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Trecho transcrito da fala da professora B em entrevista concedida em fevereiro de 2000, durante o trabalho de campo.

PERFIL E PARTICIPAÇÃO DOS PROFESSORES NO MOVIMENTO Encarando o desafio de elaborar uma proposta preliminar do plano de carreira

59 Trecho transcrito da fala da professora B em entrevista concedida em fevereiro de 2000, durante o trabalho de campo.

individual e coletiva conquistada pelos atores e grupos sociais através da participação nas lutas por mudanças nas estruturas das instituições e da sociedade.

O poder manifestado no interior do grupo de trabalho contribuiu para que sobressaísse no projeto de lei as propostas dos membros mais experientes e participativos, estes assumiu a defesa daquilo que acreditavam e muitas vezes faziam valer suas opiniões pelo convencimento dos demais integrantes.

As propostas defendidas pelos membros do grupo tiveram origem a partir das reivindicações - muitas vezes como simples expressão da revolta - do conjunto dos professores. Estas contribuíram para que várias idéias da categoria capitadas pelos membros do grupo na convivência cotidiana com os pares fossem inscritas nos termos da lei que passou regulamentar as relações no âmbito do magistério público municipal.

Contudo, percebe-se que numa dimensão quantitativa a participação do professorado no momento da elaboração do anteprojeto de lei foi reduzida ao grupo de trabalho constituído pelo sindicato. Isso não significa deixar de reconhecer a existência e importância de elementos significativos da convivência entre os professores que marcam um envolvimento indireto daqueles que mesmo de fora, às vezes sem perceber, contribuem com as mudanças, pois é da inquietação revelada no cotidiano de cada um, em seu lócus de atuação, que são geradas a energia para as lutas reivindicativas por mudanças nas situações instituídas.

4.4 - O conhecimento dos professores sobre o processo de elaboração EPCM.

Para dar conta da compreensão dos professores a respeito do processo de gestação da lei do EPCM, foi formulada a seguinte questão: o que você sabe sobre a elaboração e discussão do EPCM?

A partir do conteúdo das respostas foi possível estabelecer categorias cuja frequência com que são mencionadas na fala dos professores possibilitaram conclusões a respeito do grau de envolvimento dos membros, tanto dos professores "presentes" como dos "ausentes", durante o processo de discussão. Essas categorias de respostas são mais bem visualizadas no quadro seguinte.

Quadro n° 06: Conhecimento dos professores "presentes" sobre o processo de elaboração e discussão do EPCM.

Conhecimento sobre o EPCM Frequência das respostas È uma lei cujo objetivo é beneficiar os professores. 13

Tem dúvida ou não sabe nada a respeito. 09 É um projeto que foi discutido pelos professores, sindicato e

governo.

19

É mais uma lei que não vai dá em nada. 01

Fonte: Projeto de dissertação, respostas aos questionários aplicados durante o trabalho de campo no período de agosto a outubro de 2000.

Foi possível perceber não só nas respostas aos questionários, mas também, durante os diálogos estabelecidos com os professores que os responderam, eles tinham pouco ou nenhum conhecimento sobre a gênese do processo que instituiu o EPCM. Essa situação foi verificada nas duas categorias de professores "presentes" e "ausentes".

Quadro n° 07: Conhecimento dos professores "ausentes" sobre o processo de elaboração e discussão do EPCM.

Conhecimento sobre o EPCM Frequência das respostas È uma lei cujo objetivo é beneficiar os professores. 08

Tem dúvida ou não sabe nada a respeito. 21 É um projeto que foi discutido pelos professores, sindicato e

governo.

04

É mais uma lei que não vai dá em nada. 01

Sei que vai haver o enquadramento por nível. 06

Sei que vai ser implantado. 04

Sei que o ingresso na carreira se faz por concurso. 01 Que para ocupar função gratificada tem que ser do quadro de

professores.

01

Fonte: Projeto de dissertação, respostas aos questionários aplicados durante o trabalho de campo no período de agosto a outubro de 2000.

Alguns professores até esboçaram uma resposta mais convincente, afirmando que tinham conhecimento de que se tratava de uma lei discutida entre os professores, sindicato e o governo. Essa afirmação conforme demonstra o quadro das respostas frequentes, foi mais comum entre os professores classificados como "presentes" às reuniões do sindicato. No entanto, nenhum chegou a mencionar algo sobre as minúcias do processo como, por exemplo: os conflitos, as questões mais polêmicas, os progressos e retrocessos que o projeto tivera desde a elaboração inicial à aprovação de sua versão final.

De acordo com o que se ver no quadro de respostas n° 06, os "presentes" demonstram interagir um pouco mais com o EPCM, pois quantitativamente o número de respostas que esboçam o mínimo de conhecimento sobre esta lei é superior às respostas dos "ausentes". Nota-se que entre os "ausentes" há um número mais elevado daqueles que dizem nada saber sobre o EPCM. Nas conversas, alguns chegavam a afirmar que não sabiam do que se tratava, demonstrando assim profundo desconhecimento da lei que regulamenta sua carreira profissional.

Há, portanto, um descompasso entre o que se fala e o que se pratica. O discurso que virou senso comum entre os professores é o da transformação da realidade e da formação do cidadão crítico. Mas, de que realidade se fala, e que cidadão crítico é esse que será formado por professores que pouco conhecem sobre a sua própria realidade enquanto profissional? É possível transformar algo que não se conhece? Em que nível se opera essa transformação?

Diante da constatação da desinformação sobre o processo de elaboração e discussão do EPCM, procurou-se a partir da ótica dos professores conhecer suas causas. Seria a falta de articulação do sindicato com a categoria? De onde parte essa desarticulação? Que meios o sindicato utilizou para convidar os professores a se envolverem nessa discussão? Assim, foi elaborada a seguinte questão: você foi convidado a participar de alguma reunião para discussão desse projeto (de EPCM)? Resultado identificado quantitativamente indica que entre os "presentes" 33 (ou seja, 73,3%) responderam sim, enquanto entre os "ausentes" 34 (75,5%) responderam que foram convidados ou convocados para as discussões.

Sobre a forma como foram convidadas, as respostas foram tabuladas conforme mostra a tabela seguinte:

Quadro n° 08: Discriminação das formas como os professores foram convidados pelo sindicato a participar das discussões sobre o EPCM.

Formas de convite Frequência das respostas dos Professores "presentes" Frequência das respostas dos Professores "ausentes" Convidados por membros da direção do sindicato. 10 08

Comunicação escrita enviada à escola 25 22

Convidado diretamente por colegas 11 14

Anúncio nos meios de comunicação de massa (rádio, televisão, carro de som).

07 10

Outros 01 Fonte: Projeto de dissertação, respostas aos questionários aplicados durante o

Percebe-se que a direção do sindicato usou diversos meios para envolver os professores. Porém, as reuniões que aconteceram abertas à ampla participação da categoria foram poucas, quando a proposta já estava esboçada. Desta forma os professores se limitavam a concordar ou discordar do seu conteúdo e não se estabelecia tempo suficiente para amadurecer as questões com a categoria. Vale salientar que eram reuniões, ou melhor, assembléias gerais conduzidas onde não havia formação de grupos de trabalho e/ou de discussão com uma parcela quantitativamente mais significativa do professorado, fato esse que acabava prejudicando uma ação que se pretendia democrática.

A forma de condução do processo seria um dos motivos pelos quais não houve uma maior identificação dos professores com o projeto, a ponto de não se envolverem e não conseguirem descer a suas minúcias durante o processo de discussão, e assim demonstrarem uma participação efetiva, que é um elemento necessário na construção de uma gestão pautada numa relação de autonomia.

4.5 - Conhecimento dos professores a respeito das propostas do EPCM

Questionados se tinham conhecimento a respeito das propostas do EPCM, 33 dos professores "presentes" responderam que sim, 11 responderam que não e 03 simplesmente não responderam a questão. Entre os "ausentes" 26 responderam sim, 17 não, e 2 se abstiveram de responder. Ao procurar saber quais propostas eles consideravam mais importantes, as respostas mais frequentes tanto entre os "presentes” ‘ como os “ausentes” foram a de prever as funções gratificadas de diretor, vice-diretor, secretário de escola e especialista em educação, como exclusivas dos professores do quadro permanente do magistério municipal. A estas respostas seguiram-se aquelas que prevêem a ampliação das gratificações, sistema de progressão funcional na carreira, períodos reservados a estudos, incentivos a pós-graduação e a valorização do professor.

Quadro n° 09: Mudanças que os professores consideram mais importante no EPCM Mudanças mais importantes Frequência das

respostas dos Professores "presentes" Frequência das respostas dos Professores "ausentes"

Sistema de progressão 09 09

Ampliação das gratificações 12 08

Função Gratificada exclusiva dos professores do quadro permanente.

15 10

Períodos reservados a estudos 05 04

Incentivo á pós-graduação 04 03

Valorização do professor 11

Fonte: Projeto de dissertação, respostas aos questionários aplicados durante o trabalho de campo no período de agosto a outubro de 2000.

Observa-se que as questões que o professorado considera como mais importantes se enquadram na categoria valorização profissional, que por isso mesmo passa ser a mais forte representação que os professores têm em relação ao EPCM. Esta necessidade que é interna está em contra posição aos elementos condicionantes externos que contribuem para sua desvalorização profissional que afetam a sua própria imagem como pessoa. Pois, como esclarece Ibanez(1988),

"o tipo de realidade social para que aponta o conceito de representação social está finamente tecido por um conjunto de elementos de natureza muito diversa: processos cognitivos, inserção sociais, fatores afetivos, sistemas de valores... que devem caber simultaneamente no instrumento conceitual utilizado para elucidá- lo” (Ibanez, 1988, In. Sá, 1996, p. 32).

Portanto, o que relaciona essa representação social da valorização profissional em relação ao EPCM, é o desenvolvimento desses processos cognitivos e afetivos dos professores, inseridos numa relação antagônica, contraditória ao seu desejo de reconhecimento, respeito profissional, valorização salarial, condições ideais de trabalho e um tratamento digno de uma pessoa que para os alunos e a comunidade se constitui uma referência.

Essa situação de conflito entre o que deseja o professor e a situação adversa condicionante do desprestígio de sua imagem como educador, pode ser percebida na revolta e indignação com que os professores se referem às dificuldades, à humilhação que vivenciam no cotidiano do exercício profissional. Em depoimento uma professora que trabalha na zona rural assim se expressa:

"Minha irmã me fala sempre, você é uma professora, estudou pra isso e vive lá naquele lugar pra ganhar quatrocentos e setenta reais, dinheiro que eu ganho

sem sair da minha casa, lavando e passando roupa, os clientes vêm trazer na minha porta, não preciso deixar meus filhos, minha família pra ir me socar naquele buraco. Olhe que você estudou pra isso e eu não!”·

Assim, o prestígio do professor se desfaz no imaginário das pessoas humildes que viam nele uma referência de sucesso na vida profissional, tanto pelo reconhecimento do que aprenderam no pouco tempo de vida escolar, como por achar que pelo esforço que fizeram, por terem estudado mais, deveriam ser mais bem recompensados na vida. Um senhor que se diz com poucos anos de escolarização e acompanhou o pesquisador em suas viagens pelo interior, durante a aplicação dos questionários, chegou a comentar:

"Mais rapaz quer dizer que professora é igual a pião de trecho... umas meninas bonitas dessas, que estudaram tanto (...) vem se socar nesses cafundós, nas brenhas passar a semana toda pra ganhar só isso? Eu que só estudei até o quinto ano de admissão e deixei num sei se eu vinha (...) solidão... vinha nada!”·

Mas, a sensação de desprestígio que aguça o desejo de valorização profissional constituindo-se na principal representação em relação ao EPCM, tem um sentido muito mais visível quando os professores se referem ao tratamento que lhes é dispensado pelos órgãos superiores da educação no município. Dizem elas que são "totalmente abandonadas" pela Secretaria de Educação,

"Agente fica aqui, não vem uma supervisora, não tem água a casa está cheia de barbeiro".60

"Nós ficamos aqui não vem ninguém, não tem um apoio pedagógico, a casa dos professores (...) ai meus deus do céu, parece um lixo! Agora que nós alugamos essa".61

"Professor, agente aqui faz o que quer, isso é bom para os maus profissionais que ficam só enrolando, não tem uma inspeção, não tem nada... por isso é que tá ai esse caos, aluno não quer nada, professor também não..." 62

60 Comentário feito por uma professora lotada na zona rural ao conversar com o pesquisador enquanto

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