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Com as mudanças no mercado de trabalho que envolvem o fechamento de postos de trabalho além das exigências de qualificação profissional, gerando maior competitividade e excluindo trabalhadores pouco qualificados, as ocupações informais têm sido uma saída para grande parcela da população, em especial, jovens pertencentes a famílias em vulnerabilidade socioeconômica. Sperotto et al. (2005) ressalta que o baixo crescimento econômico do país nos últimos anos reduziu a geração de novos postos de trabalho, fato que prejudicou a todos os trabalhadores, em especial os jovens, os quais pela baixa experiência, encontram maiores dificuldades na disputa pelas oportunidades de emprego. O autor segue pontuando que tal problemática culmina na falta de perspectiva para os jovens, os quais ficam às margens da sociedade regida pelo consumo, potencializando a violência, pois, os jovens que foram barrados do mercado de trabalho deparam-se com a frustração e revolta.

Tais jovens acabam submetendo-se a trabalhos informais, marcados pela precariedade nas condições de trabalho e remuneração, porém, mesmo as oportunidades informais mostram-se escassas, levando os jovens a buscar formas alternativas de inclusão laboral. Nas periferias, o tráfico de drogas se faz presente no dia a dia dos jovens, sendo para muitos uma ocupação laboral, a qual mesmo que ilegal, é responsável pela subsistência, acesso a bens de consumo e muitas vezes reconhecimento social. Destaca-se que o tráfico de drogas se caracteriza pela facilidade em agregar novos trabalhadores tendo em vista que não possui as

exigências de qualificação do mercado formal de trabalho (SENNETT, 1999). Mas pode-se questionar: O tráfico de drogas pode ser considerado uma forma de trabalho? Em resposta a isso, identifica-se nas publicações da OIT (1999), o tráfico de drogas como uma das piores formas de trabalho infantil a nível internacional, representando deste modo uma inclusão laboral pautada pelo risco e precariedade.

Assim, percebe-se um aumento progressivo na violência e delinquência juvenil, podendo ser estes meios para a visibilidade e reconhecimento os quais não foram possíveis por outros meios, haja vista que oportunidades de educação, lazer, esporte, entre outras, para além do trabalho, lhe foram negadas ou dificultadas. Deste modo, o tráfico de drogas se apresenta como uma solução rápida e tentadora de ascensão social, reconhecimento e acesso a bens. O tráfico de drogas é percebido como uma das atividades ilícitas em maior crescimento nas metrópoles brasileiras, sendo esta uma atividade marcada pela violência, seja ela interna, demarcando regras específicas do grupo ao qual se é aliciado, seja externa, em decorrência de atritos com outros grupos ou com a polícia (SOARES, 2006).

A relação entre juventudes e violência aponta para a questão da falta de perspectivas e projetos de vida, tanto de forma individual quanto coletiva, o que em geral é um fator de propensão para a submissão a situações de violência. Com vistas a isso, Ruzany e Meirelles (2009) refletem sobre a questão da inserção de jovens em quadrilhas, gangs, e demais agrupamentos onde estão propensos a realização de delitos por sua submissão a um comando de um líder. Apresentam ainda a problemática de jovens envolvidos com o tráfico de drogas nas regiões onde a incidência de vulnerabilidade social é territorial, em especial em favelas de grandes centros urbanos, onde a violência se instala de forma sistemática, em especial pelo controle de territórios, disputa de pontos de venda, ou mesmo vingança entre grupos.

Assim, os jovens residentes em territórios de maior vulnerabilidade social, especialmente onde o tráfico se faz presente no cotidiano, participam como agentes e vítimas, associando-se ao tráfico e aos grupos armados como forma de ascensão social rápida, visando além da inserção no mercado de consumo, o qual muitas vezes se torna inacessível de outras maneiras, a aceitação do grupo. Ainda, compõem esta estrutura os jovens que permanecem enquanto agentes passivos, vivenciando as relações estabelecidas pelo tráfico no dia a dia, não se associando de forma ativa nas atividades ilícitas, porém submissos a esta estrutura ao passo em que não são delatores, e buscam nos líderes do tráfico uma possível segurança para si e para sua família contra grupos de outras regiões e intervenções policiais (RUZANY; MEIRELLES, 2009).

Sobre tal exposição aos conflitos no território, advindos das relações estabelecidas pelo tráfico de drogas, os jovens referem sobre o cotidiano de brigas e ameaças que

presenciam nos percursos da moradia até a escola, até o curso de aprendizagem profissional, até o trabalho e outras atividades as quais se dedicam. Fica evidente que os jovens não se sentem seguros dentro do próprio território de residência, e que a mobilidade no território é comprometida pela insegurança de ir e vir. Destacando aqui a violação do direito ao território e mobilidade, além da violação ao direito à segurança pública. Abaixo segue trecho do diário de campo sobre o encontro realizado com o grupo de reflexão da Lefan no dia 25 de outubro de 2018:

Questionei os jovens sobre seus sentimentos em relação a conviver em territórios de grande incidência de situações de violência, crime e drogadição. Gustavo descreve: Eu sinto medo de passar lá na rua as vezes, principalmente na rua da Vanessa, a gente passa lá e toda hora tem gente brigando, não tem muito para onde fugir lá, tu corre pra um lado tem gente brigando, tu corre pro outro, também”. Vanessa concorda com a afirmação e refere “ali no parquinho tem briga sempre.

Oliveira e Marcier (2000), pontuam que o exército do tráfico de drogas é composto prioritariamente por jovens entre 10 e 25 anos, moradores de periferias, os quais são as principais vítimas de mortes violentas causadas nos confrontos por território entre grupos ou em embates com polícia. Ainda, o recrutamento para a ação no tráfico de drogas tem permitido indivíduos cada vez mais jovens acessarem tal atividade laboral, seja como “olheiros”, “aviõeszinhos”, “soldados” e inclusive “donos do negócio”, tendo em vista a rotatividade determinada em geral pela prisão ou morte dos anteriores ocupantes de tais postos de trabalho, tendo dentro das periferias, a naturalização do crime como uma modalidade de trabalho, a qual obriga moradores de tais territórios a conviver com tais ocupações tendo em vista as relações de vizinhança, parentesco, conhecimento ou clientela, sendo limítrofe as fronteiras entre a economia legal e ilegal.

Tal convívio foi apresentado nos relatos do grupo de reflexão com os jovens da Lefan ao longo do encontro realizado em 25 de outubro de 2018, os quais relataram que o tráfico de drogas se faz presente em suas rotinas seja pela companhia de amigos que fazem uso de drogas ou trabalham para o tráfico de drogas, seja pelo conhecimento dos pontos de tráfico de drogas dentro do território e as pessoas envolvidas, geralmente seus vizinhos, submetendo os jovens a presenciar confrontos entre traficantes e policiais, ou entre grupos rivais neste comércio ilegal. Ainda, em muitos casos o tráfico de drogas está inserido dentro da própria família dos jovens, ampliando o risco ao qual são expostos, conforme o relato de Cátia apresentado no trecho do diário de campo que segue:

Em relação a vivência de situações de violência e risco, Cátia emociona-se ao compartilhar com o grupo sua história: Meu pai desde os meus 6 meses tem esses envolvimentos com o crime, depois que foi preso pela primeira vez foi piorando. Começou a usar (drogas) na nossa frente, então meio que eu cresci com esse convívio, com uma pessoa que usa e se envolve com coisas erradas, mas eu nunca

segui os passos dele, eu sei que não vale a pena. Hoje não convivo mais com ele por que ele tá preso de novo.

Cabe destacar que a participação no tráfico de drogas não é um caminho determinado para os moradores de periferias. Em pesquisa realizada pelo Observatório de Favelas, divulgada em 2018, identifica-se que 55,6% dos entrevistados referiram não haver outros familiares empregados no tráfico de drogas, evidenciando desta forma que muitas são as trajetórias e possibilidades dentro de uma estrutura familiar residente em periferias. A pesquisa aponta ainda que a principal faixa etária para o ingresso no tráfico de drogas se dá entre 13 e 15 anos de idade, representando 54,4% das respostas. Tal índice tem correlação direta com a evasão escolar, pois em relação a trajetória escolar dos entrevistados, em 78,2% dos casos, os mesmos referiram não frequentar a escola, e a última série concluída girou entre o 5º e o 7º ano do ensino fundamental, indicando a evasão escolar ocasionada pelo ingresso nas redes de tráfico de drogas (WILLADINO; NASCIMENTO; SILVA, 2018). Sobre o convívio com o tráfico de drogas na rotina dos jovens, no encontro do dia 25 de outubro de 2018 com o grupo de reflexão na Lefan, segue trecho do diário de campo:

Ao questionar novamente sobre a vivência com drogadição e criminalidade, os jovens referem:

Gustavo: Meu irmão está envolvido com drogas, mas não me deixa, então ninguém me chama pra usar ou pra fazer parte por causa do meu irmão.

Gabriela: Minhas duas irmãs fumam maconha - Neste momento os jovens aos risos, afirmam que ela seria uma das duas irmãs que fazem o uso, Gabriela entra na brincadeira, mas afirma que ela não faz uso.

Alicia refere: Eu tenho vários amigos que fumam maconha, mas começam fumando maconha e vão indo... Tem um amigo meu com 18 anos já morreu, e começou fumando maconha, mas terminou no crack, e morreu agora...

Leonardo argumenta: Eu tenho bastante amigos que mechem com droga, ou fumam maconha, mas tenho vários também que estão tentando sair dessa vida

Vanessa pontua: Minha mãe falou que se eu tiver envolvida é adeus pra mim!

Em relação aos fatores que levaram os jovens a ingressarem no tráfico de drogas, ajudar a família esteve presente em 62,1% das respostas, enquanto ganhar dinheiro representou 47,5% das respostas, indicando ao fator de vulnerabilidade socioeconômica como principal elemento para a vinculação com a atividade ilícita. Em relação a esta motivação financeira, cabe destacar que 51,7% dos entrevistados afirmou ter como rendimento das atividades com o tráfico de drogas, entre R$1.000,00 e R$3.000,00 reais, sendo esta uma quantia que dificilmente é recebida em atividades laborais formais tendo em vista a baixa escolaridade e qualificação profissional apresentada por tais jovens. Tais rendimentos em 77,4% dos casos, foi informado que é gasto prioritariamente com a família, 68,2% com a compra de roupas e 51,7% em atividades de lazer, sendo assim, evidencia-se que os rendimentos são destinados à satisfação de necessidades básicas e acesso a bens de consumo (WILLADINO; NASCIMENTO; SILVA, 2018).

Em relação ao trabalho no tráfico de drogas, os jovens ao longo do encontro realizado na Lefan no dia 25 de outubro de 2018 expuseram seus pontos de vista relacionando as vendas no tráfico de drogas com as vendas de outros produtos, como aprendem ao longo do programa de aprendizagem profissional em vendas da Lefan, segue trecho do diário de campo:

Gustavo refere sobre a venda de drogas no bairro onde reside: Pra achar droga ali no Reolon é muito fácil, é só tu falar 'quem tem pra vender' que uns 10 já vem falar contigo

Vanessa complementa a fala de Gustavo referindo: E o bom de como eles vendem é assim: param uns carrão lá eles só dão o dinheiro assim e os traficantes passam a droga (demonstra esticando a mão), e acabou, não dá nem 5 segundos e vendeu - Fazendo uma comparação com a diferença de uma venda formal, a qual requer habilidades do vendedor, explicação sobre o que está sendo vendido, negociação de preço, entre outros fatores estudados ao longo do curso de vendas o qual estão vinculados.

Alicia faz uma reflexão sobre a polícia, a qual é corrupta ao passo em que sabem de tudo o que ocorre dentro do bairro, sabem os pontos de venda, sabem quem são os traficantes, porém não faz nenhum tipo de movimentação para combater o tráfico e a violência no bairro.

Quando analisada a precariedade de tal vínculo de trabalho, os entrevistados apontam como piores aspectos do trabalho com o tráfico de drogas o risco de morte, citado por 82,8%, de ser preso 50,6% e a de extorsão de policiais 17,6%, os quais são geradores de medo, insegurança e tensão constante, tendo em vista os recorrentes conflitos armados com grupos rivais (53,3%) ou com a polícia (56,7%). Sendo assim, 61,3% destes jovens referem andar armados diariamente. Em relação a possibilidade de saída do tráfico, 54% aponta a possibilidade de emprego formal como uma saída possível (WILLADINO; NASCIMENTO; SILVA, 2018).

Como vimos anteriormente a partir dos relados dos jovens que compuseram esta pesquisa, fica evidente ao redor de todo esse debate que a convivência com as rotinas do tráfico de drogas nos territórios onde vivem, nas relações sociais e até mesmo nas relações familiares, tanto nos jovens que participaram do grupo no CRAS quanto os aprendizes da Lefan, porém, não se pode incorrer ao risco de acreditar que tais condições predefinem o envolvimento destes jovens com tal atividade ilícita. Deste modo, evidenciada a urgência na implementação de políticas públicas, destinadas a tal população, a qual muitas vezes por não observar outras possibilidades de subsistência e inclusão no mercado de consumo, ingressa e permanece no tráfico de drogas visando condições de atendimento as necessidades pessoais e familiares de alimentação, habitação, consumo e lazer.