Em nossa análise, podemos perceber estados de espírito da personagem. A personagem atravessa planos reais e imaginários (por meio do sonho), para encontrar uma verdade maior, uma luz para quem sofre na escuridão do nada.
O plano terrestre entende-se por aquele em que ele permanece no nada, ou se sentindo um nada; simplesmente ridículo. Mesmo que as pessoas ao seu redor zombem do que ele fala e faz, sente-se indiferente perante aquela situação, pois sabe que é ridículo, assim como todos que o rodeiam, mas sofre por não falar, e sofre, calado:
Sempre fui ridículo, e sei disso, talvez, desde que nasci. Talvez desde os sete anos já soubesse que sou ridículo. Depois fui para a escola, depois para a universidade, e ora - quanto mais estudava, mais aprendia que sou ridículo. De modo que todos os meus estudos universitários como que só existiram, afinal, para me provar e me
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explicar, à medida que neles me aprofundava, que sou ridículo.
(DOSTOIÉVSKI, 2003, p. 91)
Esse sofrer leva o herói dessa narrativa a criar dentro do seu subconsciente um sofrimento tão doloroso e mudo que o deixa à beira da loucura. Mas em seu ambiente social não deixa transparecer os seus temores, suas mágoas, suas angústias, ele apenas vive e convive com uma situação que o importuna, que o desagrada, mas isso acontece por se achar tão ridículo e ínfimo quanto todos que o rodeiam.
Mesmo em seu sonho, encontra-se na terra, ou seja, sob a terra:
enterrado. Sente-se de certa forma que ainda permanece ridículo, pois sua existência tinha finalmente encerrado, e agora esperava por algo, não sabia o que, mas como em sua vida, continuava esperando alguma coisa acontecer.
O plano do inferno se passa quando decide como iria tirar a sua própria vida, pois tinha comprado um revólver e o deixava guardado em uma gaveta de cabeceira. Durante dois meses, dormiu com aquela arma ao seu lado, quando em uma noite sai caminhando e olha para um céu terrivelmente escuro, onde observava manchas negras sem fundo. A escuridão e o sentimento de morte nos remetem ao inferno astral da personagem:
Passo a noite toda sentado à mesa na poltrona sem fazer nada. (...).
Sentei-me à mesa em silêncio, tirei o revólver e o coloquei à minha frente. Quando o coloquei, lembro, perguntei a mim mesmo: ―É assim?‖, e com absoluta determinação respondi a mim mesmo: ―É assim‖. Ou seja, vou me matar. (DOSTOIÉVSKI, 2003, p. 95)
Ao se deparar com uma menina sentiu que de alguma forma, naquele momento fez um grande mal a ela, a menina apenas lhe implorou por ajuda e ele manteve-se frio, não mostrando nenhuma reação, talvez isso o atingiu o fazendo perceber algo que até então nunca tinha percebido: a sua atitude perante os outros.
Naquele momento por pensar que não era ninguém, e por não ser ninguém, não causaria impacto sobre ninguém, sente-se tocado pelo semblante lívido daquela figura que o incomoda profundamente, tornando sua vida um inferno ainda maior, pois agora, talvez, tinha percebido que se importava:
Embora ela não articulasse bem as palavras, entendi que sua mãe estava morrendo em algum lugar, ou que alguma coisa acontecera lá com elas, e ela fora correndo chamar alguém ou achar alguma coisa para ajudar a mãe. Mas não fui atrás dela, e, ao contrário, me veio de
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repente a ideia de enxotá-la. Primeiro lhe disse que fosse procurar um policial. Mas ela de repente juntou as mãozinhas, e, soluçando, sufocando, corria sem parar ao meu lado e não me largava. Foi então que bati o pé e dei um grito. Ela apenas gritou bem forte: ―Senhor, senhor!...‖ (DOSTOIÉVSKI, 2003, p. 93)
O Olimpo apresenta-se por meio do sonho da personagem que é levado a um mundo paralelo e idealizado. Uma criatura atravessa o espaço obscuro carregando-o para um lugar desconhecido. A princípio a escuridão do céu é imensa, e ele se sente com o coração apertado, com medo! Esperando o pior, acha que o lugar para onde a criatura o está levando não será bom, mas sim um lugar onde irá pagar pelos seus pecados, principalmente por ter tirado a própria vida.
Subitamente depara-se com algo familiar, o sol, nesse instante acha que está vendo o duplo do sol, encontra-se então numa terra, igual àquela de onde viera; depara-se com um paraíso terrestre, onde os animais não o temiam e com pessoas que não conheciam a guerra, eram ternos e belos. A única preocupação deles em relação ao visitante era de tirar a expressão de sofrimento de seu rosto.
O lugar idealizado, visto no sonho do homem, nada mais é do que um paraíso imaginário, onde aprendeu muito com aquelas novas pessoas. Pôde observar a humanidade e enxergá-la de forma diferente, mais esperançosa, com alegria.
Um dia o narrador começa a ensinar aos outros habitantes coisas como a mentira. Nisto começa a corrupção da utopia. As mentiras geram orgulho, e o orgulho gera uma avalanche de outros pecados. Logo, o primeiro assassinato ocorre. As facções são feitas, as guerras são travadas. A ciência suplanta a emoção, e os membros da antiga utopia são incapazes de lembrar da sua felicidade anterior. Então ele acorda, um homem mudado, completamente grato pelo dom da vida. Ele resolve passar o resto de seus dias pregando a verdade. E compreende que sua principal lição na terra é a de amar aos outros como a si mesmo.
A evocação do sonho, inunda a esperança do herói, que parece desenterrar e ressaltar do seu subconsciente a fé na humanidade, algo que pensara ter perdido a muito tempo.
CONCLUSÃO
A personagem interessa para Dostoiévski como ponto de vista específico sobre o mundo e sobre si mesma, como posição racional e valorativa do
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homem em relação a si mesmo e à realidade circundante. Segundo Bakhtin todo o discurso do narrador está impregnado do diálogo interior:
Aqui todas as palavras se dirigem a si mesmas, ao universo e seu criador, a todos os homens. Aqui também como no mistério, a palavra ecoa diante da Terra, ou seja, ante todo o mundo. (BAKHTIN, 2011, p.
177)
Na conclusão da história, o narrador afirma que ele encontrou a menina, e que ele vai continuar com esse novo pensamento, de fazer o bem às pessoas, presumivelmente numa referência à possibilidade de expiação de seus erros passados.
Podemos considerar a visão do sonho como uma maneira de analisar o fantástico, levando em consideração a viagem onírica que o herói do conto relata. Essa viagem épica leva-nos a refletir de maneira profunda sobre os conflitos do homem, suas angústias, suas misérias. Sendo assim, uma forma de tentar amenizar a tão pesada e enigmática jornada do homem no mundo.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. 5. ed. rev. São Paulo: UFF-USP, 2011.
CESERANI, R. O fantástico. Tradução de Nilton C. Tridapalli. Curitiba: UFPR / EDUEL, 2004.
CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos. 24. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.
DOSTOIÉVSKI, F. Duas narrativas fantásticas – A dócil e O sonho de um homem ridículo.
1 ed. São Paulo: 34, 2003.
GANCHO, C. V. Como analisar narrativas. 9. ed. São Paulo: Ática, 2011.
MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1999.
TODOROV, T. Introdução à literatura fantástica. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.
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