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REVISÃO DE LIETERURA

No documento Layout Livro Covid (páginas 90-95)

OS “FARDAS LARANJA” E OS “FARDAS AZUL”: REFLEXÕES PARA UMA PEDAGOGIA PARA OS REBELDES DA SOCIEDADE

2. REVISÃO DE LIETERURA

2.1 ALGUNS ESCRITOS QUE AMPARAM O ESTUDANTE PRIVADO LIBERDADE

Sua educação dentro dos limites do sistema prisional, está assegurado pela Constituição Federal no seu artigo 205 onde afirma que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família. Na Lei de Execuções Penais (LEP), Lei 7210/84, prevê que a assistências ao preso e o internado é dever do Estado. Do artigo 17 até 21 da Lei de Execuções Penais preveem assistência educacional para os privados de liberdade nos níveis fundamental, médio e profissional. Em 2010, a LEP passou por modificação e através da Lei nº. 12.245, impôs a instalação de salas de aula “destinadas a cursos do ensino básico e profissionalizante” nos estabelecimentos prisionais. No ano seguinte, a Lei nº. 12.433/2011 alterou novamente a LEP, abrindo a possibilidade de adquirir a remição pelo estudo e trabalho.

No Plano Nacional de Educação (PNE), através da Lei nº 10.172/2001, apresenta como uma das metas, a implantação em todas unidades prisionais e nos estabelecimentos que possuem jovens e adultos infratores, programas de educação de jovens e adultos no nível fundamental e médio, como também, a formação profissional. O PNE é aderido pelo estado da Bahia pela a Lei 9394/96, que estabelece diretrizes e bases da educação nacional, afirma no artigo 4º, inciso VII, a oferta de educação escolar regular para jovens e adultos (EJA), com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades. Como marco, no sentido de valorização da modalidade EJA, a homologação do Parecer CNE/CEB 11/2000 teve uma grande importância pois instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação de Jovens e Adultos.

No estado da Bahia, desde o ano de 1990, a educação em prisões foi veiculada através da criação da escola especial da Penitenciária Lemos de Brito, atualmente chamado Colégio Estadual George Fragoso Modesto segundo a Portaria No 584/2020.

Já no ano de 2002, houve a criação de um convênio entre a Secretária da Justiça e direitos Humanos (SJCDH) e Secretária de Educação (SEC). Através do projeto Educar para Integrar houve a implantação de postos de extensão em outros presídios para o ensino da educação de jovens e adultos (EJA) atendendo 315 reclusos de unidades prisionais em Salvador e o interior do estado da Bahia (BAHIA, 2012). Este convênio resulta em 2007 da 1ª videoconferência Estadual de Educação no Sistema Penitenciário. Através deste convênio

houve a oferta de educação nas unidades prisionais do Estado da Bahia por meio de uma integração entre SEC, SJCDH, Ministério da educação, Ministério da Justiça em parceria com a UNESCO e o Governo japonês. Este convênio se propôs a agregar e sensibilizar gestores e educadores envolvidos, direta ou indiretamente, com o Sistema Penitenciário.

Outro documento de grande relevância no estado da Bahia é a Resolução CEE no 43, de 14 de junho de 2014. Nesta resolução são apresentadas as diretrizes para Educação de Jovens e Adultos privados de liberdade.

2.2 ALGUNS CONCEITOS IMPORTANTES PARA A EDUCAÇÃO EM PRISÕES

2.2.1 A autodesvalia

Uma espécie de auto-desvalorização do aluno, no caso específico deste artigo, pela constante construção que a sociedade faz no cotidiano desvalorizando as formas de conhecimento popular e valorizando o conhecimento formal. Freire (2011) afirma que:

A autodesvalia é uma outra característica dos oprimidos. Resulta da introjeção que fazem eles da visão que deles têm os opressores. De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem nada, que não podem saber, que são enfermos, indolentes, que não produzem em virtude de tudo isto, terminam por se convencer de sua “incapacidade”. Falam de si como os que não sabem e do “doutor” como o que sabe e a quem devem escutar. Os critérios de saber que lhe são impostos são os convencionais.

Paulo Freire (2011)

No caso dos alunos encarcerados, algumas reflexões podem ser adicionadas. Por exemplo, o fator de estarem encarcerados por qualquer motivo resulta, imediatamente, no afastamento dos familiares, dos amigos e, muitas vezes, resulta no fim dos relacionamentos conjugais. Tais características citadas podem servir de acréscimo ao sentimento de autodesvalia presente também nos alunos privados de liberdade. Estes recebem a autodesvalia em dose extra diante da sua condição de encarcerado.

2.2.2 Dialogicidade como uma indicação para um melhor ensino

A Dialogicidade é um termo utilizado e conceituado por Paulo Freire no livro

“Pedagogia do Oprimido”. Explica a importância da relação do educador e educando através do diálogo. Este termo descrito através de algumas características tais como a relação de

horizontalidade entre professor e estudante. Freire salienta sempre o ato de educar como o amor no ensinar. Também ressalta que o educador deve ter humildade em ensinar e aprender rompendo os polos na relação educador e educando. Adverte também que ninguém é autossuficiente já que somos seres inconclusos. Estas são características que tornam o professor um mediador do conhecimento, assim como quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender (FREIRE,2017). Embora muitos professores percebam a ineficiência do ato de ensinar no cotidiano de trabalho, muitos acreditam que somente a falta de interesse e a indisciplina sejam a causa deste constante e recorrente fato.

SILVA apud OLIVEIRA (2017) explica que:

Indisciplina pode ser traduzida, no contexto de sala de aula apresentado neste trabalho, como o falar fora do esperado outras falas inesperadas ao contexto, as interrupções às palestras docentes, por exemplo. Essas

“indisciplinas” são repetidamente percebidas nas escolas da educação básica como um comportamento indesejado, intolerado e passível de repressão.

Momentos em que estudantes são orientados por seu docente a copiar atividades do quadro e a responderem atividades, modo geral, de preenchimento de lacunas que em nada instiga a imaginação e criatividade dos sujeitos aprendentes. Nesses momentos, ainda que se ocupem de obedecer a ordem dada, reconhecendo hierarquia, esses estudantes transitam pela sala, dialogam um com o outro sobre outros assuntos que não os tratados naquela aula, aumentam o tom de voz, falam ao celular ou mandam mensagens, ou, ainda, fazem tantas outras coisas no lugar da atividade solicitada.

Rosemary Lapa de Oliveira (2017)

O fracasso no ato de ensinar pode estar associado a uma deficiente relação de diálogo entre professor e aluno. Enquanto é visto como a autoridade que detêm o conhecimento e o estudante como mero depósito de conhecimento será impossível haver um aprendizado. Não há como estabelecer uma relação saudável em sala de aula tendo o professor somente explicando um assunto, na maioria das vezes, oriundo do livro didático e imposto sem qualquer interferência ao educando. O respeito a cultura popular, o envolvimento da aula com o entorno e a realidade de vida do aluno é algo imprescindível. Na maioria das vezes, o estudante quer ser ouvido, principalmente, o privado de liberdade. O fato de estar desprovido da liberdade de ir e vir, sob a condição do encarceramento, não significa que a opinião, o aprendizado da vida, a cultura precisa ser privada. O diálogo pode minimizar sua condição atual de vida.

O silêncio do educando é sinônimo de uma boa aula? Trabalhar como professor é uma profissão que requer uma eterna autorreflexão. Professor não é palestrante. Pode se

no caso os estudantes, não devem estar calados. O estudo sobre as formas de silencio já é alvo de pesquisa de muitos professores universitários. Oliveira (2017) e Orlandi (1997) possuem obras que abordam sobre o tema.

Com relação a chamada política do Silêncio, ORLANDI apud OLIVEIRA (2017) dividiu em duas possibilidades:

... política de silêncio, a qual foi desmembrada em duas possibilidades: uma ela designa de silêncio constitutivo – para dizer é preciso não dizer ou uma palavra apaga necessariamente as “outras” palavras. Se eu digo que algo é bonito, sem usar do recurso do sarcasmo, apago possíveis significações a que me levariam a palavra feio e encaminho interpretação para um par de oposição bonito-feio, sendo o bonito e suas significações uma inferência possível e o feio e suas significações uma interpretação silenciada. A outra possibilidade da política do silêncio descrita por Orlandi é o silêncio local, referente à censura propriamente dita – aquilo que é proibido dizer em certa conjuntura. Esse entendimento do silêncio, dá conta de interpretações possíveis, por exemplo, nas músicas de Chico Buarque, quando canta o amor, mas considerando o contexto histórico de censura na época da produção das canções, será possível atribuir sentidos mais políticos a elas, naquele caso, inferimos que ele, proibido de dizer o que desejava, silenciado, não se silenciava.

Rosemary Lapa de Oliveira

No ambiente das salas de aulas, muitas vezes, improvisadas do ambiente prisional é comum o comportamento disciplinado que proporciona uma realização de uma “aula ideal”

nos moldes tradicionais pois os estudantes se comportam de maneira satisfatória permanecendo em silêncio sem qualquer intervenção. No ambiente prisional, o relevante é saber se o conteúdo conduzido está sendo transformador na vida deles ou se o comportamento dos alunos é mais uma postura educada de quem está respeitando somente a presença do profissional professor. Muitas vezes, Nem sempre o silêncio é sinônimo de uma boa aula.

2.2.3 E a pedagogia da rebeldia?

A professora Rosemary Lapa no seu livro “Pedagogia da Rebeldia e o Enleituramento"

conceitua o subtítulo acima como: A Pedagogia da Rebeldia cabe constituir leitores, cabe apresentar aos sujeitos de aprendizagens possibilidades de ler o mundo, ampliar repertorio argumentativo e discursivo para ser cidadão no mundo e do mundo, sendo capaz de se ajustar aos grupos sociais com os quais deseja interagir. Sendo assim, embora as discussões sobre o desejo sejam sempre bastante fecundas, a Pedagogia da Rebeldia centra-se em apresentar possibilidades e entende que o desejo de aprender, de se integrar,

de interagir, são fontes de desejo para o enleituramento. Então, ao se constituir em sujeitos leitores e sujeitos de leitura, vendo a leitura fonte de aprendizagem, de integração e interação, o desejo de ler, o gosto em ler, o prazer ler, afloram.

A partir deste conceito, a professora enfatiza que a leitura é um dos mais importantes elementos para o melhor aprendizado, entretanto, esta leitura deve ser precedida de maneiras, métodos mais atraentes para os alunos, contextualizada a vida dos mesmos afim de criar cidadãos críticos, reflexivos e entendedores de uma compreensão subliminar variadas linguagens textuais.

2.3 BNCC SEM EJA

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), publicada em 2018, não contempla de forma clara e específica a Educação de Jovens e Adultos. Segundo Ferreira (2019), a BNCC vem carregada por avanço que se reveste e silencia retrocessos na educação do país. O autor menciona faz tal afirmação pois o documento oficial do Ministério de Educação (MEC) não menciona o EJA como uma modalidade desconsiderando as especificidades a respeito da metodologia, da avaliação, de formação, etc.

2.4 MAIS UM PROBLEMA: A PANDEMIA

Uma das recomendações principais dos infectologistas nos tempos atuais é o isolamento social, como também, evitar aglomerações. Como evitar isto dentro de um ambiente em que a aglomeração é algo comum. O professor Roberto da Silva, uma das principais referências na pesquisa sobre educação prisional, afirma que a medida mais abrangente e capaz de produzir resultados imediatos é o indulto presidencial. Consiste no perdão da pena, com sua consequente extinção atendendo o cumprimento de alguns requisitos. Esta previsto no artigo 84, inciso XII da Constituição Federal. SILVA (2020), sugere a:

Presidiários no grupo de risco, além da inclusão de dispositivos específicos relativos a mulheres condenadas e da adoção de medidas de segurança.

Roberto da Silva (2020)

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mal comportamento em sala de aula há muito tempo que não é uma novidade. A visão tradicional de ensinar tendo o professor como o único possuidor do conhecimento e o aluno como uma “tabua rasa” é ultrapassado há muito tempo e tem uma contribuição importante no desestimulo e rebeldia dos alunos de modo geral, sejam encarcerados ou não.

O reconhecimento dos saberes populares, na condição de Jovens e Adultos (EJA) e encarcerado, toma uma dimensão maior na medida* em que são pessoas com grande uma experiencia de vida já erguida no seu cotidiano durante os anos. Diante disso, o educador prisional deve ter consciência de que o aluno encarcerado deve ser seduzido não somente pela remissão de pena, como também, pelo conhecimento mediado pelo professor e sua importância para sua liberdade intelectual mesmo diante das adversidades do cotidiano prisional na qual ele vive.

Constituir leitores e amantes da leitura é uma recomendação da pedagogia da Rebeldia e pode ser empregada nas áreas de ciências humanas, artes, ciências naturais e matemática. Seduzi-los a partir da leitura do mundo dos alunos.

No documento Layout Livro Covid (páginas 90-95)