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EMBOSCADAS MELÓDICAS

No documento NOVOS TEMPOS, MESMAS HISTÓRIAS (páginas 102-106)

Os mitos do labirinto e do Minotauro vêm assinalar uma remota lenda, com referências já em Homero e Eurípedes, dentre outros, e como nos explica Gonçalo Vilas-Boas, em artigo especial sobre o mito: ―(...) o labirinto e o minotauro fizeram parte integrante de um tipo de discurso negativo (...)‖ (VILAS-BOAS, 2003, p.

246)3. O discurso negativo do labirinto reside no fato do minotauro ter sido visto como uma demonização da representação humana, ou como símbolo de nosso lado bestial, nos explica Vilas-Boas. Daí algumas comparações medievais entre Teseu e Cristo, ambos representando esse lado luminoso, este ―passo adiante‖ que combate a escuridão do labirinto. Porém, não é esta a concepção que nos apresenta Leonardi.

3 Disponível em:

<http://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/23355/2/gvilasboasminotauro000094763.pdf>.

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Scripta Alumni - Uniandrade, n. 9, 2013.

Figura 1: Teseu arrastando o Minotauro do labirinto. Medalhão de kylix ático em figura vermelha.

Datado de 440-430 a. C. Disponível em: <http://www.britishmuseum.org/>.

Pois bem, em um capítulo deste lúdico livro, o qual se intitulou Labirintos da ética e da estética, que é o qual nos deteremos aqui para comparar com fragmentos de O livro por vir de Blanchot, o labirinto é denominado como um espaço onde não apenas está o minotauro, mas onde também estão as sereias. Mais ainda, contrariamente ao mito antigo, o labirinto aparece como o lugar onde se dá um passo atrás. Ou seja, não é o espaço onde apenas o puro encantamento ou deslumbramento se ateve, a perdição humana no encantamento da moral, ou mesmo, o perigo da imaginação imoral, do minotauro (que o conto de Borges, Astérion y su casa, tão eruditamente denota em hibridismo mitológico, em paradoxos da monstruosidade).

Como afirmou, uma vez, o professor Donald Leslie Shaw, da University of Edinburgh, em meio a uma tradicional analise do conto de Borges:

Pero luego ocurre algo nuevo: penetran otros seres en el laberinto. De pronto topamos con las palabra "mi redentor", palabras que no tienen que ver para nada con el mito clásico del monstruo cretense. Resulta que, al reconocer en Asterión al Minotauro, tuvimos la sensación (falaz) de haber dado con la solución del misterioso cuento. Pero no:

luego tuvimos que enfrentarnos con el significado del laberinto.

(SHAW, 2012, p. 723)4

4 Disponível em: <http://cvc.cervantes.es/literatura/aih/pdf/09/aih_09_2_081.pdf>.

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Este significado do Labirinto, em Borges (que é difícil de compreender a princípio, e o qual também vejo claramente em Leonardi) tem a ver com a consideração de um espaço melódico e intuitivo onde a sedução e o perigo estão concomitantemente unidos. A maravilha do canto, a ária que nos incentiva ao caminho errante (para pensar em Blanchot e Valéry também), porém nos incentiva igualmente à compleição do monstro, do contratempo devorador. Eis o símbolo ambivalente, ou a ambivalência do símbolo.

E uma das características do símbolo é a ambivalência! Daí o risco permanente que corre o viajante que procura o centro do labirinto.

Cada encruzilhada é ambivalente por natureza: Qual o caminho que leva ao centro? E quais as veredas que conduzem ao beco sem saída, ou às garras do Minotauro? Como optar por esta ou aquela solução?

A resposta não vem, quase nunca, da razão. Ou ex-clusivamente da razão. A intuição desempenha um papel fundamental nesse momento de decisão. (LEONARDI, 1999, p. 118)

Leonardi propõe que o viajante é o pensador que ouve sem medo a voz do abismo. Essa veemência que ressoa ao labirinto aponta o historiador envolvido monstruosamente com coisa real e ficção, pois viajar é pensar-entre. Ele assim defende uma historiografia que se constitua nômade, podemos dizer assim, que se ―ache perdidamente‖ no labirinto borgeano, ou kafkiano.

As sereias representavam, na Grécia, os perigos da navegação e a própria morte. Se compararmos o trabalho criativo a uma viagem (viajar e pensar são, efetivamente, atos semelhantes), as sereias aparecem como emboscadas. O importante, no ensaio de Walter Benjamin, não é apenas a verificação de como Kafka venceu essas emboscadas, mas, principalmente, o fato de o mundo do labirinto kafkiano estar aí caracterizado como sendo muito mais antigo do que o dos mitos. Haveria, portanto, não apenas um domínio da História e um domínio do Mito, mas, também, um domínio do Labirinto? Ou Kafka apenas agiu como Ulisses, que teve de amarrar-se ao mastro de seu navio para não ceder à sedução da melodia dos cantos das sereias? (LEONARDI, 1999, p. 117)

Nisso, o minotauro e as sereias representam as emboscadas melódicas do logos. A sereia, por exemplo, tem a ver com a sedução do universo estético onde a mulher mitificada como uma metade-peixe não é de se assombrar, não provoca

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necessariamente medo (tal como o Minotauro é, em Borges, uma metade-touro irrisoriamente atemorizante).

Sé que me acusan de soberbia, y tal vez de misantropía, y tal vez de locura. Tales acusaciones (que yo castigaré a su debido tiempo) son irrisorias. Es verdad que no salgo de mi casa, pero también es verdad que sus puertas (cuyo número es infinito) están abiertas día y noche a los hombres y también a los animales. Que entre el que quiera. No hallará pompas mujeriles aquí ni el bizarro aparato de los palacios, pero sí la quietud y la soledad. (BORGES, 2008, p. 3)

Astérion é, em Borges, um solitário prisioneiro no labirinto, não tem noção da dimensão do labirinto: tudo é labirinto, tudo é sua casa, sua linguagem. Ele mata aqueles que caem no labirinto para salvá-los, torná-los livres, pois a liberdade está na morte. A própria morte não é negativa, não representa perigo ou desespero. Apenas o pressentimento do perigo, o quase-abismo, é o que está em pauta, digamos. Acredito que assim como a imagem de minotauro em Borges (Astérion y su casa) e nos fragmentos de Leonardi tem a ver com postular uma região mista de perigo e deslumbramento. Assim também o é a metáfora da sereia em Blanchot, logo no capítulo inicial de O livro por vir.

As Sereias: consta que elas cantavam, mas de uma maneira que não satisfazia, que apenas dava a entender que direção se abriam as verdadeiras fontes e a verdadeira felicidade do canto. Entretanto, por seus cantos imperfeitos que não passavam de cantos ainda por vir, conduziam o navegante àquele espaço onde o cantar começava de fato. (BLANCHOT, 2005, p. 1)

Em O canto das Sereias, notamos que o sentimento de ―desespero‖5 está associado ao deslumbramento. Blanchot aponta para o problema da distância do irreal, do maravilhoso onde os navegantes encantados pela música ouvida nos mares ancoram, ou antes ou depois do momento exato. Não há momento exato, afinal, apenas uma pulsão anacrônica. Quer dizer Blanchot que a sedução ou o perigo não seriam um lugar estático? Quer dizer que o labirinto não seria um lugar estático? Ainda não podemos responder a isto, o que configura mais um dos becos sem saída que enfrentamos. O que ocorre é o seguinte: para Blanchot, o canto é um movimento rumo

5 Desespero que como dizia Kierkegard, recordemos, aliás, é uma condição do ser e não um mero estado do ser.

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ao canto, assim como podemos notar que caminhar no labirinto é um movimento rumo ao labirinto, em Borges. A música como o único lugar privado de música, aridez do silêncio, ruído, desaparecimento enigmático, onde o acontecimento está ainda por vir, experimentado como incrível ―chamamento‖ do acontecimento, da presença, da viagem.

Figura 2: Ulisses e as sereias. Pintura em vaso grego em figura vermelha.

Datado de 490 a. C. Disponível em: <http://www.britishmuseum.org/>.

No documento NOVOS TEMPOS, MESMAS HISTÓRIAS (páginas 102-106)