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CURRÍCULOS COMO DISPOSITIVOS DE CONTROLE, DESAFIOS IMPOSTOS PELA PANDEMIA DE COVID-19

No documento Layout Livro Covid (páginas 193-200)

CURRÍCULOS COMO DISPOSITIVOS DE CONTROLE,

Escolar - Mestrado Profissional da Universidade Federal de Rondônia, acerca do currículo como dispositivo de controle na educação básica produzida durante a disciplina de Inovações Curriculares e Didáticas, que objetivou acompanhar, por meio de discussões semiestruturadas as experiências vivenciadas pelos próprios mestrandos. Essa reflexão ultrapassou a disciplina e hoje é discutido a influência desse currículo durante a pandemia de COVID-19

O contexto em que se inseriu a produção de dados, para tanto, se faz necessário de forma prévia do estudo sobre o conceito constante na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que é uma política com o objetivo de dar orientação curricular elaborada juntamente com o Ministério da Educação (MEC) em conformidade com o ensino da Educação Básica, que pretende nortear o currículo do ensino básico brasileiro. O documento curricular tem caráter normativo relativo às etapas e modalidades de ensino. Essa base curricular descrita no documento serve de instrumento para que os docentes busquem as referências dos conhecimentos indispensáveis e essenciais e para que todos os discentes, estudantes e alunos tenham acesso.

Sua proposta se encontra disposta sob os critérios das escolas públicas e particulares, de forma que esse dispositivo alcance o aprendizado básico e seja uniforme em todas as classes sociais e contextos socioeconômicos e regionais em que o estudante possa estar inserido num currículo mais flexível e adaptado à realidade dos alunos e às demandas sociais, contextualizado e interdisciplinar, baseado em competências e habilidades a serem desenvolvidas nas várias disciplinas e demais atividades curriculares (Moehlecke, 2012).

A Construção dos sujeitos nesse dispositivo não se dá apenas pela sujeição, ou pela aceitação dos educadores em ter suas condutas conduzidas. Sujeição e subjetivação confundem-se neste processo de constituição e organização dos sujeitos. Foucault afirma

“procedimentos pelos quais o sujeito é levado a se observar, se analisar, se decifrar e se reconhecer como campo de saber possível” (FOUCAULT, 2012a).

O processo de construção dos sujeitos perante o novo cenário causados pela Covid- 19 na educação vem impondo grandes desafios sem precedentes à educação no Brasil. A começar por sua dimensão, pois aproximadamente 19,5 milhões de alunos estão com as aulas suspensas e outros 32,4 milhões passaram a estudar aulas remotas (CHAGAS, 2020).

O objetivo dessas ações é evitar a contaminação em massa do vírus, contudo a imposição destas mudanças afetou não apenas os estudantes, mas todos os sujeitos envolvidos no processo de ensino.

A construção desses sujeitos na adaptação de uma nova realidade também é um processo de constituição e organização. Essas alterações causam também inseguranças e despreparos por parte dos educadores e membros da instituição. Os trabalhos presenciais passaram a ser remotos subitamente, sem tempo hábil para adaptação do novo espaço e rotina exigidos no “novo normal”.

O mesmo despreparo recai a família dos estudantes que se veem com uma nova dinâmica em mãos. A conexão à internet, espaço físico, as autoridades, são tantos os desafios, devido às constantes mudanças que o currículo como dispositivo de controle tem papel de suma importância na construção e desconstrução do indivíduo.

As constantes produções de novas formas de poder, a construção e desconstrução de possibilidades partida, vão mudando os estilos dos jogadores. Essa objetivação e essa subjetivação não são independentes uma da outra; do seu desenvolvimento mútuo e de sua ligação recíproca, se originam o que se poderia chamar de “jogos de verdade”: ou seja, não a descoberta das coisas verdadeiras, mas as regras segundo as quais, a respeito de certas coisas, aquilo que um sujeito pode dizer decorre da questão do verdadeiro e do falso (FOUCAULT, 2012a).

1.1 COVID 19 E AS ESCOLAS

O novo coronavírus também identificado como COVID-19 é uma possível mutação do vírus SARS-CoV que começou a se destacar no final de 2019 na China devido ao alto grau de contaminação que afetou o território asiático. Em janeiro de 2020 a cidade de Wuhan tornou-se o epicentro desta nova versão do vírus. As autoridades buscando a prevenção e controle de infecção da doença intensificaram, em março de 2020, no Brasil as medidas contra a doença.

Por tratar-se de uma doença altamente infecciosa a escola é um local de interesse, pois a s sua multiplicidade e heterogeneidade de sujeitos torna-o um espaço de risco. Um ambiente que reúne jovens que apesar de menos propensos ao sintomas da doença circulam em diferentes ciclos, família, professores, técnicos e podem agir como um vetor da doença fazendo a transmissão para aqueles que estão no grupo de risco.

Esta situação fez com que as escolas fossem fechadas por tempo indeterminado, impactando milhões de alunos (CHAGAS, 2020). Buscando alternativas algumas instituições optaram pelo ensino remoto, mediados pela tecnologia principalmente. Algumas oferecem o ensino a distância com a disponibilização de material impresso a ser coletado por alguém

fora do grupo de risco, em frequência decidida pela escola. Essa medida propõe evitar a aglomeração nas escolas e manter o vínculo do aluno com a instituição.

A mobilização para o continuidade das atividades escolares impactou de maneira desigual os diferentes níveis da educação. A educação remota emergencial infantil vem se mostrando um desafio no Brasil. Este nível de educação demonstra como é um esforço em conjunto de vários atores o processo de ensino-aprendizagem, não ficando restrito ao ambiente da sala de aula. O professor remotamente propõe atividades, que só funcionarão com a participação ativa da família da criança. Os responsáveis assumem agora o papel de monitores, intermediando o planejamento preparado para as crianças realizarem (DE CASTRO; VASCONCELOS, 2020). A escola tem a missão de intermediar este contato, fornecendo a ambas as partes as ferramentas necessárias para o sucesso. Porém é nessa relação que vem se encontrado as falhas no ensino remoto. Quando um dos sujeitos não cumpre a expectativa dos demais, as rachaduras nos laços intensificam-se. Estas expectativas sobre o que é o ensino são refletidas no currículo escolar que com o coletivo age como um dispositivo de controle sob os sujeitos.

1.2 DISPOSITIVOS NA VISÃO DE FOUCAULT, DELEUZE E AGAMBEN

Segundo a teoria Foucaultiana, O autor dá uma definição clássica:

[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode tecer entre estes elementos (FOUCAULT, 2014).

Borges et al. (2016) explana sobre os dispositivos de Foucault sintetizando-o de tal forma: “o dispositivo é um conjunto muito diverso de estratégias, como discursos, instituições, estrutura física, leis, regras e normas morais, enunciados científicos e tantas outras possíveis que, agindo conectado a outras estratégias formam uma rede que captura e subjetiva o sujeito”.

Deleuze (1999) conceitua dispositivo como um conjunto multilinear, composto por linhas de natureza diferente, as quais não se delimitam, nem envolve sistemas homogêneos, mas seguem direções, traçam processos que estão sempre em desequilíbrio ora aproximam,

Para Deleuze e Guattari (1997), a própria atividade de pensar implica a existência de uma máquina de guerra. O movimento de colocar o pensamento em relação imediata com o fora, com as forças do fora, significa fazer do pensamento uma máquina de guerra diferente do modelo gerado pelo Estado de redução ou subordinação do pensamento, que o objetiva a uma forma de interioridade que remete a formas de racionalidade.

Entretanto, o conceito não é tão simples, e a forma como foi utilizado ao longo da obra de Foucault é bem complexa. O discurso, em Foucault, é condição de possibilidade para a constituição dos sujeitos. O funcionamento do discurso está atrelado à estrutura e aos dispositivos materiais das práticas sociais nas quais se produz. A escola é uma prática social, segundo Foucault, que orienta o sujeito a “dobrar-se’ sobre si próprio, aprendendo o discurso legítimo e suas regras de autoexpressão” (LARROSA, 2010). Para os autores, dispositivo trata das práticas que funcionam como aparelhos, constituindo os sujeitos e os organizando.

A visão deleuziana coloca o saber, poder e subjetividade como vetores que tencionam e são tencionados dentro um dispositivo, Deleuze (1990) afirma, “os dispositivos têm”, então, como componentes linhas de visibilidade, linhas de enunciação, linhas de força, linhas de subjetivação, linhas de ruptura, de fissura, de fratura que se entrecruzam e se misturam, enquanto umas suscitam através de variações ou mesmo mutações de disposição.

Agamben (2009) sugere que o termo dispositivo começa a ser usado por Foucault em a arqueologia do saber; porém, o autor não utiliza o termo propriamente dito. Ao contrário de dispositivo, o filósofo francês utiliza o termo “positivité” (positividade), que tem sentido próximo. Cabe destacar que positividade, para o filósofo francês, não se trata de uma visão fundamentada em dois princípios opostos, mais sim um termo utilizado para destacar o caráter produtivo dos saberes. O autor também destaca que o “conceito de dispositivo se torna relevante e começa a se ocupar daquilo que chamava de “governabilidade” ou “governo dos homens”, Agamben (2005)”.

Conforme vimos não há dúvidas que o filósofo italiano se inspira em Foucault para definir dispositivo, ainda que utilize terminologias distintas. Pode se afirmar que Agamben procura ampliar a noção elaborada inicialmente por Foucault. Na interpretação de Agamben (2009), dispositivo pode ser definido como “[…] qualquer coisa que tenha de algum modo à capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes”.

Dessa maneira, o filósofo nos apresenta seu conceito com relação ao processo de subjetivação característico dos dispositivos, vivemos uma proliferação sem igual de processos de subjetivação, assim, não há um só momento que os sujeitos não sejam

modelados, capturados, contaminados, vigiados ou controlados por algum dispositivo. É importante ressaltar que a subjetividade com o apoio de Foucault requer continuamente considerar as possibilidades de resistência, de recusa, de contestação. Pensar as práticas de liberdade com Foucault (2004) não remete de modo algum à ideia moderna de liberdade e sua promessa emancipatória demasiadamente enunciada no ambiente educacional.

A sensação de permanente vigilância faz com que o próprio sujeito internalize o olhar, passando a se autovigiar. Tal vigilância dá-se, sobretudo, pelos novos saberes produzido pelas disciplinas. Não é por acaso que disciplina tem um duplo sentido: área de conhecimento e “bom” comportamento.

Sendo assim, o problema da profanação dos dispositivos – isto é, da restituição ao uso comum daquilo que foi capturado e separado de si – é, por isso, tanto mais urgente (AGAMBEN, 2005).

2. RELATO DE EXPERIÊNCIA

2.1 DA EXPERIÊNCIA COMO INDIVÍDUOS ENVOLVIDOS NO PROCESSO EDUCACIONAL

Nossa atenção se volta especificamente aos dispositivos curriculares de Educação da mestranda e Professora Camila Carolina Salgueiro Serrão, professora de Informática do Instituto Federal de Rondônia-IFRO/Campus Porto Velho Calama e da mestranda e Técnica em Contabilidade do IFRO/Campus Porto Velho Zona Norte Elizângela Aparecida Souza Santos e seus possíveis efeitos na subjetivação dos sujeitos da educação, através de experiências vivenciadas no dia a dia de cada uma. Para tanto, nos apoiaremos nos estudos curriculares como corpos coletivos dos autores acima.

Ao longo do tempo, o aprendizado tornou-se cada vez mais complexo e diferenciado e em termos de tipos de aprendizado disponíveis nas sociedades modernas, é basicamente um conhecimento especializado para ser transmitida de uma geração a outra, “transmitir”

sem presumir que seja um processo de mão única, como pode insinuar a metáfora. Essa teoria do currículo que deveria nos permitir analisar e criticar suas diferentes formas e, espera-se desenvolver e propor alternativas melhores de currículo. Poderíamos descrever os teóricos do currículo como especialistas em uma forma específica de conhecimento

aplicado, conhecimento que é aplicado para torná-lo tanto ensinável quanto aprendível por alunos de diferentes etapas e idades.

A mestranda Elizângela tem vivenciado no seu dia a dia essa vigilância permanente com seu filho de oito anos de idade, observando o quanto temos que estar preparados quando deparamos com uma experiência de corpos coletivos. A criança estuda em uma escola particular na capital de Porto Velho/RO, passa praticamente 8 horas dentro da escola, período matutino com aulas da 4ª série do ensino fundamental, e período vespertino com recreação e resolução de tarefas. Durante os finais de semana e o período em que está com sua mãe, ele reclama da maneira como uma professora trabalha dentro da escola, uma das reclamações está a de que a professora só passa muitas tarefas, o tempo todo exercícios, questiona que ele é uma criança e criança precisa brincar, e não só estudar, que Deus criou as crianças para brincarem, entre outras falas de descontentamento. É até engraçado ouvir isso, contudo, analisando os fatos sobre os currículos como corpos coletivos, percebemos que ele está certo, porque unir brincadeiras aos estudos é uma maneira de facilitar e incentivar ao aprendizado.

As crianças têm fases que não podem passar despercebidas, a fase de brincar é essencial e mesmo estando dentro de uma instituição de ensino, o qual passa boa parte do seu dia, isso não pode se perder, tem que haver uma balança, pra nivelar essa fase com o aprendizado, e as escolas parece lembrar-se dessa vida controlada, vida vivida em biopoder, a subjugação dos corpos e o controle, isso é percebido pela mestranda Elizângela quando se trata de seu filho, que reclamou de quando está na escola parece deixar de ser criança, que nada pode, não pode correr, não pode brincar, só pode estudar.

A burocratização e normalização de um devir ao adentrarem o plano organizacional da escola, de uma dimensão política, parecem ser tomadas para introduzi-las num jogo identitário. E nos corpos das crianças é introjetada uma identidade apriorística da instituição escola, tornando as mesmas, com efeito, aluno e estudante e carrega consigo essa carga de valores e signos dessa nova identidade da qual precisa dar conta (Carvalho; Roseiro, 2015).

A cumplicidade para manutenção desta ordem dentro do ambiente escolar através do currículo passeia por todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. A mestranda Camila faz parte deste movimento quando atua seu papel de professora, porém afetados pelo dispositivo não estão somente os docentes e discentes, todo o corpo administrativo da escola bem como os familiares responsáveis dos alunos e envolvidos na vida escolar de alguma forma impactam este processo.

No documento Layout Livro Covid (páginas 193-200)