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Novo contexto: novos espaços, novas formas de atuação

No documento FEMINISMO E EVANGELIZAÇÃO (páginas 95-102)

Como foi explicitado acima, o fenômeno da transnacionalização do feminismo causou um efeito impactante e controvertido nos feminismos de nossa região, sobretudo a partir da segunda metade dos anos de 1990. Desde então, as feministas que participaram das cinco conferências que deram sequência às cúpulas mundiais do Rio, Viena, Cairo, Copenhagen e Beijing, vinham constatando que as ações visando influenciar setores internacionais oficiais não apresentavam resultados satisfatórios. Alvarez sustenta que, na década de 1990, mesmo com a incorporação de algumas das propostas feministas nas plataformas e acordos internacionais, o fortalecimento da globalização neoliberal, o enxugamento dos Estados nacionais, os processos de ajuste econômico, assim como a erosão da cidadania e das políticas sociais obstruíram as possibilidades de mudanças significativas nos direitos e condições de vida das mulheres39.

38 LEBON, Nathalie. The lavor of love and bread: professionalized and volunteer activism in the São Paulo women´s health movement. PhD. Dissertation, University of Flórida, 1998. In: ALVAREZ, S. Feminismos latinoamericanos, p. 276.

39 ALVAREZ, S. E. Um outro mundo [também feminista] é possível..., p. 535.

95 Assim, ao constatar recuos significativos nos países que já haviam operacionalizado um sistema de defesa dos direitos humanos e de garantias de um mínimo de bem-estar a cada cidadã e cidadão, as feministas – entendendo que mudar a situação das mulheres neste início de século pressupõe mais do que reivindicar novas leis ou a inclusão de novos direitos nas constituições dos países latino-americanos e caribenhos – sentiram-se interpeladas a rever suas estratégias e a redefinir seu campo de ação. Muitas passaram a atuar junto a outros atores sociais que foram emergindo com mais decisão no cenário neoliberal da região: o movimento dos zapatistas, no México, dos sem-terra, no Brasil, dos cocaleros, na Bolívia, dos piqueteros, na Argentina, dos indígenas e afrodescendentes, em todo o continente, além de outros, de expressão mais local.

Conforme análise de Alvarez, o ano de 2000 sinalizou um fortalecimento e ampliação desse processo. De fato, no conjunto dos direitos reivindicados, um aspecto marcante foi a afirmação dos direitos das mulheres em todo o mundo, e especialmente na América Latina e Caribe; aqui os feminismos continuam criando novas formas de atuação a partir de “outros espaços públicos e contra-hegemônicos, em nível regional e global, nos quais novos sentidos, identidades, práticas transgressivas, rebeldias e resistências são forjados e retroalimentados”40.

Nesse contexto, o Fórum Social Mundial – FSM é um dos mais inovadores espaços, no conjunto do amplo e difuso movimento antiglobalização, ou melhor, do movimento global pela solidariedade e justiça social. Ali, as feministas não apenas participam, mas intervêm articuladamente junto com essa nova força social mundial, questionando o pensamento hegemônico codificado no sistema neoliberal globalizado, como também apresentando propostas alternativas radicais para a transformação da realidade e a concretização, de fato, de “outro mundo”, antipatriarcal, antirracista e anticapitalista. Esse mundo exige a perspectiva e a participação também das mulheres e de outras categorias excluídas. Analisando desde uma perspectiva feminista, a tarefa de “outro mundo possível”

– sugere Cándido Grzybowsky – é bem maior e mais desafiadora do que parece, e precisa da atuação audaciosa e destemida das mulheres;

[...] sem dúvida – afirma o autor – estamos incomodando o pensamento único dominante. Porém, será que estamos incomodando-nos com nosso machismo, racismo e outras intolerâncias? A especificidade do Fórum Social Mundial é estabelecer o diálogo entre os diversos. Isto dá originalidade e força ao Fórum na construção de uma globalização das cidadanias no Planeta Terra.

Porém, o caminho é longo e cheio de obstáculos. Espero que as mulheres nos façam ser radicais, atuando como até agora: fazendo cobranças e incomodando41.

40 ALVAREZ, S. E. Um outro mundo [também feminista] é possível..., p. 533.

41 GRZYBOWSKY, C. Es possible un mundo más femenino? In: Fórum Social Mundial jan. 2002. Disponível em: <http://www.forumsocialmundial.org.br/main.php?id_menu=14_2&cd_language=1>. Acesso em 10/9/2007.

96 Seguramente, a utopia de “outro mundo possível” sempre esteve presente no ideário feminista, alimentando e impulsionando ações libertárias e transformadoras. Com efeito, o pensamento consciente e a ação organizada das mulheres têm como meta fundamental a mudança radical da sociedade, a transformação de cada espaço, cada relação, cada prática econômica, social, política, cultural e até mesmo religiosa42. Da mesma forma, o processo do FSM também aponta para mudanças em todas as dimensões, em todas as intersecções, em todas as realidades, coincidindo com a perspectiva feminista que pretende “mudar o todo em suas partes”43, como frisou Magdalena León. Para alcançar esse objetivo as mulheres têm pela frente um duplo desafio: “tornar sua agenda global e fazer com que sua agenda se torne global”44, o que permite inscrever as prioridades feministas no conjunto das demandas sociais. Os feminismos podem, assim, afirmar sua autonomia e, ao mesmo tempo, interagir junto com outros setores sociais para mudar a ordem global vigente.

Ademais, o novo espaço do FSM é imprescindível para a confluência, o engajamento, a articulação e a atuação dos feminismos – não só em nível global, mas também em nível continental e regional – junto a outras lutas e propostas que avançam para novas perspectivas, indispensáveis para a construção da nova ordem mundial que queremos.

Seguramente, essa inserção dos feminismos no processo do Fórum, não só permite o avanço geral do feminismo e fortalece o movimento pela globalização solidária, mas também intensifica a consolidação de alianças entre os feminismos e as forças do movimento social, ampliando as possibilidades de uma real transformação da realidade e a instauração da nova ordem mundial que queremos.

É importante sublinhar que para as feministas “outro mundo”, sem o feminismo, é impossível. Essa máxima vem ecoando em todos os países, denotando a importância da presença e atuação dos feminismos no Fórum, onde se fortalece a utopia de “outro mundo possível” e se constroem novas alianças e articulações com outros(as) atores e atoras sociais. Mas, por outro lado, não se pode esquecer que essa presença se confronta com sérios desafios, como o de desconstruir visões e práticas androssexistas e etnocêntricas que

42 A própria Bíblia apresenta muitas situações que colocam em evidência a capacidade de articulação das mulheres para mudar a realidade. Temos, por exemplo, a coragem e criatividade das parteiras do Egito (Ex 1,15- 21); a resistência e audácia das filhas de Salfaad, que conquistaram direitos não apenas para si mesmas, mas conseguiram mudanças na legislação vigente que beneficiaram todo o povo (Nm 27,1-27); a resistência e autodeterminação das mulheres frente à religião monoteísta e patriarcal dominante (Jr 44), assim como a coragem e persistência das discípulas na hora primeira da comunidade cristã, como narram todos os evangelhos.

43 LEÓN, M. FSM: Espacio para la construcción de feminismos. Estudos Feministas, v. 11, n. 2, p. 617, jul.- dez. 2003,

44 LEÓN, M. FSM: Espacio para la construcción de feminismos, p. 621.

97 ainda estão incrustadas em muitos grupos e movimentos, a fim de se “construir éticas inclusivas em todos os sentidos”45 – como advoga Irene León – e ao mesmo tempo, provocar os movimentos que se autodenominam “específicos” a ampliar seu campo de atuação, incluindo outras problemáticas e perspectivas em suas abordagens, particularmente no que tange a realidade das mulheres.

A expansão do processo do FSM na região – outro fator de grande relevância – possibilitou a criação de espaços de articulação internacional, dificilmente realizáveis para o movimento de mulheres em outras circunstâncias. Nadia De Mond, que acompanha os processos da Marcha Mundial de Mulheres – MMM e do FSM, constatou que “muitas jovens e outras mulheres se tornaram feministas no caminho de Seattle e Porto Alegre”46. E Júlia Di Giovanni observa que as jovens feministas que participam do Fórum são portadoras de um feminismo novo, atento em responder aos desafios históricos que se colocam hoje, tanto para o feminismo como para o conjunto dos projetos emancipadores47 dos quais o FSM se propõe ser canal e ponto de convergência.

Obviamente, o Fórum provoca e contribui para novos debates no interior dos feminismos latino-americanos e caribenhos, já que estes, pela própria índole, se expressam e interagem em múltiplos e diferentes espaços. Por sua vez, as feministas também colocam para o Fórum muitos questionamentos e desafios que ainda persistem nos espaços de articulação entre diferentes movimentos, tentando influenciar a agenda dos movimentos sociais e políticos progressistas a fim de que estes incluam em seus projetos as demandas das mulheres. Embora a ressonância ainda seja bastante limitada e ainda haja um longo caminho a percorrer a fim de se incorporar a perspectiva feminista, “não queremos que os temas do Fórum sejam de domínio masculino – advertem as feministas – [...] não queremos ser simplesmente uma presença nominal; estamos cansadas de referências superficiais aos temas de gênero”48.

De fato, análises feministas mostram com frequência que as mulheres, ou estão ausentes ou são insuficientemente incluídas em temas relevantes do FSM, como os econômicos e de finanças. Tanto na representação das vozes no espaço do Fórum, como nos

45 LEÓN, I. [Depoimento]. In: ALVAREZ, S. E. Um outro mundo [também feminista] é possível..., p. 538.

46 DE MOND, N. [Depoimento]. In: ALVAREZ, S. E. Um outro mundo [também feminista] é possível..., p.

537.

47 GIOVANNI, J. R. [Depoimento]. In: ALVAREZ, S. E. Um outro mundo [também feminista] é possível..., p.

537.

48 DUAREN, I. [Depoimento]. In: CELIBERTI, L.; VARGAS, V. V. Feministas en el Foro. Estudos Feministas, v. 11, n. 2, p. 592, jul.-dez. 2003.

98 conteúdos, percebe-se que tais temas ainda são fortemente identificados como masculinos, ignorando-se, assim, a realidade das mulheres. Por outro lado, é obvio que a questão das ausências femininas não se resolve apenas com a presença de mais mulheres nas mesas de discussão desses temas; é impreterível que estes sejam abordados desde uma perspectiva feminista e de gênero que seja, de fato, libertadora. Certamente, esse é um desafio que aponta para a necessidade de se potenciar lideranças feministas capazes de criar alternativas em diferentes níveis e espaços. A esse respeito, insistem as feministas que

[...] é chegado o momento de muitas de nós (mais do que aquelas que atualmente o fazemos), tomemos uma séria responsabilidade em dar outra forma a nosso mundo nos níveis micro, médio e macro. Em outras palavras, de dar um passo a mais no feminismo e na liderança feminista; de preocuparmo-nos em viabilizar soluções para as tensões e conflitos do mundo; de assumir a liderança em organizações; de buscar formas de fazer com que nosso mundo e nossas vidas sejam mais inclusivos e diversos49.

É justo, no entanto, destacar que bem antes da articulação dos feminismos no interior do FSM, as mulheres já haviam desencadeado um processo de articulação internacional por meio da Marcha Mundial de Mulheres. Preparada desde 1998 e tendo sua primeira edição entre março a outubro de 2000, a Marcha é uma articulação autônoma mais ampla do movimento de mulheres que transcende as fronteiras nacionais; ou seja, é uma ação pontual de movimentos de mulheres do mundo todo para eliminar a pobreza e a violência sexista, bem como para romper com pseudovalores e condições materiais que sustentam o machismo, o sexismo, a opressão e a exclusão em nossa sociedade.

Em outras palavras a MMM expressa um feminismo atuante, empenhado em promover a autodeterminação das mulheres, tendo como eixo estruturante a crítica global ao capitalismo e a todas as formas de opressão que ele articula: de classe, raça, gênero, idades, sexualidades e nacionalidades, entre outras. É inédito o fato de tantos grupos de mulheres de diferentes países se juntarem para exigir o fim do sistema patriarcal e das políticas neoliberais. Essa experiência contribuiu para consolidar uma espécie de rede mundial e destacar que o momento atual é muito rico para a relação entre os feminismos e o movimento “por uma outra globalização”50.

49 BORREN, S. [Depoimento]. In: CELIBERTI, L.; VARGAS, V. V. Feministas en el Foro, p. 592.

50 Participaram da Marcha mais de seis mil grupos de 159 países e territórios, oriundos do movimento de mulheres e de movimentos sociais mistos, sendo que a liderança do evento coube às mulheres. As manifestações de encerramento mobilizaram milhares de mulheres em todo o mundo. Em Bruxelas, a manifestação reuniu trinta e cinco mil mulheres e foi o encerramento de caminhadas e caravanas vindas de todos os países da região. Foram apresentadas à União Europeia exigências para uma Europa ampla, solidária e aberta aos países do Leste e aos imigrantes. Nas Filipinas, Índia e Bangladesh o foco das manifestações foram os escritórios regionais do Banco Mundial e do FMI. Mulheres de países muçulmanos, por sua vez, desafiaram as rígidas leis e tradições e saíram

99 Pode-se afirmar com segurança que a Marcha possibilitou às mulheres uma melhor articulação e abertura para outros trabalhos, outras ações e para viabilizar alternativas à pobreza e à violência contra as mulheres, que por sua vez exigem dos movimentos de mulheres e dos movimentos feministas novas formas de atuação política e novas intervenções. Assim, conforme surgem novos problemas, os feminismos latino-americanos e caribenhos são interpelados a contribuírem com sua visão na análise e na proposição de novas agendas e alternativas51.

Vale ainda destacar que uma das características fundamentais da Marcha consiste em que ela não produz nenhuma “prima donna”, para usar a expressão de Miriam Nobre52. Pelo contrário, mulheres de variados setores e de grupos de base emergem como lideranças, coordenando processos de grande relevância, realizando ações articuladas em torno de uma agenda comum construída pelas próprias mulheres; esses procedimentos facilitam sua intervenção na conjuntura e em processos eleitorais, fortalecendo-as como protagonistas nas lutas contra o patriarcalismo neoliberal e ampliando a influência do discurso feminista no interior dos movimentos mistos e na sociedade. O objetivo é fomentar um projeto que incorpore a perspectiva feminista e assuma as mulheres como sujeito político.

É verdade que ainda há muitos desafios a serem enfrentados a fim de que a pobreza, a violência, a opressão, a exclusão, deixem de ser realidade na vida de muitas mulheres

às ruas exigindo direitos e condições humanas de vida. As mexicanas foram em caravana até Washington e Nova York onde se juntaram às americanas e a outras quatro mil mulheres vindas de outras partes do mundo para mover ações contra o imperialismo, a política norte-americana e a intervenção militar dos EUA na Colômbia. No Brasil a Marcha foi lançada em vinte e duas capitais e em várias outras cidades, com grande participação e muita repercussão nos meios de comunicação de massa e na imprensa alternativa. Houve mobilizações, debates e outras manifestações organizadas pelas mulheres dos movimentos negro, sindical, de jovens, de trabalhadoras rurais, de pastorais, de escolas e de outros setores sociais. A Marcha das Margaridas é, sem dúvida, uma das mais vibrantes e audaciosas expressões do feminismo das trabalhadoras rurais. Fato interessante é que a Marcha passou a assumir o calendário geral das lutas do país, marcando presença nas comemorações de 1º de maio, no Plebiscito da Dívida Externa e do Desarmamento, na Campanha contra a ALCA e os transgênicos, em favor da reforma agrária, nas edições do Grito dos Excluídos, nas Semanas Sociais promovidas pela CNBB, e em outras manifestações nacionais. O mesmo aconteceu nos demais países da América Latina e do Caribe: as mulheres ocuparam as ruas e os espaços oficiais para manifestar sua indignação e reivindicar ações políticas transformadoras e de combate à pobreza e à violência sexista. Com esse objetivo, na primeira edição da Marcha foram entregues à ONU mais de cinco milhões de assinaturas recolhidas em todos os países participantes.

51Fato interessante é que no Brasil a Marcha passou a assumir o calendário geral das lutas do país, marcando presença nas comemorações de 1º de maio, no Plebiscito da Dívida Externa e do Desarmamento, na Campanha contra a ALCA e os transgênicos, em favor da reforma agrária, nas edições do Grito dos Excluídos, nas Semanas Sociais promovidas pela CNBB, e em outras manifestações nacionais. O mesmo aconteceu nos demais países da América Latina e do Caribe: as mulheres ocuparam as ruas e os espaços oficiais para manifestar sua indignação e reivindicar ações políticas transformadoras e de combate à pobreza e à violência sexista. Com esse objetivo, na primeira edição da Marcha foram entregues à ONU mais de cinco milhões de assinaturas recolhidas em todos os países participantes. O próximo capítulo contem informações mais específicas sobre a Marcha no Brasil.

52 NOBRE, M. Avaliação da Marcha Mundial de Mulheres. Folha Feminista, São Paulo, n.20, p. 2, fev. 2001.

100 latino-americanas e caribenhas. Por outro lado, o trabalho realizado pela MMM e alimentado pelo FSM está rendendo muitos frutos neste início de milênio53. A Marcha propiciou um intenso exercício de questionamento do poder econômico e de suas políticas excludentes e destrutivas; permitiu pôr em andamento uma rede feminista não apenas regional, mas também internacional que, mesmo fortalecendo iniciativas próprias e autônomas, se integrou plenamente no movimento global de ações anticapitalistas que estão provocando fissuras na hegemonia neoliberal. Talvez seja por isso – sugere Silveira – que

“alguns órgãos de imprensa identificaram na Marcha Mundial um exemplo da nova onda do feminismo, principalmente nos países latino-americanos e caribenhos’”54.

2 Os Encontros Feministas Latino-Americanos e Caribenhos

Um aspecto que não pode ser esquecido quando se trata dos feminismos latino- americanos e caribenhos são os Encontros Feministas, bienais ou trienais, realizados em um país previamente escolhido pelas participantes. Tais encontros se constituem em espaços de articulação política que as feministas criaram a partir de 1981 a fim de tecer redes de atuação coletiva, definir datas de lutas comuns e firmar laços políticos de identidade e solidariedade regional. Conforme análise de Alvarez, eles são considerados espaços “entrefronteiras” ou “supranacionais” decisivos para se debater e reimaginar coletivamente o feminismo e sua relação com outros grupos que também lutam pela dignidade humana e pela justiça social55. Ali não somente se expressam, mas também são articuladas as práticas e reconfiguradas as identidades dos movimentos locais, nacionais e regional.

53 De 2 a 9 de julho de 2006, aconteceu no Peru o VI Encontro Internacional da MMM, com a presença de mais de cem mulheres de 31 países dentre os que têm coordenações nacionais. O fato de ser realizado na América Latina favoreceu uma presença maior de feministas da região. O Encontro refletiu os impactos da ação mundial organizada em 2005 com a Marcha de revezamento, quando uma Carta das Mulheres para a Humanidade, partindo do Brasil, percorreu 53 países e territórios de vários continentes, durante vários meses, até chegar em Burkina Faso, na África. Essa ação foi muito importante para reforçar a identidade da Marcha como um movimento mundial e demonstrou sua capacidade de convocatória e mobilização. Assim, aquilo que já se definia como um movimento irreversível, depois de 2005 reafirmou sua força e organização. A luta contra a pobreza e a violência desenvolvida pela Marcha se dá em torno de temas comuns, como a luta contra a guerra e a militarização, o tráfico e a prostituição, bem como por trabalho e soberania alimentar. Para cada um desses enfoques se buscou definir objetivos comuns e ações internacionais.

54 SILVEIRA, M. L. Um feminismo a partir das lutas. Folha Feminista, São Paulo, n. 19, p. 2, dez. 2000.

55 ALVAREZ, S. E. et al. Encontrando os feminismos latino-americanos e caribenhos. Estudos Feministas, v.

11, n. 2, p. 542-543, jul.-dez. 2003; ALVAREZ, S. E. Um outro mundo [também feminista...] é possível:

construindo espaços transnacionais e alternativos globais a partir dos movimentos. Estudos Feministas, v. 11, n.

2, p. 534, jul.-dez. 2003.

101 Mais explicitamente: por serem de caráter extraoficiais, os Encontros são instâncias críticas transnacionais, nos quais as ativistas locais negociam, renegociam e definem as ações específicas dos feminismos da região. Sem dúvida, são instâncias privilegiadas de diálogo, troca de idéias e reflexão crítica feminista, com acirrados debates e controvérsias.

Mas são também espaços de formação de alianças entre as diferentes correntes de pensamento feminista, de compartilhamento de projetos e perspectivas, bem como da articulação de solidariedades e do fortalecimento de utopias.

As participantes desses encontros são mulheres que se identificam com o feminismo, vindas de diferentes países, classes sociais, faixas etárias, opções sexuais, grupos étnico-raciais e religiosos, apresentando trajetórias políticas múltiplas e experiências diversas de atuação numa rica variedade de espaços. As analistas56 definem esses encontros como “marcos históricos” que destacam os debates intrarregionais mais importantes permitindo que as militantes compartilhem suas diferentes perspectivas, questionem as diversas formas de opressão, reorientem os discursos e as práticas feministas e construam significados políticos e culturais alternativos, que são contextualizados conforme as distintas realidades locais e nacionais como se pode ver nas páginas seguintes.

2.1 Encontros, desencontros, reencontros dos feminismos da América Latina e

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