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TEORIAS E MODELOS RELACIONADOS À MARCHA HUMANA

No documento Terapia manual.pdf (páginas 193-195)

Human gait: theories, muscular contributions, and clinical implications.

TEORIAS E MODELOS RELACIONADOS À MARCHA HUMANA

Teoria dos Seis Determinantes da Marcha

Uma das mais infl uentes teorias relacionadas à marcha humana foi proposta por Saunders et al. (9) e, por mais de quatro décadas, foi aceita como fato, apesar da ausência de confi rmações experimentais. A premis- sa da “Teoria dos seis determinantes da marcha” está relacionada à hipótese de ligação entre dois conceitos que tradicionalmente descrevem a marcha humana. O primeiro está relacionado à defi nição de marcha como meio de locomoção dos seres humanos para modifi car sua posição no espaço com menor gasto energético pos- sível. O segundo, por sua vez, descreve que minimizar o deslocamento do centro de massa seria o principal me- canismo para reduzir o esforço muscular durante a mar- cha (8,9). Embora o raciocínio que postule a hipótese seja aparentemente lógico e aceitável, as conclusões gera- das não são assertivas e evidências científi cas revelaram que alguns determinantes descritos – inclinação e rota- ção pélvica e manutenção da fl exão de joelho na fase de apoio – resultavam em mínima redução do deslocamen- to vertical do corpo e, consequentemente, em pouca in- fl uência na trajetória do centro de massa e no gasto energético (11,12).

Como exemplo é possível analisar a marcha carac- terística de determinadas crianças com paralisia cerebral que mantêm fl exionados os joelhos para permitir a loco- moção. Embora, dadas as características e adaptações teciduais do sistema musculoesquelético dessas crian- ças, esse seja o padrão adotado para permitir emergên- cia de marcha funcional, um alto gasto energético é ne- cessário para manter a locomoção em função de uma maior necessidade de geração de tensão ativa para sus- tentar o peso corporal e a, conseqüente, maior excursão angular do membro de balanço (8,13). Evidências adicio- nais demonstraram ainda que tentativas voluntárias de indivíduos saudáveis para controlar excursões angulares de segmentos corporais foram insignifi cantes para sua- vizar o deslocamento do centro de massa (14,15).

Essas tentativas de controlar o padrão de marcha humana baseando-se em alterações no deslocamento do centro de massa relacionadas aos seis determinan- tes da marcha humana resultaram similarmente em au- mentos consideráveis do gasto energético (16-18). Nesse contexto, Kuo e Donelan (8) propuseram que a “Teoria dos seis determinantes da marcha” seja analisada como hipótese ao invés de um fato, e as observações sejam, portanto, descritas como eventos cinemáticos, e não de- terminantes, da marcha humana. Essa análise direcio- na clínicos a não basearem intervenções em reabilitação por orientações de como o indivíduo deva caminhar, mas buscar compreender as defi ciências em estrutura e fun- ção do corpo que determinam a emergência de um ob-

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servado padrão de marcha ou modifi car fatores contex- tuais para otimizar a marcha do paciente.

Modelos de marcha humana

O modelo de pêndulo invertido foi uma das primei- ras tentativas para compreender a dinâmica da marcha humana com baixo gasto energético. O modelo discor- re que o membro inferior de apoio comporta-se como um pêndulo invertido capaz de conservar energia mecâ- nica não requerendo, em consequência, trabalho mus- cular para produzir movimento durante a marcha (8,12). Modelos avançados de marcha dinâmica reconhecem essa analogia ao pêndulo invertido como um importante avanço no conhecimento relacionado à redução do gasto energético durante a marcha.

De acordo com Kuo e Donelan (8), embora o mode- lo de pêndulo invertido seja capaz de explicar diferenças na variação de energia entre marcha e corrida, o mesmo não é capaz de quantitativamente explicar essa varia- ção em função da velocidade de marcha. A priori, o me- canismo de pêndulo invertido prediz que a marcha não requer trabalho ou outras forças ativas produzidas pelo sistema musculoesquelético. Dessa forma, uma vez ini- ciada a marcha, não haveria razões de gasto energéti- co para manutenção de um movimento que conservaria energia (2,8). Portanto, embora o modelo seja importan- te para compreender como a marcha humana pode ser econômica, não explica a necessidade de gasto energé- tico para sua manutenção.

Com o objetivo de incluir o gasto energético nas análises realizadas, os modelos de marcha dinâmica – defi nida como locomoção gerada eminentemente por propriedades passivas do sistema musculoesquelético na dinâmica de movimentação dos membros inferiores – avançaram na tentativa de explicar a necessidade de gasto energético durante a marcha. De acordo com Mc- Geer (19), a compreensão e coordenação da marcha hu- mana podem ser simplifi cadas por meio de vantagens provenientes da dinâmica passiva baseada em proprie- dades passivas do sistema e aproveitamento de ener- gia gravitacional. Modelos robóticos constituídos simu- lando tais propriedades do sistema musculoesqueléti- co foram capazes de descer rampas levemente inclina- das sem necessidade de controle ativo ou input extra de energia além da gravitacional. Entretanto, esses mode- los demonstraram, ainda, que a deambulação em su- perfícies planas requer alguma necessidade de input de energia adicional (2,20).

De acordo com Kuo (21), a adição de energia nessas condições é necessária apenas porque energia mecâni- ca é dissipada ao fi nal de cada passo quando o membro de referência toca o solo, em um mecanismo denomina- do colisão mecânica. Em princípio, a restauração dessa energia dissipada poderia ser executada em qualquer momento durante a marcha, mas modelos em compu-

tadores demonstraram que a estratégia mais efetiva é a reposição de energia por meio de impulso em fl exão plantar segundos antes da colisão mecânica do membro contralateral com o solo (2,8). Demonstrou-se, ainda, que os modelos que melhor mimetizavam a anatomia huma- na – tecido conectivo, interações e continuidade do te- cido muscular – em princípios de coordenação multi-ar- ticular, modulavam tamanho do passo e velocidade de marcha, sendo a primeira variável infl uenciada pelo im- pulso durante a fl exão plantar e a segunda por ajustes de rigidez no sistema (2,8). Os modelos propostos indi- cam como tendões e outros componentes conectivos, baseados em características viscoelásticas, são utiliza- dos durante a marcha inicialmente armazenando ener- gia e retornando-a ao sistema como energia mecânica. Nesse contexto, raciocínios clínicos direcionados à reabi- litação da marcha devem envolver avaliação não apenas dos componentes ativos, mas também da manutenção da capacidade das estruturas passivas em associação às ativas para lidar com a demanda imposta pela tarefa.

Na tentativa de interpretar como as forças atuam sobre as articulações durante o ciclo da marcha, a dinâ- mica inversa Newton-Euler é o método mais conhecido e comumente utilizado para avaliação da marcha. Esse método permite o cálculo dos momentos e potências ar- ticulares, e das forças intersegmentares resultantes (22) a partir de um modelo que considera pé, perna e coxa segmentos corporais rígidos conectados por articulações conjuntas (23). A força de reação do solo e as acelerações dos segmentos são inseridas nas equações de movimen- to Newton-Euler começando pelo pé e terminando pela coxa para obter os momentos articulares resultantes de tornozelo, joelho e quadril. Uma vantagem desse méto- do é que não é necessário criar um modelo dos segmen- tos proximais à coxa para calcular os momentos articu- lares resultantes de tornozelo, joelho e quadril, pois a ci- nética de segmentos como tronco e cabeça é incluída na força de reação do solo. Assim, a utilização dos momen- tos articulares resultantes obtidos a partir do método de dinâmica inversa possibilitou, até o momento, grandes avanços no entendimento de alterações presentes em indivíduos com disfunções musculoesqueléticas.

Apesar dos avanços obtidos, entendimento acerca da contribuição de grupos musculares ou músculos es- pecífi cos a partir da utilização do método de dinâmica inversa para geração de marcha humana é ainda limi- tado. Para tal, a contribuição instantânea de músculos individuais para a aceleração e potência dos segmen- tos deve ser obtida e as acelerações e potências gera- das pelos mesmos devem ser consistentes com o mo- vimento avaliado. Assim, diversos métodos (24-27) foram propostos para preencher essa lacuna. Dentre eles, mo- delos biomecânicos do sistema musculoesquelético as- sociados a simulações da atividade do sistema nervoso para ativação muscular apresentaram potencial para in-

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Marcha humana: teorias, contribuições musculares e implicações clínicas.

tegrar as propriedades estruturais em sistema neuro- músculo-esquelético e compreender como forças mus- culares individuais e suas interações contribuem para a aceleração dos segmentos, quando interpretados em uma perspectiva biomecânica independente de controle motor central (10,28). Esses modelos computacionais ca- pazes de reproduzir simulações da marcha humana tor- naram-se importantes ferramentas para compreensão da dinâmica muscular em função da incapacidade dos sistemas de análise de movimento para mensurar quan- tidades biomecânicas de forma direta (10,29).

Zajac et al. (10) conduziram um estudo visando com- preender a dinâmica muscular na marcha ajustando os padrões de ativação muscular para replicar dados expe- rimentais previamente coletados. Simulações dinâmicas que reproduziram a cinemática e cinética da marcha de indivíduos saudáveis, deambulando em velocidade equi- valente a 1,5 m/s, foram realizadas em um modelo neu- ro-músculo-esquelético composto por 14 músculos, ele- mentos elásticos e distribuição de massa equivalente à humana (10,30). Os resultados apresentados contradizem pressupostos clássicos assumidos em análises lineares indicando a transmissão de energia entre os segmentos e ação de músculos distais infl uenciando segmentos não diretamente relacionados à sua fi xação óssea.

Entre os principais resultados encontrados por Zajac et al (10) estão a contribuição dos fl exores plantares para suporte e progressão do tronco à frente durante a fase de apoio da marcha e a importância da energia elásti- ca armazenada por esse grupo muscular para a redução da quantidade de energia gerada durante a fase de im- pulsão. Apesar de tradicionalmente serem considerados músculos agonistas, gastrocnêmio e sóleo podem apre- sentar funções distintas das classicamente descritas du- rante a marcha. De acordo com Zajac et al (10), enquan- to a energia produzida por gastrocnêmio é destinada a acelerar coxa, perna e pé durante o apoio fi nal, o sóleo é responsável por acelerar o tronco à frente, tarefa que é realizada primariamente por meio de transferência da energia absorvida durante as fases iniciais do apoio. O método de análise empregado pelos autores foi capaz de demonstrar como músculos distais infl uenciam e con- trolam diretamente movimentos proximais, por meio de transmissão miofascial do fl uxo de energia no sistema músculo-esquelético. Clinicamente, torna-se relevante, portanto, uma análise do movimento não apenas local, mas considerar as infl uências distais e as interações no sistema. Além disso, foi demonstrado que para exerce- rem suas funções durante a fase de impulso, os fl exores plantares não precisam necessariamente gerar alta ten- são ativa por meio de elementos contráteis, pois grande parte da energia absorvida por eles durante a fase inicial de apoio unipodal é armazenada, principalmente no ten- dão e aponeurose calcanear, sendo convertida em ener- gia mecânica para permitir o avanço do membro.

Associado ao fato de que músculos ativos não ne- cessariamente representam músculos que estão geran- do energia, mas que podem estar contraindo apenas para transferir energia entre segmentos, e que grande parte da energia da marcha é proveniente do uso da di- nâmica passiva, esses achados sugerem que a ativação simultânea de músculos é necessária para permitir dis- tribuição de energia mecânica no sistema e garantir es- tabilidade dinâmica durante a marcha. Classicamente, o mecanismo de contrações musculares simultâneas tem sido descrito como patológico e representativo de inefi - ciência de função muscular ou alto gasto energético, en- tretanto esse mecanismo de co-ativação parece ser ne- cessário para obter estabilidade articular e coordenação do movimento (7,31). A ativação muscular permite ajustar o nível de rigidez muscular passiva garantindo distribui- ção adequada de energia mecânica e estabilidade dinâ- mica por meio de ajuste contínuo das propriedades do sistema musculoesquelético de acordo com as deman- das do ambiente, evitando que o mesmo se torne instá- vel. Dessa forma, a ativação muscular para o ajuste da rigidez envolve a utilização de fl uxo contínuo de infor- mações e estabilidade é um processo inerente à capa- cidade do sistema em se antecipar a perturbações du- rante a marcha (32,33). Intervenções direcionadas à reabi- litação da marcha devem, portanto, priorizar a integri- dade estrutural do sistema musculoesquelético favore- cendo aumento de mobilidade elástica, força e ajuste de rigidez, além de criar situações funcionais no ambiente terapêutico para permitir que o paciente explore as pro- priedades desse sistema - força, rigidez, massas e com- primentos segmentares, e informações extraídas do am- biente (13,32,34).

IMPLICAÇÕES CLÍNICAS E CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento Terapia manual.pdf (páginas 193-195)

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