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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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(1)

EM BUSCA DA TRADUÇÃO CONSAGRADA DE MARIO

QUINTANA

Márcia da Anunciação Barbosa

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EM BUSCA DA TRADUÇÃO CONSAGRADA DE MARIO QUINTANA

Márcia da Anunciação Barbosa

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação

em

Letras

Neolatinas

da

Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte

dos requisitos necessários à obtenção do Título de

Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos

Neolatinos – Língua Francesa)

Orientadora: Márcia Atálla Pietroluongo

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Márcia da Anunciação Barbosa

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos - Língua Francesa). Aprovada por:

________________________________________________________ Professora Doutora Márcia Atálla Pietroluongo - UFRJ, Orientadora

___________________________________________________________ Professora Doutora Maria Paula Frota - PUC - RJ

____________________________________________________________ Professor Doutor Marcelo Jacques de Moraes - UFRJ

____________________________________________________________ Professora Doutora Helena Franco Martins - PUC - RJ

____________________________________________________________ Professora Doutora Maria Cristina Batalha - UERJ

____________________________________________________________ Professora Doutora Branca Falabela Fabrício - UFRJ, Suplente

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Agradeço a Deus, meu refúgio e força.

A toda minha família pelo apoio constante. Em especial meus pais Guilherme e Lucy Bárbara e ao meu filho Jorge Lucas.

Ao meu companheiro Jean-François Gamaury pelo apoio e incentivo constante. À minha professora e orientadora, Márcia Atálla Pietroluongo pelo acompanhamento e revisão do presente estudo.

A todos os meus professores do curso de Doutorado: em especial ,Angela Maria da Silva Corrêa, Anamaria Skinner e Aurora Consuelo Alfaro Lagorio, com quem muito aprendi.

Aos professores Maria Paula Frota e Marcelo Jacques pelas orientações e direcionamento dados ao trabalho por ocasião do Exame de Qualificação.

Ao amigo Marcelo Vianna Lacerda de Almeida pelo incentivo e por partilhar comigo tudo o que aprendeu durante o seu próprio caminho acadêmico.

À amiga Débora de castro Barros pelo incentivo e pelas longas conversas ao telefone, sempre disponível a me ajudar.

À amiga Angeli de Oliveira Pacheco pela amizade, incentivo e força espiritual. Aos meus amigos do Colégio Pedro II, em especial, Aline de Paula Alves, Jorge de Azevedo Moreira, Luciana Santos da Silva e Valéria Aparecida Trambaioli de Rocha e Lima pelo incentivo.

A todos os funcionários da Faculdade de Letras, pela atenção, pela disposição, e prontidão com que sempre me atenderam.

(6)

BARBOSA, Márcia da Anunciação

Em Busca da Tradução Consagrada de Mario Quintana. Rio de Janeiro, 2012.

Tese (Doutorado em Letras Neolatinas)

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras. Orientador: Profa. Doutora Márcia Atálla Pietroluongo

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(8)

INTRODUÇÃO ...13

1. A TRADUÇÃO NO BRASIL E A LINGUA FRANCESA...17 1.1. A TRADUÇAO ESCRITA NO BRASIL DO SÉCULO XVI AO XVIII ...18 1.2. O CRESCIMENTO DA TRADUÇÃO NO BRASIL NO SÉCULO XIX COM OS ROMANCES-FOLHETINS ...22 1.3. A TRADUÇÃO NO SÉCULO XX, NO BRASIL ...28 1.4 AUTORES-TRADUTORES NAS TRADUÇÕES DA EDITORA GLOBO...33 1.4.1. AS COLEÇÕES DA EDITORA GLOBO...34 1.4.2. A TRADUÇÃO PIONEIRA DE A COMÉDIA HUMANA....39 1.5. A EDITORA GLOBO E A TRADUÇÃO DE EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO ...43 1.5.1. MARIO QUINTANA TRADUTOR ...45

2. A TRADUÇÃO LITERÁRIA NO CONTEXTO SOCIAL - FIDELIDADE,

ETNOCENTRISMO E INVISIBILIDADE DO TRADUTOR

...51 2.1. A FIDELIDADE E A VISÃO TRADICIONAL DA TRADUÇÃO

LITERÁRIA ...55 2.2. O ETNOCENTRISMO E A RELAÇÃO DO TRADUTOR COM A

(9)

PERDIDO ...81

3.1. A TRADUÇÃO E A TEORIA DOS CAMPOS SIMBÓLICOS DE PIERRE BOURDIEU ...82

3.1.1. O FUNCIONAMENTO DO CAMPO DE PRODUÇÃO LITERÁRIA ...86

3.2. EVIDÊNCIAS DE FUNCIONAMENTO DO CAMPO – AS INSTÂNCIAS DE CONSAGRAÇÃO DA TRADUÇÃO DE EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO ...90

3.2.1. O FRANCÊS E A ORIGEM FAMILIAR DE QUINTANA ...98

3.2.2. A POSIÇÃO TRADUTIVA “VISÍVEL” DE MARIO QUINTANA...102

3.2.3. AFRIMAÇÕES DE AMOR À TRADUÇÃO E DE ABNEGAÇÃO DOS LUCROS FINANCEIROS ...106

3. 2.4. A MÍSTICA DO ACASO NO OFÍCIO DA TRADUÇÃO –HISTÓRIAS FOLCLÓRICAS SOBRE A TRADUÇÃO DE PROUST. AS CAPAS...109

4. A LUTA PELA LEGITIMIDADE NO CAMPO – AS NOVAS TRADUÇÕES DE EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO ...117

4.1. A TRADUÇÃO DE FERNANDO PY...119

4.2. A ESTRATÉGIA DE CONSERVAÇÃO DA EDITORA GLOBO: A TRADUÇÃO “DEFINITIVA” ...134

4.3. A LUTA PERMANENTE NO CAMPO: ANUNCIADA NOVA TRADUÇÃO DE PROUST A SER LANÇADA EM 2012...141

5. CONCLUSÕES ...147

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...152

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BARBOSA, Márcia da Anunciação.

Em busca da tradução consagrada

de Mario Quintana

. Orientadora: Márcia Atálla Pietroluongo. Rio de

Janeiro: UFRJ, 2011. Tese (Doutorado em Estudos Lingüísticos Neolatinos

– Língua Francesa).

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BARBOSA, Márcia da Anunciação.

Em busca da tradução consagrada

de Mario Quintana.

Orientadora: Márcia Atálla Pietroluongo. Rio de

Janeiro: UFRJ, 2011. Tese (Doutorado em Estudos Lingüísticos Neolatinos

– Língua Francesa).

Dans cette thèse, nous analyserons ce qui fait que la traduction d’une

oeuvre soit considérée importante. Notre étude s’est fondée sur la traduction

d’oeuvres littéraires françaises importantes, notamment celle qui constitue

notre objet

d’investigation –

À la recherche du temps perdu

, de Marcel

Proust. Traduite au Brésil par Mario Quintana, Carlos Drummond de

Andrade, Manuel Bandeira et Lucia Miguel Pereira, cette oeuvre a été

publiée par Editora Globo, dans les années quarante, période durant laquelle

l’activité de traduction se consolidait au Brésil. Nous partirons du principe

que l’importance de cette traduction peut être attribuée au rôle des

é

crivains-traducteurs

– les écrivains qui ont exercé l’activité de traduction.

Ainsi, analyserons-nous,

en particulier, la position consacrée de Mario

Quintana, à partir de son succès comme auteur littéraire et, par ailleurs, sa

consécration à partir de son travail en tant que traducteur

de l’oeuvre de

Proust. Dans cette analyse,

nous nous fonderons sur la théorie des champs

symboliques de Pierre Bourdieu, étant donné

que ce sont les instances de ce

champ de production

qui confèrent à la traduction littéraire sa rareté et son

originalité.

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BARBOSA, Márcia da Anunciação.

Em busca da tradução consagrada

de Mario Quintana

. Orientadora: Márcia Atálla Pietroluongo. Rio de

Janeiro: UFRJ, 2011. Tese (Doutorado em Estudos Lingüísticos Neolatinos

– Língua Francesa).

This paper seeks to understand what makes a translation of a given

work be considered a definitive translation. The study focused on the

translation of important French works, in particular, the book:

À la

recherche du temps perdu

(In search of lost time) by Marcel Proust.

Translated into Portuguese as

Em busca do tempo perdido

by Mario

Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira and Lucia

Miguel Pereira, this work was released by Editora Globo during the 1940s,

a time when translation was becoming consolidated in Brazil. We begin

with the assumption that the relevance of this translation was largely due to

the role of what are called author-translators, that is, writers who also

translate. Therefore, we analyzed the established condition of Mario

Quintana as a translator, based on his recognition as a literary author, and,

inversely, how much recognition Quintana also received by translating

Proust. Within the scope of this analysis, we used Pierre Bourdieu’s theory

of symbolic fields, since it is the instances of this field of production that

create a rare and unique product, such as the translation of a literary work.

(13)

INTRODUÇÃO

Constantemente relegado a um plano secundário ao longo da história da tradução

no Brasil, apagado na maioria das vezes, observamos que, na Era Vargas (de 1930 a

1945), o tradutor literário passa a ter destaque. Época em que interessava saber quem era

o tradutor, em que seu nome contava para o sucesso de vendas da obra traduzida. Época

dos autores-tradutores. Considerado um dos períodos mais produtivos da tradução

literária no Brasil, foi dos anos 1930 a meados dos anos 1950 que a tradução teve no País

o seu clímax. É interessante observar que essa época de pleno desenvolvimento da áreaé

marcada pela diminuição de traduções de obras de língua francesa e pela suplantação

daquelas advindas da língua inglesa. Entretanto, apesar do declínio do número de

traduções de obras do francês, paradoxalmente, é também nesse período que são

traduzidas importantes obras francesas. Primeiramente, interessou-nos o porquê da

tradução de obras francesas que, até então, não haviam sido traduzidas, justamente

quando a língua francesa começava a perder seu prestígio e quando a língua inglesa se

sobrepunha à francesa. Ora, algumas dessas traduções são consagradas até hoje, como

Em busca do tempo perdido, que teve Mário Quintana como tradutor dos quatro primeiros volumes, sendo lançada pela Editora Globo em 1948, mesmo após o

surgimento de outras traduções. Assim, a questão central da pesquisa é como essa

tradução alcançou valor e reconhecimento pelo público.

Acreditamos que a consagração dessa tradução se deva ao papel de seu tradutor,

Mário Quintana. Ao irmos em busca do tradutor, analisando sua condição de consagração

(14)

avaliaremos a tradução como um bem simbólico. Entretanto, acreditamos que não somente a qualidade da tradução seja a responsável por sua consagração, mas todo um

jogo de forças presente no campo de produção literário. Nessa perspectiva, a teoria de

Pierre Bourdieu, com seu conceito de habitus adquirido e relacionado com as estratégias operadas por um campo e por determinados agentes desse campo, nos guiará. O nome e os escritos de Pierre Bourdieu estão cada vez mais presentes no campo dos Estudos da

Tradução, principalmente por meio de estudiosos como Daniel Simeoni, Gouanvic

Jean-Marc e Inghiller Moira. Pascale Casanova, entretanto, se fez pioneira quando, em 1999,

publicou La république mondiale des lettres, em que evidencia a mudança no contexto dos Estudos da Tradução ao associá-la à teoria bourdieusiana. Segundo Pascale Casanova

(2002), o tradutor constitui uma das instâncias a situar no espaço literário, e de sua

posição, dentre outros fatores, depende o grau de legitimidade da tradução. Assim, quanto

maior o prestígio do tradutor, mais nobre é a tradução, mais ela se consagra.

Primeiramente, no primeiro capítulo, faremos um histórico da tradução literária no

Brasil, ressaltando a influência da cultura francesa em diferentes períodos, mostrando a

posição dos tradutores ao longo da história e a formação do espaço social da tradução no

Brasil. Destacaremos a fase histórica que é central neste trabalho, a Era Vargas,

mostrando, então, as mudanças no País e no cenário mundial no período histórico em que

os Estados Unidos passam a ter papel dominante. Ao tratar da tradução literária no

referido período, observaremos que o número de traduções de língua inglesa sobrepõe-se

ao de língua francesa, ressaltando as mudanças na tradução a partir desse momento.

Assim, quem eram os tradutores antes? Quem eram nesse período? Depois,

(15)

humana, de Balzac, e Em busca do tempo perdido, de Proust, mostrando como aumentou a qualidade das traduções nesse momento.

No segundo capítulo, verificaremos, em diferentes teorias, a concepção do que seja

uma boa tradução, bem como o posicionamento do tradutor diante da tradução.

Observaremos que, em uma visão dita tradicional, a questão da fidelidade é apresentada

como essencial ao julgamento do que seja uma boa tradução. Depois, por meio das

teorias de Antoine Berman e Lawrence Venuti, constataremos como esses autores

salientam certos aspectos sociais que se refletem no posicionamento do tradutor diante do

seu fazer. Um exemplo disso é a tradução etnocêntrica ou não etnocêntrica, que incidirá

na visibilidade ou não do tradutor. Observaremos que, segundo Johan Heilbron e Gisele

Sapiro,1 além do texto em si, questões propriamente sociológicas surgem, principalmente

no que concerne às funções da tradução e de seus agentes no espaço em que se

encontram.

No terceiro capítulo, analisaremos as tensões que se instauram no campo, a partir

da tradução de Em busca do tempo perdido, de Proust. Compreenderemos, então, não apenas quem são os tradutores, mas também como muda o status da tradução, sendo o tradutor também escritor ou intelectual consagrado. Observando a consagração sob o viés

de Pierre Bourdieu, mostraremos a recepção que teve essa tradução, até chegarmos ao

ponto central deste trabalho: a consagração da tradução de Em busca do tempo perdido. Destacaremos o tradutor que mais contribuiu para a consagração dessas obras: Mário

Quintana. Para isso, partiremos da abordagem realizada por Bourdieu em A produção da crença, em que toma como objeto de análise entrevistas que demonstram, segundo o

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próprio Bourdieu, uma “espécie de harmonia estabelecida entre o habitus do criador e a posição que ele ocupa no campo, isto é, a função que lhe foi atribuída, embora ele a

tenha, aparentemente, produzido”.2

No quarto capítulo, observaremos que em todos os campos há os consagrados e os

pretendentes em luta por legitimação. No espaço social da tradução não é diferente.

Assim, mostraremos a luta por legitimidade efetivada pela nova tradução de Em busca do tempo perdido feita por Fernando Py para a Ediouro em 2002, mostrando que há sempre

referência à tradução de Quintana por parte da crítica. Analisaremos, então, as estratégias

acionadas pelo “pretendente” Fernando Py para firmar-se no campo e como se dá essa

disputa. Será mostrada a reação da Editora Globo ao relançar sua tradução, atualizada,

que se autodenomina “Proust Definitivo”. A fim de exemplificarmos a permanente luta

no campo, mostraremos que uma nova tradução de Em busca do tempo perdido será lançada em 2012 pela Companhia das Letras, em parceria com a britânica Pengui, e como

essa tradução já se demarca em relação à tradução consagrada pela Editora Globo.

Por fim, apresentaremos as conclusões obtidas neste trabalho, que apontam o

caminho aberto pela pesquisa ao refletirmos sobre a questão da consagração, bem como

sobre a questão da denegação das traduções em língua francesa, diante da supremacia

daquelasem língua inglesa.

(17)

Neste capítulo, mostraremos, a partir das pesquisas de Lia Wyler (2003), Sônia Maria de Amorim (2000) e Simone Souza (2004), além de outros pesquisadores na área da historiografia da tradução, um panorama da tradução literária no Brasil, desde o período colonial até meados do século XX, com o objetivo de demonstrar que a presença da língua e da cultura francesas no Brasil contribuiu para a valorização da tradução no País. Mostraremos que o crescimento da produção de literatura traduzida se deveu ao fato de que a língua francesa era parte dos costumes da classe dominante em diferentes períodos históricos do País. Essa hegemonia ocorreu até meados dos anos 1930, momento em que a cultura e a língua francesas perderam sua supremacia, em função da transferência do poder da influência linguística do francês para o inglês no mapa mundial.

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1.1

A TRADUÇÃO ESCRITA NO BRASIL DO SÉCULO XVI AO SÉCULO XVIII

A tradução escrita no Brasil enfrentou sérios obstáculos ao seu desenvolvimento, principalmente a falta de demanda, uma vez que somente a elite da época manifestava interesse pela leitura de textos, fossem estes traduzidos ou não. Nesse período, embora já existissem algumas escolas e livros no Brasil Colônia, a maioria absoluta da população era iletrada. Assim, a falta de um público leitor e a proibição da impressão no País, que perdurou até a chegada da Família Real, em 1808, consistiram em obstáculos à tradução.

Entretanto, apesar da proibição da impressão no Brasil, ainda assim circulavam livros no País, principalmente por meio dos jesuítas, que inicialmente copiavam à mão as cartilhas de leitura e importavam livros, de maneira legal ou ilegalmente, construindo as primeiras bibliotecas. Essas obras das bibliotecas dos jesuítas constituiriam, por cerca de dois séculos, a base da formação cultural e intelectual do público letrado da época. Essas bibliotecas foram importantes para a manutenção do plurilinguismo, uma vez que contavam com muitas obras em francês, espanhol, italiano, latim e grego. Mas o francês já se sobressaía, indiscutivelmente, não somente com obras no original, como também em traduções indiretas de outras línguas.

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somente com a Constituinte de 1823 que o português é decretado língua oficial do Brasil.

Constatamos, então, que no Brasil Colônia as primeiras traduções tinham como objetivo a catequização. Não existia até esse momento a noção de autoria de tradução. Logo, não existia a figura do tradutor como sujeito autor da tradução, e tampouco a tradução como obra disposta de um valor autônomo, o que evidencia o fato de que, nesse momento histórico, ainda não havia um espaço social próprio de atividade da tradução.

Observamos, assim, que o francês se fazia presente principalmente por meio dos colonizadores portugueses, sobretudo os jesuítas, que eram fortemente influenciados pela cultura francesa, e que muitas das obras presentes nas primeiras bibliotecas do País eram em língua francesa. É importante lembrar a hegemonia que a cultura francesa alcançou nos séculos XVII e XVIII, não somente no Brasil, mas em várias partes do mundo. A partir do auge da monarquia de Luís XIV, quando a França se tornou uma potência mundial, e ao longo dos séculos XVII e XVIII, a cultura francesa tornou-se o modelo ideal a ser copiado nas artes, nos modismos e no comportamento.

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No artigo intitulado “Adaptações e livros baratos para a Corte: folhetos editados na Impressão Régia do Rio de Janeiro entre 1808 e 1822”, Simone Cristina Mendonça de Souza (2004) traça um panorama editorial da época, mostrando as obras publicadas pelos folhetos editados pela Impressão Régia, cujo formato se assemelhava aos dos livros que compunham a chamada Bibliothèque Bleue. Esse panorama é importante para observarmos que a tradução e a adaptação de obras francesas se fizeram de maneira ampla nesse período.

Dentre os livros de prosa de ficção publicados pela Impressão Régia que circularam no Brasil no período de 1808 a 1822, destacamos algumas traduções ou adaptações de obras francesas:∗

– A choupana india. Escripta em francez pelo autor de Paulo e Virginia (o abbade Saint Pierre), e vertida em português. 1811.

– Cartas de huma peruviana. Traduzidas do francez na língua portuguesa por huma senhora. Tomo I, 1811 e Tomo II, 1812.

– A boa mãi. Novella: traduzida do francez. 1815.

– O castigo da prostituição. Novella: traduzida do francez. 1815.

– As duas desafortunadas. Novella: traduzida do francez. 1815.

– A infidelidade vingada. Novella: traduzida do francez. 1815.

– A má mãi. Novella: traduzida do francez. 1815.

– Triste effeito de huma infidelidade. Novella: traduzida do francez. 1815. Assim, essas traduções são oferecidas a um novo público leitor. Além disso, segundo Wyler, multiplica-se o número de tradutores no Brasil no período de 1808 a 1890. Segundo Souza (2004), esses livros não constituíam propriamente uma tradução, mas uma adaptação, com capítulos recortados, versões de obras

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francesas, provavelmente alteradas e resumidas. Souza faz uma aproximação desses livros publicados pela Impressão Régia com os da Bibliothèque Bleue, analisados por Roger Chartier (1990).

Os livros da Bibliothèque Bleue seguiam uma fórmula editorial de reedição de textos já consagrados e escritos originalmente para um público intelectual e que eram adaptados a fim de se tornarem mais acessíveis a um público de menores condições socioeconômicas. Dividiam-se os textos em parágrafos menores, inseriam-se resumos e recapitulações, além de cortes nos capítulos, principalmente das descrições, e da simplificação das estruturas das orações.

Dessa maneira, afirma Souza, observa-se a interferência do editor na formatação das impressões, modificando o formato do livro, alterando a disposição do texto, inserindo ou retirando ilustrações, excluindo períodos do texto original, considerados longos, ou mesmo resumindo o original.

Outro fator relevante é que a chegada da Família Real propiciou, também, a criação de instituições de ensino e, consequentemente, um aumento no número de pessoas alfabetizadas no País, mas ainda inexpressivo para a formação de um público leitor.

Em 1821, um fato importante facilita a entrada de livros estrangeiros no País: a supressão de censura ou licença sobre esses livros. Assim, a França mantém seu domínio cultural, exportando legalmente livros para o Brasil, quando, então, algumas livrarias são abertas. Dessa forma, havia uma preponderância de livros de autores franceses no Brasil sobre os de outras nacionalidades. Além disso, os livros importados tinham um preço menor, uma vez que o custo do papel ainda era muito alto, por conta do imposto sobre sua importação.

(22)

contexto, duas editoras francesas se destacaram para a cultura livresca do País: Laemmert e Garnier. Essas duas editoras importavam grande quantidade de livros franceses para uma elite rica e culta brasileira, enquanto o restante da população brasileira – cerca de 84% – ainda não sabia ler. O mercado de livros se dividia entre os irmãos Laemmert e a livraria Garnier, de seu fundador e editor, Baptiste Louis Garnier. Esse editor lançou clássicos estrangeiros e foi um dos primeiros a editar os autores brasileiros, tais como José Veríssimo, Olavo Bilac, Artur Azevedo, Bernardo Guimarães, Silvio Romero, João do Rio e Joaquim Nabuco. Além disso, Garnier foi o primeiro e o principal editor de Machado de Assis, de cujas obras comprou os direitos autorais.

Em relação à tradução, o estabelecimento de sua atividade no País ocorre com a constituição do mercado de obras literárias, a partir do gradativo crescimento do público leitor. Os tradutores não eram mais os religiosos, nem a tradução tinha como objetivo a catequização. Temos, então, a tradução e a adaptação de obras literárias, sobretudo as francesas, com o objetivo de atender às demandas desse público. Entretanto, o nome do tradutor ainda não é citado nas obras traduzidas, e, desse modo, a autoria da tradução permanece incógnita.

1.2

O CRESCIMENTO DA TRADUÇÃO NO BRASIL NO SÉCULO XIX COM OS ROMANCES-FOLHETINS

(23)

jornais. Segundo Wyler, mesmo com vários obstáculos de ordem política, ideológica e econômica, a política tradutória prospera no Brasil no século XIX. A tradução passa a ser disseminada no meio social através dos jornais – existentes em números razoáveis no País –, graças aos romances-folhetins.

A invenção dos romances-folhetins é atribuída ao francês Émile Gerardin, na França. Esse gênero de narrativa teria se inspirado no sucesso dos melodramas encenados no teatro, nos quais sempre havia elementos sensacionalistas que prendiam a atenção do espectador. Por volta de 1836, Gerardin decidiu publicá-los em jornais com características semelhantes. Esses romances, publicados no rodapé das páginas dos jornais franceses, chamou grande atenção do público, que se habituou a procurá-los nesses periódicos, nos quais se apresentavam divididos em capítulos – estratégia que gerava uma curiosidade no público, impulsionando as vendas dos jornais. Observamos, então, que o romance-folhetim atende às novas demandas de um mercado editorial.

(24)

franceses.

Quanto à maneira de traduzir, observamos que a versão dos romances-folhetins franceses feita para o português seguia moldes muito em voga na França: a denominada Belles Infidèles (Belas Infiéis). Essa maneira de traduzir consistia, em linhas gerais, no abandono da fidelidade literal, adaptando o texto traduzido à língua do leitor de determinada classe social. Na verdade, tratava-se do culto à tradução dita elegante, uma vez que a tradução se conformava às regras das classes dominantes. Esse gênero se consolidou na França no século XVII, com o intuito de se ajustar ao gosto de leitura das classes privilegiadas, eliminando, assim, das traduções dos clássicos da Antiguidade o que era estranho ou deselegante. Entretanto, difundiu-se pelo mundo, por séculos, segundo os valores morais da época e do local em que as traduções eram publicadas. Assim, eliminar, remodelar e modificar partes do texto era permitido nas traduções para o francês, em nome da polidez e da moral.

Importante ressaltar que o estilo de tradução “belles infidèles” possui características muito peculiares ao período e ao momento histórico francês do século XVII, assim, o que salientamos como ponto comum é uma tradução mais voltada à cultura alvo, com o objetivo de facilitar a compreensão do público leitor. Como verificamos na justificativa de Justiniano da Rocha ao comentar suas traduções do francês de romances-folhetins:

Será traduzida, será imitada, será original a novela que ofereço, leitor benévolo? Nem eu mesmo que a fiz vo-lo posso dizer. Uma obra existe em dois volumes, e em francês que se ocupa com os mesmos fatos; eu a li, segui seus desenvolvimentos, tendo o cuidado de reduzi-los aos limites de apêndices, cerceando umas, ampliando outras circunstâncias, traduzindo os lugares em que me parecia dever traduzir, substituindo com reflexões minhas o que me parecia dever ser substituído; uma coisa só eu tive em vista, agradar-vos.3

(25)

Entretanto, um modelo de tradução mais voltado para o público alvo não era o único motivo para as adaptações nas traduções da época. Segundo Lenita Esteves (2005), na tradução dos romances-folhetins, o tradutor exercia, por vezes, o papel de autor, ou seja, as obras eram adaptadas. Ora, muitos desses romances eram traduções dos que estavam sendo publicados quase simultaneamente nos jornais franceses naquele momento. Assim, quando acontecia um atraso na chegada dos originais, o tradutor continuava a escrever a história, a fim de que a publicação não fosse interrompida. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o romance-folhetim intitulado Rocambole, de Ponson du Terrail, cuja tradução vinha sendo publicada pelo Jornal do Commercio. O tradutor chegou mesmo a matar alguns personagens, e, quando chegaram novamente os originais, o tradutor, Souza Ferreira, teve de “ressuscitar” personagens para conciliar novamente a história da tradução com a do original. Assim, o objetivo principal era a venda dos jornais, podendo ser feitas até mesmo modificações nas traduções, a fim de alcançar esse objetivo. Quanto aos tradutores, estes se mantinham quase sempre incógnitos e raramente assinavam suas traduções, exemplificado por Maria Arnoldo Coco, a partir do texto do Jornal das Senhoras, do dia 3 de julho de 1853:

[...] agradecemos ao tradutor incógnito o valioso presente que nos fez, e recomendamos a todos a leitura desta história verdadeira e contemporânea cuja versão, se não é servil, se não traduz palavra por palavra, dificilmente encontrará no original uma ideia, um pensamento, que no português não tenha a frase equivalente.4

Desse modo, no século XIX, no que concerne à tradução literária, não

(26)

somente o romance-folhetim, mas também as peças de teatro tiveram destaque na preferência dos nossos tradutores. A pesquisa de Wyler mostra que, no período entre 1839 e 1854, foram publicados pelo menos 74 romances-folhetins franceses nos vários periódicos do Rio de Janeiro, em uma média de cinco romances por ano. A popularidade da tradução dos romances-folhetins levou vários escritores brasileiros da época a se dedicarem às traduções. Observa-se, então, o início da participação de autores literários na atividade da tradução. Entretanto, esses autores desmereciam a atividade de tradução, por considerá-la inferior, sem necessidade de grandes reflexões:

A tradução é o elemento dominante, nesse caos que devia ser a arca santa onde a arte pelos lábios dos seus oráculos falasse às turbas entusiasmadas e delirantes. Transplantar uma composição dramática francesa para a nossa língua é tarefa de que se incumbe qualquer bípede que entende de letra redonda. O que provém daí? O que se está vendo. A arte tornou-se uma indústria.5

Assim, a tradução era considerada como cópia, algo que não necessitava de reflexões ou criatividade. O original era visto como arte, ao passo que a tradução era vista como algo destituído de criatividade, tal como o trabalho mecânico da indústria e, logo, menor. Essa oposição entre o texto original (atividade artística) e o texto traduzido (trabalho mecânico) está presente ao longo da história do ofício literário, e dessa visão provavelmente decorre a desvalorização da tradução e do trabalho do tradutor.

Quanto aos romances-folhetins, Machado de Assis criticava o excesso de folhetins com ambientação francesa no País, uma vez que, para ele, a tradução seria um obstáculo à formação de uma literatura nacional:

Em geral, o folhetinista aqui é todo parisiense; torce-se a um estilo estrangeiro, e esquece-se, nas suas divagações sobre o boulevard e o Café Tortoni, de que está

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sobre um adam lamascento e com uma grossa tenda lírica no meio de um deserto. Alguns vão até Paris estudar a parte fisiológica dos colegas de lá; é inútil dizer que degeneraram no físico como no moral.6

O próprio Machado de Assis, além de ter escrito em francês, traduziu muitas obras francesas para o português. É interessante constatar que Machado, antes de publicar seu primeiro romance, já havia traduzido Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo. Quanto à atividade de Machado como tradutor, Eliane Ferreira (2004) chega a relacionar 48 textos traduzidos pelo escritor, tendo ele estreado como tradutor em 1856, com o poema Minha mãe, de William Cowper. Machado, segundo Ferreira, traduziu 16 peças de teatro, 24 poemas, dois ensaios, dois romances e um conto. Dentre os autores por ele traduzidos estão Lamartine, Alexandre Dumas Fils, Chateaubriand, Racine, La Fontaine, Alfred de Musset, Molière, Victor Hugo, Beaumarchais, Shakespeare, Charles Dickens, Edgar Allan Poe, Schiller e Heine. Apesar de essa listagem incluir, em sua maioria, autores franceses, veem-se, também, autores ingleses, americanos e alemães. Entretanto, segundo Ferreira, a única língua que Machado conhecia bem era o francês, tendo-se utilizado, então, da tradução indireta do francês para traduzir obras de outras línguas. O próprio Machado, ao comentar sua tradução de Schiller, afirmara não saber alemão e que traduzira aqueles versos de uma versão francesa.

Observamos, então, que o crescimento da atividade tradutória no Brasil deveu-se principalmente às traduções dos romances-folhetins. Machado de Assis foi um dos primeiros autores-tradutores, tendo traduzido, conforme exemplificado, diversos textos de importantes autores, principalmente franceses. Apesar desse fato, a atividade tradutória ainda era desvalorizada, permanecendo o

6 ASSIS, Machado de apud WYLER, Lia. Línguas, poetas e bacharéis – uma crônica da tradução

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tradutor incógnito na grande maioria das vezes – exceto quando se tratava de um autor reconhecido, tal como era Machado de Assis. Contudo, mesmo ele privilegiava, em suas traduções, a maneira de traduzir própria das Belles Infidèles, de modo a atender ao público consumidor das obras. Remodelar, cortar e suprimir foram recursos válidos em nome da “inteligibilidade” da tradução, tal como nos aponta um crítico da revista Veja:

Uma faceta pouco conhecida de Machado de Assis é a de tradutor. Mas ele a teve. Dedicou-se, sobretudo, aos poetas estrangeiros e deixou algumas joias nesse campo, como sua versão para o poema O Corvo, do americano Edgar Allan Poe. Mais raras foram as ocasiões em que ele trabalhou sobre textos em prosa. Em 1870, deu início à tradução de Oliver Twist, do inglês Charles Dickens. Não foi o seu melhor momento. Machado não partiu do original, mas de uma versão em francês do romance. Adotou o procedimento duvidoso de resumir ou cortar passagens inteiras da obra.7

1.3

A TRADUÇÃO NO SÉCULO XX NO BRASIL

A tradução no início do século XX, no Brasil, sofreu importantes transformações. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) provocou a interdição do comércio marítimo entre a Europa e o restante do mundo ocidental, fazendo com que o Brasil voltasse atenção para si mesmo. Assim, em relação ao mercado de livros, houve um grande crescimento editorial no País. Autores nacionais passaram a ser reconhecidos, e, além disso, as publicações nacionais e as traduções de textos estrangeiros cresceram em números inéditos. Nesse período, várias editoras se estabeleceram no mercado brasileiro.

Outra importante mudança se deu no âmbito da educação. Em 1930, ao assumir pela primeira vez a Presidência da República, Getúlio Vargas implanta no

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País um projeto educacional a fim de minimizar o analfabetismo e qualificar o trabalhador brasileiro. A política educacional de Vargas representou uma ampla reforma do ensino, acabando por incentivar a indústria editorial, o que imediatamente consolidou o mercado dos livros didáticos e a médio prazo ampliou o público leitor em geral.

Junto com a alfabetização, houve, também, o estímulo à publicação de livros, revistas e jornais, bem como o incentivo à tradução de obras inéditas. Outro fator que contribuiu para o incremento da tradução nesse período foi o alto custo da importação de livros, que muito os encarecia no âmbito do mercado nacional. O resultado é que o livro produzido no País se tornou mais acessível em comparação ao importado, e, assim, houve um crescimento das traduções, diminuindo, consequentemente, ainda mais a importação de livros franceses. O número de editoras nacionais em atividade no País cresceu quase 50% entre 1936 e 1944. Os títulos e exemplares publicados por tais editoras quadruplicaram entre 1930 e 1950.

Em 1937, Vargas criou o Instituto Nacional do Livro (INL), a fim de alavancar o processo de difusão do livro no Brasil. Caberia a esse Instituto selecionar as obras consideradas “raras” e “preciosas” – segundo um critério de interesse da cultura nacional – e subsidiar sua tradução. As demais traduções produzidas fora desse Instituto teriam de passar pelo controle do Serviço de Divulgação da Chefatura de Polícia, que tinha o objetivo de controlar a produção intelectual, visando aos interesses do regime de Governo.

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ainda mais difícil a importação de livros europeus. Entretanto, essa interrupção da vinda de livros europeus propiciou a abertura de espaço para a entrada de livros provenientes dos Estados Unidos, em acordo com as ligações que o Brasil passou a manter com esse país, intensificando as trocas culturais entre os dois países.

Também nesse período, Vargas intensificou a censura política, criando o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), a fim de controlar a entrada no País de publicações que pudessem atentar contra a ideologia e o programa de Governo. Dessa maneira, toda a produção intelectual no Brasil passou a ser vigiada pelo DIP. Dentro dessa censura muito rígida, os escritores que não se enquadravam nas regras do Governo eram presos, e suas obras, censuradas ou destruídas.

A censura na Era Vargas contribuiu significativamente para que muitos escritores passassem a se dedicar à tradução, pois essa era uma maneira de manter contato com seu público leitor. Foi o período, então, do surgimento dos autores-tradutores – escritores capazes de legitimar traduções de obras estrangeiras, dando-lhes credibilidade a partir do reconhecimento conquistado como escritor. Podemos dizer que, nesse momento, no Brasil, constituiu-se um espaço próprio e valorizado da atividade de tradução, funcionando como uma espécie de campo interno ou subcampo da produção literária. Tal afirmação se baseia no fato de que, pela primeira vez, houve a formação de um mercado propriamente brasileiro de obras literárias traduzidas, composto de editores, tradutores (escritores) e leitores dispostos a consumir essas obras.

Sobre a Era Vargas, afirma Maria Clara Castellões de Oliveira:

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às traduções lançadas no mercado. Do ponto de vista desses escritores, a tradução passou a ser uma forma alternativa de expressão diante da censura que vigorava no período, tendo se transformado na sua principal fonte de renda durante o Estado Novo.8

Nessa afirmação, podemos claramente observar que a profissionalização do tradutor não se reduziu a uma espécie de funcionamento pragmático do mercado editorial, mesmo porque já existiam tradutores trabalhando de maneira incógnita. Importa assinalar que a valorização dessa profissionalização se deveu à atração de autores consagrados ou em vias de consagração para conferir legitimidade às traduções nesse período.

Também nesse período, as editoras passaram a investir nas traduções, de maneira mais consistente e em maior escala, organizando coleções de autores estrangeiros, principalmente coleções de obras de ficção de autores já falecidos, para economizar com pagamentos de direitos autorais. Esse período foi, também, de grande crescimento do número de tradutores no mercado e de valorização da atividade da tradução em função da atuação do que se denomina autores-tradutores – escritores reconhecidos, atraídos para a atividade da tradução.

Nessa época, duas das editoras de maior relevo no País, a José Olympio, com sede no Rio de Janeiro, e a Editora Globo, com sede em Porto Alegre, passaram a contar com um grande número de escritores em seu quadro, uma vez que estes trariam maior publicidade às traduções. Dentre os escritores da primeira metade do século XX, destacam-se Monteiro Lobato – um pioneiro dos autores-tradutores –, Rachel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Érico Veríssimo e Mário Quintana.

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Segundo Wyler, a maioria dos autores-tradutores conhecia bem o francês, que nesse momento começava a perder a hegemonia para o inglês. Tal fato ocasionou que as obras literárias de outras línguas fossem traduzidas principalmente do francês, e, desse modo, esta foi também a língua da tradução indireta nesse período. Lembremo-nos que muitas obras da literatura russa, por exemplo, foram traduzidas, indiretamente, de traduções francesas.

Outra consequência do reconhecimento das traduções elaboradas pelos autores-tradutores, na Era Vargas, foi o crescimento da crítica em relação às traduções, como afirma Maria Clara Castellões de Oliveira:

Uma das consequências do crescimento da publicação de traduções no Brasil durante o Estado Novo foi a criação de um espaço público de crítica dessa atividade, que, como mencionado, se deu em 1944, no suplemento literário do Diário de Notícias. Por iniciativa de dois tradutores, Raul Lima, redator-chefe desse jornal, e Guilherme Figueiredo, diretor de seu suplemento literário, abriu-se nesse periódico um espaço para que seus leitores pudessem enviar comentários sobre traduções que teriam lido. Entre as opiniões emitidas, destacaram-se as de um mineiro de Barbacena, Agenor Soares de Moura, que logo se viu convidado para assinar uma seção permanente desse suplemento, intitulada “À margem das traduções”.9

O livro ocupava um lugar importante no cotidiano da classe letrada, e os jornais tinham um papel essencial no sucesso de um livro, pois eram lidos com regularidade, sendo um dos principais divulgadores das obras e constituindo uma das instâncias de consagração destas:

Era um tempo livresco, digamos assim. Um tempo em que se liam livros, e também se escrevia sobre eles para chamar a atenção dos indiferentes. A escrevia sobre B e B escrevia sobre C. E se estabelecia desse modo uma espécie de equação crítica, ou uma rodinha de elogio mútuo [...]. O livro era noticiado. Era comentado. E ainda não existiam feiras de livros nem outros supermercados literários.10

9 OLIVEIRA, Maria Clara Castellões de. Op. cit.

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Assim, as traduções eram comentadas, discutidas principalmente nos jornais. Ora, esse interesse pela crítica não se deve somente ao aumento do número de traduções na Era Vargas, mas também à importância de quem as traduzia. Dessa forma, houve um interesse maior da crítica por serem essas traduções feitas por autores-tradutores. Aos críticos interessava comentar traduções de um autor-tradutor, e não de um “tradutor qualquer”, uma vez que haveria um reconhecimento e uma valorização desses críticos através da reduplicação.

1.4

AUTORES-TRADUTORES NAS TRADUÇÕES DA EDITORA GLOBO

Segundo o Anuário brasileiro de literatura, entre 1938 e 1943, a Editora Globo detinha 36% de títulos no gênero de ficção e 11% dos livros didáticos. O restante dos títulos era distribuído entre a literatura infantil e as biografias. Outras cinco editoras do mercado editorial, nessa época, foram: Companhia Editora Nacional, Civilização Brasileira, José Olympio, Francisco Alves e Melhoramentos. Dentre estas, a Globo consistia na única a figurar fora do eixo Rio–São Paulo.

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book, os direitos autorais, os honorários de tradução, a propaganda, os pontos de venda e o desenho da capa das coleções foram algumas das estratégias lançadas para aumentar as vendas. Assim, várias coleções foram lançadas, e cada uma delas mantinha certas características que correspondiam aos interesses de diferentes grupos do público leitor. Érico Veríssimo, editor à época, com a preocupação de trazer ao público leitor os mais diversos gêneros da literatura, foi responsável pela divulgação de autores considerados eruditos e de leitura “difícil”, tais como Virginia Woolf, Roger Martin du Gard e Marcel Proust.

1.4.1

AS COLEÇÕES DA EDITORA GLOBO

Érico Veríssimo, como editor responsável dessa editora, trouxe sua bagagem de leitor e conhecedor das literaturas francesa, inglesa e alemã. Existia também, segundo Sonia Amorim (2000), uma preocupação consciente em formar um público leitor, explicitada em várias ocasiões pelo próprio Érico Veríssimo. Assim, as coleções foram editadas seguindo uma hierarquia do que era entendido como “complexidade”. Primeiramente, com o objetivo de seduzir leitores, procurou-se lançar obras dotadas de leituras tidas como mais amenas, para então conduzir gradativamente esse público leitor a obras consideradas mais elaboradas.

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que já correu o risco de editar algo inédito [...]”.11

Para hierarquizar e facilitar o consumo das edições de literatura traduzida, a Globo criou nove coleções dentro desse período mais prolífico das edições – entre 1930 e 1950 –, que são as seguintes: Amarela, Biblioteca dosSéculos, Catavento,

Clube do Crime, Espionagem, Globo, Nobel, Tucano e Universo.

A Coleção Amarela dedicou-se ao gênero policial. A avidez com que os leitores procuravam os romances policiais fez da Coleção Amarela uma das mais consumidas e rentáveis da editora. Conforme o Relatório da Diretoria da Globo, relativo à passagem dos 100 anos da empresa, o primeiro filão de vendas descoberto por Henrique Bertaso – um dos editores da Globo – foi o das novelas policiais, obras traduzidas de autores praticamente desconhecidos no Brasil. Dessa forma, surgiu com grande sucesso de vendas, com forte apelo popular, tendo como principais autores Edgar Wallace e Agatha Christie. A Coleção Amarela se constituiu na mais longa das coleções, tendo edições durante 25 anos, até 1956.

A Coleção Universo durou 10 anos, de 1932 a 1942. Tratava-se de uma coleção ligada aos romances de aventuras. Destacavam-se, nessa coleção, os livros de viagens e aventuras do escritor alemão Karl May, que teve mais de 24 títulos traduzidos, totalizando mais de 234.500 exemplares vendidos.

A Coleção Nobel foi a coleção de maior prestígio editada pela Globo. É importante ressaltar que ela exerceu uma influência inegável sobre uma geração de leitores e, segundo Amorim, foi provida de grande admiração pela intelectualidade brasileira da época. Essa coleção oferecia ao leitor tanto obras reconhecidas mundialmente em sua época quanto de vanguarda, algumas, com lançamentos quase simultâneos no exterior e no Brasil. A Coleção Nobel

11 AMORIM, Sônia Maria de. Em busca de um tempo perdido – edição de literatura traduzida

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influenciou uma geração de leitores, na medida em que trouxe traduções para o português do Brasil de várias obras inéditas – entre elas Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust –, como bem aponta Osman Lins em seu Tributo à Coleção Nobel:

Tinha a coleção Nobel algumas características interessantes. Ao contrário de todas as coleções que conheço e que acolhem títulos brasileiros e portugueses, só publicava livros em tradução. Quer dizer: apresentava-se francamente, sem falsos patriotismos, como uma coletânea de livros traduzidos, o que delineava com clareza o seu perfil, não admitindo confusões. [...] Muitos dos que, como eu, despertávamos para a literatura em pontos afastados do Brasil e carecíamos de informações sobre autores e obras do nosso tempo, encontrávamos na Nobel uma espécie de guia, uma porta aberta para segmentos importantes do que se escrevia em nosso século. [...] Testemunho, em primeiro lugar, como leitor. Horas das mais valiosas da minha vida foram dedicadas à leitura. E dessas, grande parte é devida à edição da Nobel.12

É na Nobel, segundo Sônia Amorim, que encontramos o mais consagrado corpo de tradutores de todas as coleções. Entre esses tradutores, os autores que mais traduziram obras foram Érico Veríssimo e Mário Quintana. Foi na década de 1940, período mais produtivo da Nobel, que se implantou na Editora Globo um sistema de tradução inédito até então. Foi criado um espaço interno inteiramente dedicado aos tradutores, onde eles trabalhavam integralmente, com remuneração fixa e melhores condições de exercício de sua atividade. Desse modo, a contratação dos autores-tradutores com salário fixo, nesse regime de trabalho integral, tinha como objetivo intensificar a produção editorial das traduções, o que acarretou a valorização do ofício do tradutor e o maior reconhecimento de sua profissão.

O problema dos tradutores foi um dos mais sérios enfrentados até hoje pela Globo. Dezenas de obras foram mutiladas por maus tradutores [...]. Hoje, porém, os tradutores assim arregimentados são homens conscientes de seu trabalho, que fazem dele sua profissão.13

12 LINS, Osman. Evangelho na taba: outros problemas inculturais brasileiros. São Paulo: Summus Editorial, 1979. p. 75.

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A convivência entre os autores-tradutores era vantajosa, uma vez que, nesse espaço de produção, eles se relacionavam, de modo que se tornava cada vez mais especializada e intelectualizada – logo, valorizada – essa produção das traduções, assim explicitada por Justino Martins: “Ocorre-lhes, porém, diversas vantagens desse método de trabalho, tais como a facilidade de consultar obras de erudição, de trocar ideias entre si e mesmo adquirir o aperfeiçoamento literário que só um ambiente intelectualizado pode oferecer.”14

Em relação às vendas por números de exemplares, segundo números da editora, figura em primeiro lugar a tradução de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, e, em segundo lugar, Jean-Cristophe, de Rolland. A presença de obras traduzidas da língua francesa nos dois primeiros lugares de vendagem na editora.

Criada por Érico Veríssimo, a Biblioteca dos Séculos era uma coleção dedicada às obras literárias tidas como os clássicos da literatura universal. Apesar de ter tido uma duração relativamente longa, 13 anos, editou pouco, cerca de dois títulos por ano. O pequeno número de títulos deveu-se à maneira especialmente cuidadosa com que tratada essa produção editorial – cuja extensão das obras editadas alcançava as 700 páginas por obra.

O texto do folheto de propaganda mostra como a Biblioteca dos Séculos se apresentava ao seu público:

É preciso que se leiam os escritores do passado, as obras dos precursores do pensamento e da literatura moderna [...] Estes livros não têm apenas valor histórico ou tradicional: são livros vivos, livros eternos, livros de ontem, de hoje e de

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amanhã [...]. E foi no intuito de proporcionar ao leitor brasileiro a oportunidade de formar uma cultura geral de sólidos fundamentos que a Livraria do Globo organizou a “Biblioteca dos Séculos”, da qual fazem parte somente aquelas obras que atravessaram o tempo e a crítica, figurando, portanto, nas estantes eternas.15

Assim, as obras traduzidas das duas coleções, a Nobel e a Biblioteca dos Séculos, se distinguiram no cenário literário brasileiro. A Coleção Biblioteca dos Séculos se constituiu em várias obras consideradas clássicas, tais como Diálogos, de Platão, traduzido do grego pelos professores Jorge Paleikat, Leonel Vallandro e João Cruz Costa. Entre outros lançamentos, foram também traduzidos: Vontade de potência, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche; O contrato social e O discurso sobre a origem e desigualdade entre os homens, de Jean Jacques Rousseau;

Ensaios, de Montaigne; A poética e A metafísica, de Aristóteles; O vermelho e o negro, de Stendhal; A comédia humana, de Honoré de Balzac; Guerra e paz, de Leon Tolstói. Nessa mesma coleção, a parte crítica e iconográfica de A comédia humana ficou a cargo do intelectual Paulo Rónai. Na Coleção Nobel, por sua vez, encontravam-se autores reconhecidos, tais como Cecília Meireles, Érico Veríssimo, José Lins do Rego, Leonel Vallandro, Marques Rebello, Sérgio Millet. Para a obra de Proust, foi contratado Mário Quintana.

Ao analisarmos alguns dados dessas pesquisas, é interessante notar que, apesar do início de declínio da quantidade das traduções de obras francesas, houve, em contrapartida, a tradução de importantes obras do francês que, até então, não haviam chegado aos leitores brasileiros. Outra observação importante é que, das inúmeras coleções da Editora Globo, as obras traduzidas do francês ocupavam muitas vezes o primeiro lugar em vendagem. Além disso, as traduções de A comédia humana, de Honoré de Balzac, e de Em busca do tempo perdido, de

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Marcel Proust, são consideradas marcos da história da tradução no Brasil. Parece-nos que uma mudança social relativa à hierarquia das línguas no mundo, ou seja, o fato de o francês ter perdido sua hegemonia, propiciou que obras consideradas relevantes no cenário literário e traduzidas dessa língua alcançassem maior distinção. Assim, ao traduzir obras francesas, logo “distintas”, a Editora Globo passou a obter maior prestígio, que se reverteu em lucros financeiros.

1.4.2

A TRADUÇÃO PIONEIRA DE A COMÉDIA HUMANA

Segundo Amorim, poucos países editaram de forma completa A comédia humana, de Balzac: Inglaterra, Itália e Alemanha. Os dezessete volumes de A comédia humana correspondem aos volumes 30 a 46 da Biblioteca dos Séculos. Os volumes tinham em média 600 páginas. O primeiro foi publicado em 1946 e teve quatro edições, totalizando 20 mil exemplares impressos, fazendo deste um dos best-sellers por tiragem da Biblioteca dos Séculos.

Coube a Paulo Rónai, um dos maiores estudiosos de Balzac, a tradução de A comédia humana, que se constitui em um verdadeiro monumento editorial. Para Sonia Amorim, algumas características dessa tradução a qualificam e a distinguem de outras edições, sendo esta considerada, segundo o Museu Balzac, de Paris, a melhor edição estrangeira da obra. Amorim destaca o que diferencia a tradução brasileira das outras:16

Tradução: Trata-se de uma tradução nova, que tomou por base a melhor edição francesa, publicada pela Pléiade. Os tradutores, cerca de 20, foram

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recrutados dentre os melhores de Porto Alegre e grandes nomes das letras nacionais, dentre os quais: Aurélio Buarque de Holanda, Brito Broca, Carlos Drummond de Andrade, Gomes da Silveira, Mario Quintana.

Restabelecimento da divisão em capítulos: Por motivos de economia, vários editores franceses foram suprimindo, ao longo do tempo, a divisão em capítulos e os títulos existentes nas primeiras edições e nos manuscritos de Balzac. A própria edição da Pléiade trazia um texto compacto, com extensos parágrafos, sendo, consequentemente, bastante cansativos. A tradução brasileira reintroduziu a divisão em capítulos e títulos primitivos, tornando a leitura mais acessível e prazerosa ao nosso leitor.

Documentação crítica: Vinte e seis ensaios críticos sobre o autor e a obra, escritos por grandes mestres da crítica, alguns contemporâneos de Balzac, acompanham a edição.

Documentação iconográfica: Cento e sessenta ilustrações, que incluem gravuras, desenhos e fotografias, constituem o acervo iconográfico, selecionado também por Paulo Rónai.

Biografia do autor: No volume I, uma biografia do autor, especialmente escrita para essa edição, mostra o Balzac romancista, historiador, empresário.

– Prefácios: Cada um dos 89 romances e contos é precedido por um estudo tradutório, que inform ao leitor o texto subsequente, estabelecendo uma conexão com o restante da obra.

– Notas de pé de página: Cerca de 12 mil notas de pé de página foram escritas para a edição brasileira de A comédia humana, em uma média de uma por página.17

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Assim, na tradução de A comédia humana, contamos com tradutores de peso; entretanto, o nome que se destaca é o de Paulo Rónai. Observamos que, para traduzir uma obra consagrada e obter reconhecimento para essa tradução, é necessário contratar tradutores de nome e reconhecimento, que possuam “marcas de distinção”, ou seja, características perceptíveis nas preferências de consumo e estilo de vida de determinado indivíduo que permitem que ele seja identificado por outros membros da sociedade como pertencente a determinada classe social, ao mesmo tempo que torna possível que ele se diferencie dos demais membros de sua classe. No caso de Paulo Rónai, essas marcas são seu cabedal cultural.

Primeiramente quanto à formação, Rónai nasceu em Budapeste, em 13 de abril de 1907, tendo feito seus estudos na capital húngara e se formado em Literatura e Línguas Latinas e Neolatinas, em 1923, na Universidade Loránd Eötvös. Filho do livreiro judeu Miksa Rónai, desde os sete anos já nutria uma grande vontade de decifrar línguas. Rónai conta em Como aprendi português e outras aventuras que, adolescente, alimentava “em segredo a esperança de assenhorear-me, com o tempo, do maior número possível de idiomas: vinte, trinta, talvez ainda mais”. Um de seus professores lhe assegurou que “só os 15 primeiros eram difíceis”. E, nessa empreitada, o próprio Paulo Rónai declarava que, em sua juventude, passeava por sebos europeus e adquiria os mais diversos livros e gramáticas para estudá-los depois. Principiou o estudo de várias línguas, dentre elas o hebraico, o finês (língua da família magiar que os candidatos a professor de húngaro precisavam saber), o sânscrito, o dinamarquês (o qual não foi além da primeira aula) e o turco. Porém, por razões diversas – “falta de tempo, de

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entusiasmo, de perseverança”, conforme relata no mesmo livro –, o poliglota, versado em muitas línguas, lamenta não ter aprendido todas elas.

Além disso, era professor de latim e de língua italiana em colégios de Budapeste, tendo, também, se especializado em literatura francesa ao defender uma tese sobre Balzac, em 1930. Assim, com bolsa de estudos do governo francês, passou uma temporada na Sorbonne, entre 1930 e 1932. Nesse período, graças a uma coleção de poesia de línguas latinas que conheceu na França, teve seu primeiro contato com a língua portuguesa, por meio de As cem melhores poesias da língua portuguesa, antologia organizada por Carolina Michaëlis.

Grande estudioso de Balzac (constam várias publicações suas sobre o escritor francês), destacou-se por seu trabalho de editor em A comédia humana, o qual implicava diversas tarefas, a saber: selecionar os tradutores e orientar a tradução, bem como dar unicidade à obra mediante uma revisão cuidadosa – durante a qual acabou por gerar inúmeras notas de tradução ao longo dos 17 volumes da edição brasileira.

Constam várias premiações recebidas por Rónai, inclusive do governo francês, por seu trabalho com A comédia humana. Apesar de não ter sido creditado publicamente pela Editora Globo, Rónai também é o organizador da edição brasileira dos sete volumes de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust.18 Como a primeira edição dessa obra saiu em outubro de 1948 e, naépoca, Rónai tinha registro na carteira como chefe de escritório da Editora Globo, ficou provada a sua atuação, o que foi corroborado em algumas entrevistas suas.

Assim, Paulo Rónai é reconhecido e legitimado não por ser unicamente tradutor, mas por ser o intelectual que traduz. Esse fato valoriza a figura do

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profissional da tradução, uma vez que não é qualquer um que traduz. Aproxima-se o tradutor do intelectual. Além disso, Paulo Rónai tem papel fundamental na qualidade das traduções literárias, deixando um legado que associa a tradução literária à circulação de nível de conhecimento.

1.5

A EDITORA GLOBO E A TRADUÇÃO DE EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO

Vimos que, nos anos 1930, surgiu no País um novo foco de indústria editorial fora do eixo Rio–São Paulo. Era a Editora Globo, localizada em Porto Alegre, de propriedade de José Bertaso. Nela trabalharam e colaboraram as principais autoridades literárias do País. Tinha como editor, à época, o reconhecido escritor Érico Veríssimo, que veio a se tornar peça-chave da editora. Veríssimo foi convidado a realizar o trabalho de editor na recém-criada Seção Editora e tornou-se conselheiro literário da Globo, incentivando as publicações de traduções. A partir de 1931, a editora passou a ser comandada por Henrique Bertaso e Érico Veríssimo, tornando a Globo destaque no mercado editorial brasileiro, principalmente graças às traduções de clássicos estrangeiros. Nesse período, a tradução alcançou números nunca antes vistos no mercado editorial brasileiro. A posição do tradutor no campo se modificou. Temos, então, os autores-tradutores e o intelectual, que também passa a exercer o papel de tradutor, como é o caso de Paulo Rónai.

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no qual aponta as edições de literatura traduzida pela Editora Globo entre os anos 1930 e 1950, mas também outro relevante trabalho de pesquisa sobre essa editora, elaborado por Elisabeth Rochade Torresini (1999), intitulado Editora Globo: uma aventura editorial nos anos 30 e 40. Sirvo-me de dados presentes nessas pesquisas a fim de analisar uma questão específica em nosso trabalho: as obras francesas consagradas traduzidas nesse período.

Em busca do tempo perdido, em francês À la recherche du temps perdu, é uma obra romanesca de Marcel Proust escrita entre 1908-1909 e 1922, publicada entre 1913 e 1927 em sete volumes, sendo os três últimos postumamente. A tradução brasileira foi iniciada por Mário Quintana (o primeiro volume, em 1948; o segundo, em 1951; e os demais, durante a década de 1950) e editada pela Editora Globo, de Porto Alegre.

Os originais surgiram nas seguintes datas:

– Du côté de chez Swann (pela Grasset, em 1913; depois uma versão modificada foi lançada pela Gallimard em 1919).

– À l’ombre des jeunes filles en fleurs (pela Gallimard, em 1919; recebe o prêmio Goncourt no mesmo ano).

– Le côté de Guermantes (pela Gallimard, em 1920-192,1em dois volumes).

– Sodome et Gomorrhe I et II (pela Gallimard, em 1921-1922).

– La prisonnière (póstumo, em 1925).

– Albertine disparue (póstumo, em 1927; título original: La fugitive).

– Le temps retrouvé (póstumo, em 1927).

(45)

(1954). O quinto volume, A prisioneira, coube a Manuel Bandeira e Lourdes Souza de Alencar (1954); o sexto, A fugitiva, a Carlos Drummond de Andrade (1956); e o sétimo e último, O tempo redescoberto, a Lúcia Miguel Pereira (1956). Apesar de não se poder dizer que Proust fosse um autor popular, o fato é que sucessivas tiragens da Globo se esgotaram.

Para realizar tal empreitada, a editora lançou mão da experiência de publicar

A comédia humana, de Balzac, entre 1945 e 1955, em 17 volumes. O empreendimento Balzac foi orquestrado por Paulo Rónai, que coordenou a equipe de tradutores e selecionou pessoalmente as introduções dentre o que de melhor havia na crítica internacional. Já a Recherche sairia em sete volumes, e o cotejamento com o original francês foi realizado também por Paulo Rónai.

A partir desses projetos, segundo Teresa Dias Carneiro (2007), a Editora Globo passou a contratar tradutores de renome em tempo integral; além disso, o nome do tradutor passou a ser citado na página de rosto, o que raramente acontecia anteriormente. Esse fato contribuiu para um aumento da responsabilidade e da visibilidade do tradutor. Outra mudança em relação ao tratamento da tradução foi o fato de todas as traduções passarem por uma revisão em dois estágios: primeiramente, por um cotejamento com o original e, depois, por uma revisão gramatical e tipográfica. Em um terceiro estágio, as modificações eram discutidas entre o revisor e o tradutor. Assim, esses projetos tiveram importância fundamental na melhoria de qualidade das traduções literárias no Brasil, bem como na melhoria das condições de trabalho do tradutor.

1.6

(46)

Dentre os autores-tradutores, destaca-se Mário Quintana. Nascido no dia 30 de julho de 1906, na cidade de Alegrete, no Rio Grande do Sul, o poeta iniciou na infância o aprendizado da língua francesa, idioma muito usado em sua casa. Aos 13 anos, em 1919, foi estudar em regime de internato no Colégio Militar de Porto Alegre, onde também estudou o idioma.

Em 1930, a Revista do Globo e o Correio do Povo publicam seus versos e, quatro anos depois, a Editora Globo lança a primeira tradução de Quintana, seis anos antes de seu primeiro livro editado. Trata-se de uma obra de Giovanni Papini, intitulada Palavras e sangue, publicada na época em que esse autor italiano era reconhecido no Brasil. A partir daí, segue-se uma série de obras francesas traduzidas para a Editora Globo. O poeta foi um dos responsáveis pelas primeiras traduções no Brasil de obras de autores canônicos. A tradução exerceu grande influência na carreira de escritor de Mário Quintana.

Dois anos depois, ele transferiu-se para a Livraria da Editora Globo, onde foi trabalhar com Érico Veríssimo, também fluente em língua francesa. É por essa época que seus textos publicados na revista Ibirapuitan chegam ao conhecimento de Monteiro Lobato, que pede ao poeta gaúcho uma nova obra. Quintana escreve, então, Espelho mágico, que só é publicado em 1951, com prefácio de Lobato.

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atividade. Dizia que uma tradução, quando bem feita, era a estreia do autor estrangeiro na literatura de língua portuguesa e se ressentia de que isso não fosse levado em conta pelos críticos e leitores. De 1937 a 1946, pelo menos uma obra por ano de algum autor estrangeiro seria lida em português graças ao poeta-tradutor.

Em 1948, é publicada sua tradução mais famosa: o volume No caminhode Swann, de Em busca do tempo perdido. Da obra de Marcel Proust, Quintana traduziria, ainda, os volumes À sombra das raparigas em flor, em 1951, O caminho de Guermantes, dois anos depois, e Sodoma e Gomorra, em 1954. Lançada no Brasil pela Editora Globo, a tradução do francês teria também a participação dos poetas Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, que se ocupariam dos três volumes restantes. “Uma boa companhia”, dizia Quintana, em alusão aos colegas.

A fim de exemplificar a importância para a tradução no Brasil da estreita ligação entre Quintana e a Editora Globo, apresentamos a seguir, ordenados por ano de publicação, diversos autores estrangeiros consagrados que foram por ele traduzidos para a referida editora:

Traduções

PAPINI, Giovanni. Palavras e sangue. Porto Alegre: Globo, 1934. MASYAT, Fred. O navio fantasma. Porto Alegre: Globo, 1937. VARALDO, Alessandro. Gata persa. Porto Alegre: Globo, 1938.

Imagem

Fig. 2. Imagem da capa de No caminho de Swann, a primeira edição de 1948 do primeiro  volume de Em busca do tempo perdido
Fig. 3. Imagem da capa de No caminho de Swann, edição de 1956.
Fig. 4. Imagem da capa de No caminho de Swann, edição de 1981.
Fig. 5. Imagem da capa de No caminho de Swann, edição de 1988.
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