi a primeira tentativa bem sucedida de gerar redes com alto coeficiente de aglomeração e caminhos mínimos (ALBERT, BARABÁSI, 2002). Para sua obtenção “inicia-se com uma rede regular formada por vértices ligados a vizinhos mais próximos em cada direção, totalizando conexões iniciais, sendo ( ) . A seguir, cada aresta é aleatoriamente reconectada com uma probabilidade fixa , que introduz o caráter aleatório à rede”. (RODRIGUES, 2007, p.19). A menor religação transforma a rede – quer seja em uma rede formada por apenas dois vértices (i.e nós) quer seja em uma rede aleatória formada por uma quantidade gintantesca de componentes – em um "mundo pequeno". (STROGATZ, 2001, p. 273).

Assim, os índices de caminho mínimo e de coeficientes de aglomeração são os principais elementos para caracterizar topologicamente uma rede como Small World. Diz-se que uma rede segue o modelo Small World quando a menor distância média entre nós (vértices) varia com o logaritmo do tamanho do sistema ( ) e o coeficiente de agrupamento for grande comparado com o a rede aleatória criada a partir no número de vértices ( ) e grau médio ( ) da rede real. (WATTS, STROGATZ, 1998; WATTS, 1999).

Entretanto, mesmo diante do caráter revolucionário do conceito small world, ele não é uma indicação de um tipo particular de organização. (ALBERT; BARABÁSI, 2002). Percebendo isso, em torno do mesmo tempo em que Watts e Strogatz (1998) desenvolviam suas pesquisas, Barabási e Albert (1999) observaram que a distribuição do grau médio de uma rede normalmente exibe uma relação de lei de potência, que a caracterizaria como uma rede Scale Free (i.e livre de escala). A

distribuição do grau médio é para esses autores uma propriedade que permite gerar uma teoria universal da evolução da rede.

Uma rede segue uma lei de potência quando poucos vértices encontram-se ligados a muitos outros vértices, e muitos vértices encontram-se ligados a poucos outros vértices. De tal forma que a distribuição de seus graus é dada por: ( ) , onde ( ) é a probabilidade de um vértice ter um grau , e γ é um número real maior que zero. (ALBERT, BARABÁSI, 2002).

Uma característica importante dos fenômenos que seguem a lei de potência é que, diferentemente da distribuição de conectividade das redes aleatórias que se ajusta a uma curva com pico bem definido, a distribuição de graus desse tipo de rede é que seu gráfico quando traçado em escala log – log ajusta-se a uma reta. O logaritmo de probabilidade versus o logaritmo do tamanho (gráfico log-log) mapeia o expoente – número que descreve como a distribuição muda em função da variável subjacente – de uma lei de potência. (WATTS, 2009).

Além disso, o modelo Watts-Strogatz (WS) assim como o modelo Erdös- Rényi (ER) não incorporam, segundo Barabási e Albert (1999), dois aspectos genéricos de redes reais: crescimento e adesão preferencial.

No que se refere ao primeiro aspecto, Barabási e Albert (1999) ponderam que ambos os modelos começam com um número fixo de vértices, que são, então, aleatoriamente ligados (modelo ER), ou reconectados (modelo WS), sem modificar . Enquanto as redes do mundo real estão mais abertas, elas se formam pela adição contínua de novos vértices para o sistema. Assim, o número de vértices, , aumenta ao longo do tempo de vida da rede. Por conseguinte, uma característica comum destes sistemas é que a rede se expande continuamente por meio da adição de novos vértices que são ligados aos vértices já presentes no sistema.

Quanto à conectividade, Barabási e Albert (1999) argumentam que os modelos de rede aleatória assumem que a probabilidade de que dois vértices sejam conectados é aleatória e uniforme. Em contraste, defendem que a maioria das redes reais apresenta adesão preferencial. A adesão preferencial é observada na medida em que um novo vértice, ao ser adicionado na rede, tende a conectar-se com os vértices mais conectados da rede. Assim, a probabilidade de um vértice já presente na rede ser escolhido é proporcional à sua conectividade.

Em síntese, a ideia fundamental do modelo livre de escala é que o crescimento da rede ocorre via o princípio da conectividade preferencial, justificando o aparecimento das características da lei de potência. Nesse modelo, as redes se expandem com a adição de novos vértices, e esses preferencialmente se conectam aos vértices com maiores graus de aglomeração. Essa característica implica redes com poucos vértices altamente conectados, denominados hubs, e muitos vértices com poucas conexões. (ALBERT, BARABÁSI, 2002).

Além do modelo de Barabási e Albert (BA), muitos outros foram propostos para aperfeiçoá-lo, por exemplo: Amaral et al. (2000); Dorogovtsev, Mendes e Samukhin (2000); e Krapivsky, Redner e Leyvraz. (2000).

Por fim, faz-se importante ressaltar que o estudo de redes complexas é um assunto multidisciplinar que abrange muitas áreas das ciências naturais, tecnológicas e sociais. A utilização dos gráficos para estudar os sistemas complexos não é nova. O estudo das redes sociais que pode ser um tipo de rede complexa, por exemplo, é uma disciplina com uma longa tradição em usar grafo e outras ferramentas da teoria de redes complexas para analisar as relações sociais. (ESTRADA et al., 2010).